Quanto vale uma empresa? Uma empresa, como qualquer ativo, vale os seus fluxos de caixa futuros trazidos a valor presente por uma taxa de desconto que reflita o risco desse ativo.
Um título de dívida e uma ação podem ser precificadas da mesma maneira descrita no primeiro parágrafo. A diferença é que os fluxos de caixa da renda fixa são conhecidos, o que implica que a taxa de retorno é conhecida (por isso do nome renda fixa). Há uma relação certa entre o preço do título e sua taxa de retorno, já que os fluxos de caixa são conhecidos. Há o risco de calote (default), que está embutido na taxa de retorno da obrigação. Qualquer rendimento acima da taxa livre de risco indica que há risco de calote (títulos públicos dos Estados Unidos são o padrão de taxa livre de risco mundial, mas pense em um título brasileiro ou na taxa do CDI).
Na renda variável (ações, por exemplo), não se sabe com certeza os fluxos de caixa futuros, portanto não se sabe o retorno que se realizará. O que é possível fazer (e é o que se deve fazer) é uma estimativa dos fluxos de caixa futuro a fim de criar um retorno esperado, que podem ser bem diferentes dos valores reais no futuro.
E o que são os fluxos de caixa de uma ação (ou seja, o Patrimônio Líquido da empresa)? É o lucro líquido (receita menos todos os custos e despesas incorridos para gerar receita), mais as despesas que não afetam o caixa (depreciação e amortização), menos todos os investimentos feitos para a geração de resultados futuros (investimentos de capital e necessidade de capital de giro). Para crescer, uma empresa precisa realizar investimentos de capital (comprar máquinas e equipamentos, por exemplo) acima da depreciação incorrida e também precisa aumentar o nível de estoques, o nível de contas a pagar e o de contas a receber, e isso é o aumento no capital de giro. Se a empresa não cresce, os investimentos de capital apenas repõem a depreciação (a perda de valor de um ativo por conta de seu uso) e o capital de giro não precisa ser aumentado. As empresas podem financiar os investimentos com dívida e isso afeta o fluxo de caixa (soma-se a nova dívida levantada e subtrai-se a antiga dívida paga). Tudo isso, receita, despesas, custos, investimentos e dívida são projetados para o futuro e trazidos a valor presente por uma taxa de desconto, que é significativamente maior do que a taxa livre de risco (em outro post eu posso falar disso).
Os dividendos são os fluxos de caixa? Não necessariamente, já que existem empresas que pagam menos dividendos que podem e outros que não pagam. O pagamento de dividendos reflete as necessidades de investimentos que eu mencionei, mas por vários motivos pode ser um indicador menor menos confiável. A definição do parágrafo anterior vale para todos os casos.
São essas considerações que os analistas fazem ao calcular o preço justo (ou preço alvo, ou valor intrínseco, valor econômico, qualquer nome que se dê) de uma ação. Se fazem um bom trabalho ou não é outra discussão, mas essa é a idéia básica.
Mesmo que o leitor não deseje algum dia fazer a avaliação de uma empresa, esse tópico é útil por mostrar os fundamentos dos preços das ações. Algumas lições que podem ser tiradas disso:
1) O valor de uma empresa é função das expectativas futuras com base nas informações atuais. Dizer que os fundamentos não mudam de um dia para o outro é falso, apesar de intuitivamente fazer sentido. Os dados passados não mudam, mas as informações mudam de um dia para o outro (pense que se não mudassem, não existiriam jornais ou site de notícias!) e com isso as expectativas se alteram. Por exemplo, um determinado ativo tem certo valor dado uma expectativa pessimista de crescimento de 4% no PIB e com fartura de crédito. Já em outra avaliação deste mesmo ativo, porém baseada em uma expectativa otimista de crescimento do PIB de 3% e crédito mais escasso e mais caro, o valor é completamente diferente.
2) Risco destrói valor. Duas empresas com os mesmos fluxos de caixa projetados, mas com riscos diferentes, possuem valor diferente, pois a taxa de desconto é diferente. O risco aqui pode ser entendido como o grau de incerteza dos resultados futuros. Uma empresa com risco menor possui um resultado mais previsível (a projeção é mais confiável) enquanto os resultados de uma empresa com risco maior podem ser muito diferentes do projetado (para mais ou para menos). Pretendo escrever um post sobre risco e retorno no futuro para explicar melhor.
3) O valor da empresa pode ser aumentado com a melhora nos resultados atuais (aumento do nível de receitas e/ou redução do nível de custos e despesas em um período), com aumento no crescimento ou com a redução do risco (um exemplo moderno é ter boa governança corporativa).
Uma última consideração sobre preço e valor. O preço da ação negociada no mercado pode ser (e geralmente é) diferente do seu valor como valor presente de fluxos de caixa. Nada obriga que sejam iguais e nem mesmo a hipótese de mercados eficientes supõe isso. Tomando emprestada a definição do Alexandre Elder, o preço é o consenso de valor da empresa, resultado da interação da oferta e da demanda. Ou seja, o preço pode ser entendido como o valor presente dos fluxos de caixa que o mercado como um todo projeta, resultado implícito da interação de compradores e vendedores, que pode ser afetado por efeitos psicológicos (euforia e pessimismo, por exemplo).
Para quem quiser ler mais sobre isso sugiro a leitura do livro Valuation, do Alexandre Póvoa (mais básico), ou do Investment Valuation (2ª Edição) do Aswath Damodaran (mais avançado, só tem em inglês) ou do Avaliação de empresas, do mesmo autor (avançado e em português). Para quem não quer gastar dinheiro, no http://www.damodaran.com/ tem material grátis (em inglês).
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