domingo, 27 de maio de 2012

Liquidez, retornos e valor

(Liquidity, the Value of the Firm, and Corporate Finance)
Yakov Amihud e Haim Mendelson
Journal of Applied Corporate Finance. Volume 24. 2012

O artigo de Amihud e Mendelson, publicado na última edição do Journal of Applied Corporate Finance, analisa o efeito da liquidez dos títulos de dívida e de capital próprio no valor da empresa e no retorno dos ativos. Trata-se de uma revisão da bibliografia a respeito do artigo, e os outros artigos mencionados serão comentados de acordo com o que os autores escreveram.

Começa por uma definição de liquidez, sendo a facilidade, em termos de tempo e de custos, com que os ativos podem ser convertidos em dinheiro. A negociação de ativos envolve custos de liquidez, os mais óbvios sendo os custos diretos de corretagem e emolumentos, mas havendo também o impacto nos preços na forma de ágio para o comprador e desconto para o vendedor. A liquidez pode ser medida como o número de negócios realizados com o ativo ou o valor financeiro movimentado, mas a diferença entre as ordens de compra e de venda (referido aqui apenas como “diferença de preços”) também é uma medida de liquidez e de seu custo. Isso acontece porque além da disponibilidade de ativos para negociação, há a questão da assimetria de informações. Os investidores sempre têm receio de negociar com um investidor mais bem informado e esse receio se reflete no livro de ofertas, com investidores colocando ordens menores e com maior distância em relação à outra ponta temendo negociar com um investidor mais bem informado. Além da diferença de preços, há a questão da profundidade do livro, medido como a máxima ordem de compra ou venda que poderia ser enviada sem afetar significativamente os preços. Formadores de mercado também enfrentam riscos de estoque, ao terem que segurar ou vender a descoberto ativos para realizar as suas atividades e correndo o risco de valorização ou desvalorização do ativo.

Em outro artigo (Amihud e Mendelson (1986)) os autores modelam o efeito da liquidez nos retornos exigidos pelos investidores, função de diferença dos custos de liquidez e dos horizontes de tempo. Os retornos exigidos aumentam com a redução na liquidez (medida pela diferença de preços de compra e de venda), porém, em uma função côncava e não linear, ou seja, quanto menor a liquidez, menor o incremento nos retornos. Isso acontece porque cada vez mais os ativos serão detidos por investidores de longo prazo que não exigirão acréscimos de retornos tão elevados, com os custos de liquidez sendo mais diluídos no tempo. Uma segunda implicação do modelo é que ativos de alta liquidez sofrerão mais com quedas repentinas e generalizadas na liquidez, já que esses ativos continuarão a ser negociados com frequência, mas o impacto dos custos de liquidez serão maiores.

Figura 1 do artigo referido
Esse modelo gera hipóteses testáveis que são examinadas em testes empíricos. No mesmo artigo, os autores analisaram ações listadas na NYSE e na AMEX no período 1960-1980. As ações são divididas em sete grupos de liquidez (diferença de preços) e posteriormente divididas em sete carteiras agrupadas por beta. Os autores constatam que as ações menos líquidas possuem maiores retornos e a relação entre liquidez e retornos é côncava como esperado pelo modelo. Brennan e Subramanyan (1996), Datar et. al. (1998) e Brennan et. al. (1998) confirmam os resultados. Loderer e Roth (2005) analisaram o outro lado da mesma questão, que é o valor da empresa, determinando que ações mais líquidas resultam em maiores relações Preço/Lucro. Indo para outros tipos de ativos, Amihud e Mendelson (1991) analisaram títulos do tesouro americano, comparando notas (notes) e letras (bills). Igualando a maturidade dos títulos, os autores determinam que as letras, que são mais negociadas, possuem menor diferença entre preços de compra e de venda e possuem rendimento menor. Para títulos corporativos, parte da diferença de rendimento por conta de diferença de notas de crédito é atribuível a diferenças na liquidez, já que foi constatado por Chen et. al. (2007) que há também diferenças na diferença de preços entre títulos de alta e de baixa classificação. Chaplinsky and Ramchand (2004) verificaram que títulos distribuídos segundo a regra 144A oferecem maior rendimento do que títulos negociados sem restrições.

Outra questão é a mudança na liquidez ao longo do tempo e como isso afeta o comportamento dos ativos. Grandes quedas no mercado possuem um componente de redução na liquidez que dispara um ciclo vicioso, na medida em que menor liquidez leva a menores preços, que por sua vez acaba também afetando a liquidez. Isso foi comprovado por Amihud et. al. (1990) no Crash de 1987, com a diferença de preços aumentando junto com a desvalorização expressiva das ações. As ações que mais caíram nesse dia tiveram também a maior queda na liquidez e na recuperação as que mais ganharam liquidez foram as que mais subiram. O mesmo deve ter acontecido com a Crise Financeira e as quedas a partir da quebra do Lehman Brothers, embora não tenha referenciado nenhuma análise mais profunda desse período.

As empresas podem adotar providências para aumentar a liquidez de seus ativos e assim aumentar o valor da empresa. Listar as ações em mercado de bolsa, saindo do mercado de balcão, resulta em menores diferenças de preços e maiores valores. Esses resultados poderiam se dar por conta da sinalização de maior qualidade com a listagem das ações em bolsa. Amihud et. al. (1997) analisaram o mercado israelense, onde a própria bolsa mudou algumas ações de um regime de leilão diário para negociações de maior frequência, independente de deliberação da empresa emissora. Essa migração resultou em altas, ou seja, aumento no valor da empresa.

Diversos economistas procuraram incorporar a liquidez nos modelos de precificação de ativos. Além de um beta de mercado para medir a sensibilidade de uma ação ao retorno do mercado como um todo. Amihud (2002) utilizou como medida da liquidez do mercado a razão entre o retorno de mercado e o volume negociado, uma aproximação para o impacto das negociações nos preços. Quedas na liquidez do mercado resultam em queda nos preços e após choques que reduzam a liquidez o retorno futuro das ações aumenta. O efeito constatado foi maior para small caps, que geralmente são menos líquidas. Uma boa explicação é que, quando há uma redução na liquidez, além de haver uma migração de ações para renda fixa, os investidores trocam ações menos líquidas pelas mais líquidas, havendo a cadeia inversa para aumentos na liquidez. Esses resultados são confirmados por Pastor e Stambaugh (2005) e Acharya e Pedersen (2005). Um estudo mais recente de Acharya et. al. (2010) sobre títulos corporativos concluiu haver dois regimes de liquidez, o normal, quando choques de liquidez não parecem ter efeito muito importante, e o adverso, quando o preço dos títulos de grau de investimento sobe e os de grau especulativo caem.

