quinta-feira, 31 de julho de 2014

Retorno sobre investimentos colecionáveis

Investimentos Colecionaveis

Em outro texto do blog, escrevi sobre investimento em selos. Essa é apenas uma das diversas classes de “investimentos alternativos”, que incluem objetos colecionáveis em uma mistura de paixão com busca por rentabilidade.

A questão passa a ser se essas duas coisas podem ser conciliadas e quais são as características de itens colecionáveis como investimento financeiro. É o que o artigo Measuring Returns on Investments in Collectibles de Benjamin Burton e Joyce Jacobsen publicado no Journal of Economic Perspectives procura analisar.

Primeiro de tudo, os autores do artigo buscam determinar quem são esses colecionadores. A dificuldade é a baixa disponibilidade de base de dados a respeito do assunto. As estimativas variam muito e não separam colecionadores de investidores-colecionadores. O que as pessoas colecionam exatamente também é difícil de estimar. Quanto à demografia, parece mais fácil afirmar que pessoas mais velhas são colecionadoras, mas não parece haver uma limitação a uma categoria de renda. Certamente que a renda influencia o que a pessoa coleciona, sendo inviável alguém de baixa renda colecionar vinhos finos, por exemplo.

Na parte das motivações, os autores citam como objetivos completar um conjunto, preencher espaço físico, decorar um ambiente, manipular a escala dos objetos (no caso de miniaturas) e aspirar objetos perfeitos. Também podem servir como uma forma de entrar em determinado grupo social ou mesmo como um objeto de culto. Claro que diferentes itens servem para diferentes objetivos dentre os citados. Um objetivo final, tema do artigo, é obter ganhos financeiros. Em uma pesquisa, 22% dos colecionadores citam esse objetivo.

Na parte mais objetiva do artigo, a questão dos retornos passa primeiro por determinar a metodologia de cálculo de retornos. A primeira é a criação de um índice com preços de mercado em uma cesta fixa. Com ativos que não são negociados com frequência, com baixa transparência de preços e múltiplas fontes, essa é uma tarefa desafiadora. Além do mais, esse método não controla por diferenças de qualidade entre os ativos. Outra abordagem é a criação de um índice rodando uma regressão sobre as características do ativo. A vantagem é que podemos analisar melhor as características do ativo e isolar um efeito (idade, por exemplo), mas cai em problemas de estimativas. A terceira alternativa é utilizar apenas os preços efetivos de venda e utilizá-los em uma regressão. Esse método compensa erros dos dois anteriores, mas ignora informações das observações não incluídas no modelo.

O artigo não traz novas pesquisas empíricas sobre o tema, e sim uma coletânea de estudos anteriores. A faixa de retorno para artigos colecionáveis está entre 11% e 14% por períodos de 13 a 21 anos. Exceto para alguns submercados (pintores da escola Barbizon, por exemplo), os retornos são positivos em termos nominais. Alguns segmentos registram retorno real negativo, no entanto. Investimentos colecionáveis geram menor retorno em relação às ações e mesmo com títulos de renda fixa e o nível de risco é superior à maioria dos investimentos. Ou seja, é possível que haja um benefício não-pecuniário por trás da decisão de investir em coleções.

O próximo assunto é o da correlação com outros ativos ou com a inflação. Mesmo que o retorno seja ligeiramente inferior, a inclusão de itens colecionáveis na carteira pode ter utilidade para fins de diversificação se a correlação com investimentos mais tradicionais seja baixa. Com relação às ações, itens colecionáveis mostraram uma relação negativa em mercados de alta, mas o preço fica relativamente estável durante mercados de baixa. O fato de que fundos de pensão não investem em fundos alternativos desse gênero pesa contra a possibilidade de haver algum benefício de diversificação.

O mercado de investimentos colecionáveis é bem menos eficiente no que se refere à incorporação de informações nos preços do que outros mercados mais tradicionais, e essa é uma desvantagem desse tipo de investimento. Possibilidades de arbitragem existiam no passado, mas passaram a ser eliminadas com o passar do tempo.

Custos em investimentos colecionáveis são maiores (armazenagem, manutenção etc.) para algumas situações, mas a tributação pode ser mais favorável e em alguns casos sequer haver cobrança de imposto. Essa é uma questão que precisa ser melhor estudada.

A conclusão do estudo é de forma geral desfavorável ao investimento em itens colecionáveis com vistas a retornos financeiros. Pode servir como uma aposta ou como um “investimento emotivo”, mas não é uma alternativa viável aos investimentos tradicionais (ação, renda fixa etc.). No entanto, o estudo não conseguiu ser tão abrangente quanto pretendia e na verdade seria necessário analisar caso a caso para verificar a atratividade como investimento.


Fonte da imagem: Jllm06 na Wikipédia.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Como ganhar dinheiro em um mercado eficiente?

Esse será um texto diferente dos demais. Geralmente, procuro algum artigo interessante e escrevo um resumo de suas ideias. Neste daqui, vou resumir um pouco das minhas ideias desenvolvidas ao longo dos meus anos de estudo e trabalho. Uma diferença notável é que será um texto completamente em primeira pessoa, diferente do modo como costumo escrever.

A hipótese de mercados eficientes é um tema recorrente deste blog. Criei uma subpágina do blog para esse tema e para alguns outros, onde eu pretendia resumir tudo que já escrevi