Os autores passam a discutir a questão pelo outro lado, que é o do custo de capital, além de verificarem como decisões corporativas afetam a liquidez das ações. O primeiro estudo comentado (Lesmond et. al. (2008)) determina que a diferença de preços aumenta quando há um aumento na alavancagem e diminui quando há uma redução. Dificuldades em honrar os compromissos de dívida também reduzem a liquidez dos títulos da empresa, de forma que pode ser considerado outro custo de dificuldades financeiras. Lipson e Mortal (2007) descobriram uma maior propensão das empresas com ações mais líquidas de emitirem ações e serem menos alavancadas. Bharath et. al. (2009) também encontram uma relação negativa entre liquidez e alavancagem. Segundo Baker e Stein (2004), as empresas decidem emitir títulos quando há um nível geral de liquidez maior (medido pelo giro das ações). Butler et. al. (2005) encontram evidências de que os custos de emitir ações, como as taxas pagas aos coordenadores, diminuem durante períodos de maior liquidez. Dessa forma, as empresas podem desejar manter elevada liquidez, limitando o endividamento, para acesso ao mercado de capitais mais fácil e a menor custo.

Emitir diversos tipos de títulos pode ajudar a atrair diferentes tipos de investidores, porém, isso é obtido com um aumento na complexidade e reduzir a liquidez dos ativos individualmente. Isso foi constatado por Amihud et. al. (2003), que analisaram empresas com warrants muito “dentro do dinheiro”. Essas warrants diminuem a liquidez do ativo-objeto e após a sua expiração e conversão em ações houve uma tendência à alta nas ações proporcional ao aumento na liquidez. Isso não seria de se esperar analisando o mercado apenas em termos de risco de mercado, mas pode ser justificável considerando a questão do custo e risco de liquidez. Para evitar essa situação, o melhor seria não emitir tantos tipos diferentes de títulos, o que pode se aplicar ao caso brasileiro, havendo potencial de redução no custo de liquidez com a emissão apenas de ações ordinárias.

Há ainda questões relativas à política de dividendos, sendo que dividendos que nada mais são do que a transformação de parte de ativos menos líquidos no ativo mais líquido que há (dinheiro). Logo, uma hipótese seria a de que os dividendos são mais importantes para ações menos líquidas. O estudo de Banerjee et. al. (2007) mostra que há a tendência das empresas com ações menos líquidas pagarem mais dividendos. Além disso, o risco de liquidez das ações de menor liquidez diminui após a iniciação de pagamento de dividendos. Amihud e Li (2006) descobriram que a reação do mercado ao anúncio de distribuição de dividendos é maior entre as ações menos líquidas. Apesar de ter o mesmo efeito em diverso contextos, no que se refere à liquidez a recompra de ações pode ter efeito diferente, ao reduzir o número de ações em circulação e exacerbar preocupações com assimetria de informações. Brockman et. al. (2008), além de confirmar que iniciação de dividendo é mais provável para empresas com ações menos líquidas, além da razão de distribuição ser maior, descobrem que empresas com ações mais líquidas são mais propensas a recomprar ações e que o desembolso em recompra de ações é uma função crescente de acordo com a liquidez. Talvez isso explique a crescente propensão a recomprar ações, contemporânea do aumento na liquidez geral do mercado.

As empresas podem contribuir para o aumento na liquidez de suas ações de diversas maneiras. Uma maneira é atrair mais investidores pessoa física, o que resultaria em maior atividade por investidores menos informados, o que pode ser benefício para a liquidez (reduzindo o receio de negociação com investidores com informações privadas). Uma maneira é diminuir o lote mínimo de negociação, o que, conforme Amihud et. al. (1999), aumentou o número de investidores pessoa física, também aumentando liquidez e retornos proporcionalmente ao aumento da base de investidores. Muscarella e Vetsuypens (1996) analisando ADRs (para não contaminar os resultados com efeitos de sinalização vindos da empresa) e Mukherji et. al. (1997) confirmam os resultados para desdobramento de ações. Grullon et. al. (2004) analisaram o efeito da promoção de produtos e encontraram efeitos positivos na liquidez das ações. A empresa pode ainda contratar formadores de mercado, o que, segundo Menkveld (2008), diminuiu a diferença de preços e resultou em alta nas ações. Dessa forma, atrair mais investidores pessoa física pode ser uma boa ideia, não porque esses investidores reduzem a volatilidade (ver aqui), mas por aumentar a liquidez.

Há ainda a possibilidade de reduzir os custos de liquidez aumentando a transparência de informações. Botosan (1997) concluiu que empresas que divulgam mais informações em seus relatórios anuais possuem menor custo de capital, o efeito sendo maior para empresas menores e com pouca cobertura de analistas. Raman e Tripathy (1993) e Barth et. al. (2007) confirmam esses resultados. Coller e Yohn (1997) encontram resultados parecidos analisando empresas que emitem projeções e Brennan e Subrahmanyam (1995) encontraram relação positiva entre número de analistas e liquidez, resultados confirmados por Roulstone (2003). Quando as empresas perdem cobertura de analistas, como analisado por Balakrishnan et. al. (2011), há uma perda de liquidez que pode ser compensada por maior divulgação voluntária de informações. Em suma, a assimetria de informações afeta a liquidez das ações, medida pela diferença de preços. Dass et. al. (2012) mostram que as empresas mais inovadoras (com maiores gastos em P&D e maior número de patentes/citações) possuem maior liquidez e também se preocupam mais com a questão da liquidez e da assimetria de informações.

Maior liquidez também pode influenciar as decisões de investimento, já que impactam o custo de capital. Uma maneira de testar essa hipótese foi examinar as ações após sua inclusão no S&P 500, o que aumenta a liquidez das ações. Becker-Blease e Paul (2006) analisaram essa questão. Após esse evento, há um aumento nos gastos de capital das empresas proporcional ao aumento da liquidez.

Maior liquidez pode envolver maiores custos para empresa, tanto com gastos para aumentar a divulgação de informações e com formadores de mercado quanto custos de competitividade ao também fornecer informações aos concorrentes.

Aumento na liquidez também afeta a governança corporativa, podendo ter efeitos positivos ou negativos. Maior liquidez pode reduzir a estabilidade das ações e dispersar a concentração acionária (e não sei se esse último fator é positivo ou negativo). Segundo Bhide (1993), maior liquidez pode reduzir o ativismo dos investidores, que irão simplesmente vender as ações ao invés de tentar mudar a empresa, mas Maug (1998) sugere que o contrário pode ocorrer, inclusive com fundos podendo adquirir participações relevantes, aproveitando-se da liquidez. Chung et. al. (2010) analisam o reverso da causalidade, ou seja, como a governança pode aumentar a liquidez e encontram relação negativa entre o índice de governança (calculado de acordo com as práticas de governança adotadas pela empresa) e a liquidez (diferença de preços). Por fim, a liquidez afeta a remuneração da administração, maior liquidez reduzindo, segundo Jayaraman e Milbourn (2011), a proporção de dinheiro e aumentando a sensitividade da remuneração ao desempenho. Isso ocorre por reduzir o custo de uma futura venda, mas também porque pode ações mais líquidas refletem de maneira mais adequada a visão do agente interno (o administrador) sobre o valor da empresa. Aumento de liquidez após desdobramento potencializa esses efeitos.

Essa é uma questão muito importante na análise de investimentos e para o estudo do retorno dos ativos. Muitas ações podem parecer baratas (ou seja, têm baixo P/L ou baixo P/VPA), porém, é necessário verificar se a baixa liquidez não está afetando a avaliação dessas ações. O segundo ponto é que, como posto pelos autores, incluir a liquidez das ações ou “betas de liquidez” ajuda a explicar os retornos das ações. O modelo de três fatores não inclui explicitamente a liquidez, mas a minha opinião é a de que isso está parcialmente refletido no fator HML (o que tem a ver com a minha primeira observação), mas também com o SMB, já que, como visto no artigo, ações de empresas menores são menos líquidas. Como já devo ter expressado antes, é necessário “desembutir” os diversos outros fatores dentro dos dois adicionados por Fama e French para termos uma visão melhor sobre os fatores de risco que influenciam os retornos e preços dos ativos.


sexta-feira, 18 de maio de 2012

A semana (07/05-18/05)

Finanças



Mudança no cálculo da poupança: Parte 1 e 2

Economia









Don't Worry (About GDP), Be Happy – PIB tem falhas. Ponto. Mas sempre fui cético quanto aos “índices de felicidade”. O texto oferece mais alguns motivos para duvidar desses índices.

Liberdades Individuais


Quer diminuir a corrupção no Brasil? Tire poder das mãos de políticos! – “Quando a compra e venda são controladas por legislação, as primeiras coisas a serem compradas e vendidas são os próprios legisladores”.

'Paycheck Fairness' Will Mean a Pay Cut for Men – Não é só no Brasil que temos essas coisas.

José Galló: "Ninguém ajusta a economia por decreto" – Em tempos de capitalismo de compadrio, é bom ver alguém divergir.

Tweet da quinzena
@drunkeynesian “Caro ~deep value investor~, se você comprou um ativo que caiu 80%, você errou, não importa o que vai acontecer depois.”

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Duas homenagens

Dias 15 e 16 marcam o aniversário de dois economistas já falecidos que contribuíram muito para o estudo e Finanças: Paul Samuelson (15) e Merton Miller (16). Uma singela homenagem comentando um artigo de cada um. Os textos escolhidos poderiam ser melhores, mas esse ano vamos ter que ir com esses mesmo.

(Entendo quando leio, mas não sei traduzir esse título)

Paul Samuelson, prêmio Nobel de 1970, contribuiu para diversos ramos da Economia e escreveu um dos principais livros-textos, de forma que Robert Merton o chamaria de último economista generalista. Isso inclui Finanças, com Samuelson tendo participado de toda a curta história dessa área. Nesse artigo, Samuelson escreve sua autobibliografia da mesma forma que Eugene Fama faria em outra edição da mesma revista.

O que considerei mais interessante foram os pontos em que Samuelson comenta sobre hipóteses (no plural) de mercado eficiente, um trabalho desenvolvido antes de Fama, que teve contribuições independentes. Samuelson começou analisando a ideia de que os preços seguem um padrão caminho aleatório baseado no trabalho de Louis Bachelier (ele conta que quando um economista pediu uma cópia do livro de Bachelier, ele foi o único respondente). Samuelson conta a história de Halbrook Working, que criou um gráfico de preços de ativos negociados na Chicago Board of Trade seguindo o caminho aleatório e pediu para que os operadores diferenciassem o gráfico artificial e o real, os operadores não conseguindo discernir um do outro com precisão. A explicação de Samuelson para os preços seguirem o caminho aleatório é que nenhum padrão ex-ante surge em um mercado com muitos compradores e vendedores com diferente informações interagindo em leilões competitivos.

Isso não significa que não haja investidores que obtenham retornos anormais, o caso que mais imediatamente vem à mente (inclusive na de Samuelson) sendo de Warren Buffett. A questão é que, nas palavras dele, “there are no easy pickings” e que exceções pouco numerosas à regra podem ser esperadas. Uma das ideias principais dele sobre eficiência de mercado é a micro-eficiência contra a macro-ineficiência. Ele não contesta que retornos anormais só seriam possíveis tendo informações que outros investidores não possuem, o que é difícil de conseguir em um mercado micro-eficiente. Mas ele não corrobora que todo movimento do mercado em geral é baseado em reações a novas informações (macro-ineficiência).

Ele conta algumas histórias sobre investidores, em muitas ocasiões alertando para o excesso de alavancagem. Keynes que é Keynes quase quebrou não fosse um amigo da City londrina. Irving Fischer assumiu compromissos de margem que não podia honrar e ficou “virtualmente falido” (mais de uma vez). Uma passagem interessante é quando Samuelson afirma que quando a operação vai contra o investidor, o modelo diz “espere lucros ainda maiores” e que há momentos em que se deve duvidar do modelo e ir pescar. Conta também que David Ricardo teria manipulado o mercado de renda fixa durante o final das guerras napoleônicas ao ter vendido títulos britânicos, levar outros investidores a acreditar que ele possuía informações privilegiadas e depois revertendo as operações e obtendo lucros astronômicos.

Samuelson menciona diversos economistas. Na parte positiva, cita que Robert Merton afirmou que as maiores contribuições de Samuelson vieram depois dos 50 (e como Merton “conta cartas bem”, acreditou que ele deveria estar certo). Fama, “admirável jovem”, é mencionado e Samuelson defendia sua láurea pelo Nobel. Sobre John Bogle, menciona convite para fazer parte do conselho da Vanguard, Samuelson recusando para estar “mais livre para se entusiasmar” com a empresa. Cita também um artigo que escreveu em ocasião dos 80 anos do “grande Markowitz”. Na parte negativa, Hayek, Milton Friedman e Henry Hazlitt (sem mencionar seu nome).

Um ponto interessante é quando ele cita ser leitor de revistas de medicina e ter escrito artigos sobre Biologia. Ao invés de se arrepender de não ter sido médico, ele procura traçar paralelos entre medicina e tomada de riscos. Infelizmente, ele não escreveu sobre um tema que muito me interessa, que é a noção de que ações se tornam mais atrativas quanto maior for o horizonte de tempo, da qual Samuelson discorda, mas escreveu só de passagem no artigo.

Nesse artigo, Miller compara os mercados financeiros baseados em bancos (especificamente, os asiáticos, na análise da Crise da Ásia do final da década de 1990) e os baseados em mercados de capitais (Estados Unidos). O argumento de Miller é de que a diversificação das fontes de capital tornaria o mercado financeiro mais seguro e menos propenso a enfrentar crises.

O sistema bancário tem seus pontos positivos na forma do “milagre” (palavras dele) de criação de liquidez ao assumir um passivo de curto prazo e investi-lo em ativos de prazo maior. (Isso se dá pelo sistema de reservas fracionárias). O problema é que os bancos são vulneráveis ao descasamento de prazos e às corridas bancárias (como as que ocorrem na Grécia agora). Por conta da importância dada ao sistema bancário, os governos procuram mecanismos para salvaguardar os depósitos, o que cria problemas adicionais de risco moral (os bancos sabendo que serão resgatados assumem mais risco do que fariam se tivessem que ser mais prudentes). Isso cria situações como na Tailândia, onde o governo oferecia garantias para os depósitos, emitindo dinheiro para honrar essas garantias, ao mesmo tempo em que Banco Central tentava diminuir a liquidez para reduzir a especulação. A resposta foi criar regulações de capital para os bancos, exigindo determinado porcentual de capital sobre um determinado montante de ativos ponderados pelo risco. Isso aumentou a burocratização e a corrupção, de modo que talvez tenha só piorado as coisas.

Miller analisa a crise da Ásia começando pelo Japão, que não chegou a fazer parte dos países em crise em 1997, mas que originou toda a confusão. O Japão era um dos países com sistema financeiro muito baseado em bancos, que passaram a encontrar dificuldades em manter os níveis de capital requeridos por conta de massivos empréstimos imobiliários. O crash do mercado acionário e dos preços de imóveis e inadimplência nos empréstimos para pessoas jurídicas levaram os bancos para pesadas perdas que dificultaram o atendimento dos requisitos de capital. Há duas possíveis soluções para esse problema: ou injetar novo capital próprio com emissão de ações (problema: isso poderia levar à perda de controle por parte dos grandes acionistas) ou o governo resgatar com compra de ações sem direito a voto.

A solução não foi nenhuma das duas, e sim baixar os juros na esperança de que os bancos lucrassem tanto com a diferença entre taxas de curto e de longo prazo que pudessem se recapitalizar. Isso, porém, levou à depreciação do iene em relação a outras moedas, como o dólar. O problema é que outras economias asiáticas passaram sofrer pressão sobre suas moedas, que passaram a ser consideradas sobrevalorizadas com a mudança na política monetária no Japão. Como havia muita dívida em dólar, a depreciação cambial nessas economias elevou o custo em moeda local das dívidas, o que significou séria ameaça para a economia real, como se notou na Crise Asiática.

A solução de Miller é rebaixar o papal do sistema bancário na economia com substitutos de outras partes do mercado financeiro. Uma possibilidade é utilizar fundos de curto prazo (Money market funds) para concorrer com depósitos em bancos. Na verdade, qualquer tipo de fundo de baixo risco serviria, mas fundos de curto prazo possuem menor risco de mercado e o valor da cota não mudaria tanto com variações nas taxas de juros. Havendo lastro de 100%, com potencial garantia do sponsor do fundo, não haveria incentivos para o equivalente de corridas bancárias, já que nenhum cotista se beneficiaria de ser o primeiro a solicitar resgate. O que se observa é que nas economias asiáticas havia desincentivo para a criação de substitutos aos bancos como forma de financiar a expansão econômica (segundo Miller, esses países tinham tecnologias financeiras atrasadas).

Um mercado mais ativo de títulos privados de segunda linha também ajudaria a financiar essas empresas, já que os bancos preferem a segurança de títulos mais líquidos, apostando na alavancagem para lucrar mais. Um mercado mais líquido para obrigações de segunda linha também poderia pressionar mais a gerência das empresas e criar tentativas de tomada de controle, o que desafia o poder dos atuais acionistas, tudo o que não se queria nos sistemas mais baseados em bancos.

Calomiris (2012) analisou o artigo de Miller à luz dos eventos recentes (ou seja, a Crise Financeira de 2008) com a cautela de saber que argumenta contra um homem que não pode se defender. Calomiris discorda de Miller em alguns pontos, como o excesso de confiança nos fundos de curto prazo (que tiveram casos de falências entre 1998, data da publicação original do artigo, e 2012), argumenta que nem todo sistema bancário é tão vulnerável (citando o caso do Canadá), que os problemas dos países do sudeste asiático mostram mais as mazelas do sistema político do que do bancário. O autor não discorda totalmente que o mercado de capitais como diversificação das fontes de financiamento tenha um efeito benéfico, mas lembra a natureza mista dos empréstimos subprime, originados no mercado de capitais, mas disseminados pelo sistema bancário. Mesmo com papel menor no financiamento, os bancos ainda atuam como intermediários financeiros e acabam assumindo parte do risco das operações. Bancos e mercados de capitais dependem mutuamente um do outro, de forma que não se elimina crises atribuindo menor papel ao sistema bancário. A solução segundo Calomiris não passa apenas por conferir maior relevância para o mercado de ativos, e sim por tornar mais crível a regulação, eliminar os resgates governamentais e o risco moral, e eliminar subsídios governamentais que distorçam os incentivos.
***
Espero no ano que vem comentar artigos sobre a atratividade de longo prazo das ações (Samuelson) e os teoremas de Modigliani-Miller, o que é mais representativo da obra desses autores.

Fonte das imagens: Site do prêmio Nobel: Samuelson e Miller.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

QI e desempenho dos investidores

(IQ, trading behavior and performance)
Mark Grinblatt, Matti Keloharju e Juhani T. Linnainmaa
Journal of Financial Economics. Volume 104. Ed. 2.

O efeito do QI no comportamento dos investidores já foi discutido anteriormente no blog com artigo também de autoria de Mark Grinblatt (ver aqui). Na ocasião, a questão era sobre a decisão de participar do mercado. Agora, a pesquisa é sobre o desempenho dos investidores em função do QI, também na Finlândia e com a mesma base de dados da câmara de compensação do país utilizada em outro artigo (ver aqui) publicado na mesma edição da edição especial do JFE algumas páginas depois. Estatísticas sobre QI veem de testes realizados para alistamento militar. O período da análise é entre 1995 e2002.

Os autores procuraram analisar como investidores com alto e baixo QI diferem em relação a vieses comportamentais e Analisando as estatísticas descritivas, os resultados de pesquisas anteriores sobre o efeito do QI na decisão de entrar no mercado fazem sentido, com o QI médio dos investidores sendo maior do que o QI médio da base inteira. Além disso, na separação em nove grupos, os quatro de menores QIs representam 41% da base total, mas apenas 24% da base de investidores. Criando carteiras com base em grupos de QI, não há diferenças significativas na exposição a fatores de risco. O desempenho de um mês dos investidores de maior QI é marginalmente menor do que o desempenho dos de menor QI, porém, calculando retornos de um mês os resultados são inversos e mais significativos. Um número maior de investidores de alto QI compra ações na mínima do mês e vendem na máxima do que investidores de baixo QI. A tendência de “seguir a manada”, medido pela razão entre as ações compradas dividido pelo número de ações compradas ou vendidas na semana passada, é menor para investidores de maior QI.

As estatísticas descritivas afirmam que os investidores com maiores capacidades cognitivas são menos suscetíveis a vieses comportamentais e conseguem maiores retornos, mas são necessárias análises mais profundas para se chegar a alguma com conclusão mais concreta. A primeira análise multivariada é a respeito da tendência dos investidores em vender ou manter ações já compradas. Os autores usam como principal variável independente o QI, que tem como valor -1 o grupo com menor QI e +1 o com maior QI (0 sendo o grupo mediano). Sem relacionar com QI, os autores notam que as ações com retornos negativos (sem incluir dezembro) são menos prováveis de serem vendidas, enquanto que as ações em alta têm maior probabilidade de serem vendidas. Na parte negativa, há uma relação monotônica, as ações com pior desempenho tendo maior chance de serem vendidas do que as com desempenho menos ruim. Isso não acontece no caso das altas, as ações com altas mais modestas tendo maior chance de serem vendidas. Os resultados confirmam que investidores pessoa física sofrem do efeito disposição, a propensão a não se desfazer de maus investimentos. Porém, controlando conjuntamente por QI, os autores notam que investidores com maior QI são mais propensos a venderem ações perdedoras e os com menor QI menor propensão.

Outra questão é a venda para fins de compensação tributária. De forma geral, os investidores são mais propensos a venderem ações perdedoras em dezembro e menos propensos a venderem ações ganhadoras. Interagindo o retorno com o QI, nota-se que investidores com maior QI valem-se mais do gerenciamento tributário. Dessa forma, o investidor mediano está sujeito ao efeito disposição na maior parte do ano, mas busca benefícios tributários em dezembro.

Investidores com maior QI têm maior tendência de comprar as ações na mínima do mês e vender na máxima do mês do que os com menor QI. Isso se configura na adoção de estratégias contrárias, e a utilização desse esquema de investimentos pode se dar por maior habilidade ou por viés comportamental. Se estudos anteriores sobre estratégias contrárias estiverem corretos, é provável que maior habilidade seja a melhor explicação. Os autores analisaram o efeito manada através do indicador mencionado acima, mas relativos apenas para vendas (número de ações vendidas por outros investidores / número de ações vendidas e mantidas por outros investidores). Os resultados mostram que esse indicador está positivamente relacionado com a propensão individual para vender, confirmando o efeito manada. Porém, interagindo esse indicador com a variável de QI, perde-se a significância estatística, o que indica que investidores de alto QI não são suscetíveis ao efeito manada.

Estudando agora as compras também, os autores analisam a propensão dos investidores de agirem junto com investidores de QI semelhante. Tanto na compra quanto na venda, o comportamento dos investidores de menor QI (grupos 1-4) é mais correlacionado com o comportamento de investidores com QI semelhante (grupos 5 e 6) do que com os com maior QI. Analisando agora os investidores com maiores habilidades cognitivas, não há muita relação significativa com as compras ou vendas dos investidores com outros níveis de QI, mas a diferença é maior com o grupo de menor QI. Em suma, os investidores tendem a agir de forma parecida com investidores com níveis significativos de inteligência.

Após investigar o comportamento dos investidores, os autores passam a analisar o desempenho. Considerando toda a base, os investidores de maior QI (grupo 9) conseguem retorno maior do que os de menor QI (grupo 1-4). Controlando por patrimônio, a tendência é que os resultados se mantenham, mas muitos testes não passam na significância estatística. Os autores também ponderam os retornos pela taxa de participação, notando que as diferenças entre os grupos de QI aumenta, indicando que investidores de menor QI possuem piores habilidades de market timing.  Isso também se percebe em um gráfico que mostra que a taxa de entrada dos investidores de maior QI é maior no começo do período, mas reverte durante a bolha pontocom (que aparentemente também ocorreu na Finlândia, embora em menor escala do que nos EUA). Ou seja, há diferenças entre os investidores de diferentes níveis de inteligência também em relação à taxa de entrada no mercado.

Esses resultados podem se dar por outros fatores não considerados, de forma que o próximo passo natural é realizar análises multivariadas controlando por uma série de fatores dos ativos e dos investidores (incluindo patrimônio). Em diversas janelas de tempo, a principal sendo [0,0] (ou seja, day trades), as ações compradas pelos investidores de menor QI tiveram um desempenho pior do que as compradas por investidores dos grupos de maior QI, com a diferença crescendo com a inteligência. Os resultados são mais significativos para prazos menores do que 22 dias. Considerando as vendas, os resultados são bem menos significativos, de forma que não é possível afirmar que haja influência da inteligência nas operações compradas. Experiência, medida pelo número de operações realizadas, não está relacionada com o desempenho exceto no curto prazo.

Por fim, os autores analisam a questão dos custos de transação, mais especificamente, a diferença entre a melhor ordem de compra e a melhor oferta de venda. Esse é um custo de transação na medida em que o investidor deve pagar um preço superior ou aceitar um preço menor para operar imediatamente (ou seja, sacrifica um pouco de retorno por maior liquidez de curtíssimo prazo). Isso afeta principalmente as ordens a preços de mercado, de forma que escolher o momento certo de utilizar esse tipo de ordem é crucial para os retornos, principalmente de curto prazo. Os autores possuem os preços e os tipos de ordens dos investidores, porém, por um período de tempo menor (três anos). Examinando apenas as ordens a mercado, por enquanto, a análise dos retornos considerando variáveis de controle indica que os investidores de maior QI conseguiram um maior retorno, agora definido como a diferença entre o ponto médio entre a melhor oferta de compra e a de venda e o preço de compra/venda. Isso indica que esses investidores escolheram os momentos em que a diferença entre os preços era menor. A diferença entre o preço de compra e o ponto médio costuma ser negativa e menos negativa quando a diferença entre as ofertas de compra e de venda são menores, e o melhor desempenho dos investidores de maior QI indica que eles enviaram ordens a mercado em momentos em que a diferença é menor.

Realizando o mesmo tipo de análise para ordens limitadas, os autores também encontram evidências de que os investidores de maior QI conseguem maiores retornos, embora a significância dos resultados seja menor do que no primeiro teste. A principal referência agora foi a diferença entre o preço de compra/venda e o de fechamento, e o maior resultado indica que os investidores mais inteligentes colocaram ordens limitadas em momentos de menor risco de negociar com um investidor mais bem informado. Análises adicionais mostram que investidores mais experientes colocam ordens a mercado ou limitadas nos momentos mais propícios e que investidores com maior patrimônio conseguem maiores retornos analisando apenas as ordens a mercado (os resultados não foram significativos para ordens limitadas).

Juntando os resultados do desempenho, a conclusão é que os custos de transação estão relacionados com o QI, com a experiência e a riqueza, esses últimos dois fatores não tendo relação com o desempenho, de forma que QI deve estar relacionado com habilidade.

Em resumo, investidores com habilidades cognitivas superiores são menos propensos a vieses comportamentais, realizam maior compensação tributária, conseguem menores custos de transação e isso resulta em maiores retornos. Há de se observar que esses resultados são relativos a investidores de menor QI, e não foi feita uma análise em termos absolutos. Falta ainda, segundo os próprios autores, descobrir o mecanismo através do qual investidores de maior QI conseguem retornos superiores (melhor interpretação de informações públicas, acesso a informações privadas ou internas...?). 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Revisão do Ibovespa (mai/12)

Mudanças na composição
Oi
Telemar, sempre complicando a nossa vida...

A Brasil Telecom (BRTO) mudou de código para OIBR e nome de pregão para Oi, incorporando a empresa que a adquiriu, Telemar (TNLP) e Telemar NL (TMAR). Dessa forma, saem TMAR5, TNLP3 e TNLP4, BRTO4 muda de código para OIBR4 e a BRTO3, que não estava no Ibovespa, entra na forma de OIBR3, somando o índice de negociabilidade de TMAR3, TNLP3 (maior) e BRTO3. Então, tecnicamente:

Mudou de Código: BRTO4 para OIBR4.

Entra: OIBR3 (ex BRTO3), que não havia feito parte do Ibovespa após uma revisão quadrimestral (entrou na OPA da BRTP4, mas saiu na revisão seguinte).

Sai: TNLP3, TNLP4 e TMAR5.

Maiores Pesos
VALE5: 9,226% (- 0,06 pp)
PETR4: 8,068% (- 0,162 pp)
OGXP3: 5,069% (- 0,129 pp)
ITUB4: 4,690% (- 0,005 pp)
PDGR3: 3,461% (+0,505 pp, +3 posições)
BBDC4: 3,411% (+0,047 pp, -1 posição)
BBAS3: 3,169% (-0,001 pp)
BVMF3: 3,106% (-0,097 pp, -2 posições)
VALE3: 3,012% (+0,057 pp)
GGBR4: 2,665% (-0,225 pp)

Na lista de 10 empresas com maior participação, contando Vale apenas uma vez e desconsiderando PETR3 (11ª) e ITSA4 (12ª), entra USIM5 (1,873%)

Soma das maiores participações: 45,877% (45,977% na revisão passada)
Maior ganho de participação: PDGR3 (+0,505 pp)
Maior perda de participação: USIM5 (-0,422 pp)
Menor participação: TRPL4 (0,176%)

Número de empresas
Sem acréscimos (BRTO3 não aumenta o número de empresas), continua em 322.

Maiores participações há dez anos
Telemar PN: 13,096%
Petrobras PN: 9,103%
Telesp Celular PN: 5,692%
Bradesco PN: 5,05%
Embratel PN: 4,612%
Globo Cabo PN: 3,954%
Eletrobras PNB: 3,285%
Brasil T Par PN: 3,252%
Vale PNA: 2,982%
Petrobras ON: 2,965%

Total: 53,991%

Peso das IPOs
A quantidade de IPOs continua em 23 (33,82% do número de ações), com participação de 30,61% (29,724% na revisão anterior).

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Desempenho dos pares e decisão de entrar na bolsa


A: Cara, tô feliz com minhas Cielos subindo 100%...
B: É... (p@%$#, devia ter comprado...)
(Peer performance and stock market entry)
Markku Kaustia e Samuli Knüpfer
Journal of Financial Economics. Volume 104. Ed. 2. 2012

Todos os que convivem com pessoas com uma renda razoavelmente elevada ou que estudem em cursos de administração, economia, contabilidade ou engenharia já devem ter ouvido alguma pessoa contar seus feitos na bolsa de valores. Os que já investem em ações podem eventualmente sentir uma pontada de inveja, por não estar indo tão bem, ainda mais dependendo da forma como a pessoa se comunica. E quem está fora quer entrar. Será?

O artigo de Kaustia (o mesmo de um artigo sobre preferências políticas e participação no mercado, já analisado aqui) e Knüpfer analisa a relação entre o desempenho de pessoas próximas e a decisão de entrar no mercado acionário. A interação social influencia diversos tipos de comportamento, incluindo o aprendizado, decisões no mercado de trabalho e decisões de consumo. Dois canais podem influenciar a decisão de investir em ações por conta do desempenho dos pares: o primeiro é a reavaliação das perspectivas sobre o desempenho futuro das ações (hipótese da extrapolação) e o segundo é preocupação com riqueza relativa.

A pesquisa foi feita na Finlândia entre 1995 e 2002 com informações da depositária central do país, uma base de dados (assustadoramente) detalhada das operações dos investidores. Os autores agregaram os investidores por CEP e calculam diversas variáveis, dentre elas a taxa de entrada e o “retorno das redondezas”. A taxa de entrada é calculada com base na data da primeira operação de compra do investidor, excluindo aquisição de ações por outros meios (oferta de ações, herança, presente etc.), e é definida de duas maneiras: número de novos investidores dividido pela população do CEP ou pelo número de não investidores. Para fins de descrição da população, os autores procuraram os fatores que determinam a taxa de entrada no mercado, renda, patrimônio e escolaridade sendo fatores determinantes. Já o retorno das redondezas é o retorno da carteira agregada do CEP, com ponderação igual da carteira dos investidores. Os autores utilizam defasagem de um mês, ou seja, analisam a taxa de entrada de um mês com os retornos do mês anterior. A periodicidade das observações é mensal.

A hipótese é que haja uma relação positiva entre as duas variáveis porque as pessoas contam sobre suas experiências a pessoas próximas e histórias de sucesso na bolsa incentivariam os outros a investir em ações. Claro que essa definição de variáveis não é perfeita, porque pessoas de uma região interagem com pessoas de outras, mas constatar uma relação positiva seria sugestivo. Outras variáveis serão analisadas em conjunto, como a taxa de participação (número total de investidores no CEP dividido pela população) do mês anterior, já que é provável que a taxa de entrada seja menor em um local onde já há bastante investidores.

E os resultados da análise indicam que há uma relação entre a taxa de entrada e os retornos das redondezas no mês anterior, adotando as duas definições de taxa de entrada. O aumento de 1 desvio padrão nos retornos resultam em aumento na taxa de participação de 0,085 pontos base, ou 9,4% da taxa de entrada média. Separando os CEPs pela taxa de participação, nota-se que o efeito dos retornos na taxa de entrada é maior em regiões já com maior taxa de participação, mesmo controlando por essa variável. Isso reforça que há um aprendizado social, já que em regiões com maior taxa de participação haverá mais pessoas falando sobre seus ganhos no mercado, o que irá “contaminar” os demais. Imagine que em uma roda de amigos só um dentre dez invista em ações: mesmo que esse esteja obtendo retornos expressivos, o assunto provavelmente não virá a tona; porém, se for quatro dentro dez, haverá mais chance de tocarem no assunto, influenciando os demais seis dentre dez. Ponderar por valor, não igualmente, produz um coeficiente menor, o que indica que mais importante é o número de investidores ganhando do que o ganho médio em si. Ponderar por valor geralmente é uma boa ideia, mas aqui faz com que se analise mais os retornos dos maiores investidores e menos da maioria, que é o grupo mais relevante na análise de influência social. No exemplo da roda de amigos, mais vale quatro investidores com retornos razoáveis do que um ganhando por quatro na hora de influenciar a decisão dos outros integrantes.

A relação positiva entre as variáveis tem uma fraqueza. O mais provável é que as pessoas contem mais sobre seus sucessos do que sobre seus fracassos, seja por gostarem mais de falar de suas experiências positivas, seja para passarem uma imagem melhor e extrair benefícios privados, seja por creditarem à sua competência o bom retorno. Para não passar uma imagem ruim, as pessoas deixariam de contar sobre seus fracassos, porém, a relação positiva entre retorno da redondeza e taxa de entrada sugere que retornos negativos levariam a saídas líquidas porque pessoas contariam também sobre seus fracassos. Isso é o que se chama de comunicação seletiva.

A próxima etapa da análise é separar os retornos positivos e os negativos. Os resultados indicam que a taxa de entrada é influenciada exclusivamente pelos retornos positivos, coerente com a hipótese de comunicação seletiva. E quanto maior o retorno, maior o impacto na taxa de entrada. Restrições a vendas a descoberto, que aparentemente não foram incluídas nas carteiras (ou não houve vendas a descoberto) provavelmente influenciam esses resultados.

Outros fatores poderiam explicar esses resultados, além da extrapolação e da comunicação seletiva. O chefe do domicílio poderia comprar ações em nome de outros membros da família, o que aumenta a taxa de participação sem que isso seja resultado da interação social analisada pelos autores. Essa situação é contornada analisando apenas os homens nascidos entre 1948 e 1968 (ou seja, que tenham entre 27 e 54 anos), grupo que os autores acreditam ser menos passíveis de virem a ganhar ações de presente de outras pessoas da família. Os resultados são parecidos com as análises principais.

Fatores locais além da interação social poderiam afetar a decisão de entrar no mercado. Dois canais poderiam aumentar a riqueza local e, com isso, aumentar a taxa de participação sem que haja necessariamente o efeito dos contatos sociais. Os autores isolaram o efeito do retorno das redondezas em municípios onde na há sede de empresas ou que não haja empresas no raio de 30 quilômetros, mas os resultados mostram que não há diferença entre regiões com ou sem empresas sediadas, de forma que esse tipo de choque local não determina a relação estabelecida. Em seguida, os autores isolam as regiões onde há número acima da meda de donos de imóveis próprios ou de empreendedores, o que poderia elevar a renda nessas regiões, também não encontrando resultados significativos. Poderia acontecer dos retornos com ações em um mês afetar a decisão de entrada nos próximos meses por algum aumento da renda local, mas retornos da redondeza com mais de dois meses de atraso não geram resultados significativos.

Poderia acontecer dos novos investidores decidirem entrar no mercado adquirindo as ações que os investidores locais compram, independente dos retornos obtidos por esses investidores. Os autores examinam esse caso analisando apenas ofertas públicas iniciais, já que nenhum investidor teria aplicado anteriormente nessas ações. Ainda há uma relação positiva entre os retornos e a taxa de entrada mesmo considerando apenas essas ações, e em magnitude superior ao dos resultados base. Estudo anterior dos mesmos autores (aqui) mostram que boas experiências com IPOs gera mais demanda por essas ofertas pelos investidores, e o novo estudo mostra que os retornos dos pares acaba por gerar interesse por ofertas iniciais.

Por fim, poderia acontecer da cobertura local da imprensa afetar a decisão de entrada, e poderia haver uma correlação entre maior cobertura e retornos da região. No entanto, a imprensa é bastante concentrada na Finlândia, não havendo muitas estações de TV ou jornais locais, os meios nacionais dominando o mercado. Há meios de comunicações do nível das províncias/estados, mas a análise já leva em conta efeitos fixos das províncias, de forma que qualquer diferença na cobertura do mercado já deveria estar incorporada nas análises.

Em suma, o resultado da pesquisa de Kaustia e Knüpfer sugere que investidores que estejam com ganhos positivos no mercado contem seus bons resultados para pessoas próximas e isso acaba por influenciar a decisão de não investidores de começar a aplicar em ações. Como mencionei no primeiro parágrafo, essa é uma sensação que muitos devem ter, e esse artigo acaba por confirmar essa impressão. E o mais interessante é o efeito assimétrico, todos os gênios dos investimentos que jogavam aos quatro ventos seu bom desempenho sumindo quando o mercado começa a entrar em um período de baixa. Mais modernamente, basta acompanhar o Twitter de alguns investidores ou analistas: quando eles sumirem por um tempo da rede social, já sabe o que está acontecendo...


Fonte da imagem: Esquire

Mensais: Brasil (abr/12)

Índices Brasileiros
Índice; 60 meses; Ano; 12 meses
Ibovespa; 26,28%; 8,93%; -6,52%
IBX 50; 27,34%; 7,33%; -3,65%
IBX; 36,11%; 9,05%; -0,33%
ISE; 57,80%; 15,26%; 8,39%
ITEL; 77,19%; 23,29%; 17,99%
IBRA; -; 9,94%; 0,56%
ICO2; -; 10,18%; 5,04%
IEE; 130,45%; 10,26%; 21,11%
INDX; 37,09%; 17,35%; 7,75%
Imobiliário; -;10,68%; -11,15%
IMAT; -; 17,02%; -13,43%
Consumo; 93,16%; 21,38%; 22,91%
IFNC; -; 1,56%; -1,76%
UTIL; -; 17,11%; 29,69%
IVBX2; 37,74%; 20,60%; 12,90%
IGC Trade; -; 10,39%; -0,29%
Mid Large Cap; -; 8,89%; 0,53%
IGC; 30,88%; 11,95%; 1,18%
ITAG; 26,31%; 9,26%; 0,28%
Small Cap; -; 20,25%; 2,12%
IDIV; -; 17,40%; 31,16%

Comparações
Indicador; Desvio-padrão; Correlação IBOV; Retorno 60 meses; Retorno 12 meses
IBOV; 7,04%; 100%; 26,28%; -6,52%
Ouro; 6,06%; -20,70%; 116,54%; 26,79%
Dólar; 5,20%; -68,61%; -6,99%; 20,24%

Ibovespa x CDI
Janela; IBOV- CDI
12 meses; -15,93% a.a.
5 anos; -5,52% a.a.
10 anos; 2,07% a.a.

Ibovespa:
Maiores altas (2012):
SBSP3: 49,73%
CMIG4: 47,74%
HGTX3: 45,72%
CIEL3: 45,34%
HYPE3: 43,88%

Altas: 50/68

Maiores altas (12 meses)
CIEL3: 97,21%
CRUZ3: 75,60%
SBSP3: 70,95%
CMIG4: 68,18%
AMBV4: 66,12%

Altas: 31/68

Maiores baixas (2012)
PDGR3: -23,73%
GOLL4: -18,41%
ELET6: -14,67%
GFSA3: -14,08%
DASA3: -11,08%

Maiores Baixas (12 meses)
BTOW3: -62,36%
GFSA3: -62,34%
GOLL4: -53,03%
VAGR3: -53,01%
PDGR3: -51,30%

Amostra de 193 ações:
Maiores altas em 5 anos
TELB4: 3.085,16%
HGTX3: 1.528,62%
MEND5: 761,72%
ECPR4: 455,41%
CRUZ3: 364,63%

Maiores baixas 5 anos
KEPL3: -95,90%
VAGR3: -94,31%
BTOW3: -88,51%
LUPA3: -86,68%
TOYB4: -84,96%

Maiores sequências (179 ações)
Alta: UGPA3 (14 meses)
Baixa: LIXC4 (8 meses)

Datas
02/05: 83 anos de fundação da Lojas Americanas
02/05: 5 anos da IPO do Banco Sofisa
08/05: 4 anos da aprovação da fusão entre BM&F e Bovespa
12/05: 15 anos da fundação da Tam
13/05: 55 anos de fundação da Valid (antiga Abnote)
15/05: 15 anos de fundação do Banco Pine
22/05: 60 anos de fundação da Cemig
22/05: 14 anos da aprovação da cisão da Telebrás
29/05: 4 anos do topo histórico do Ibovespa (a não ser que o índice dispare de lá para cá)


Fontes:
Bovespa.com.br
Economatica
Infomoney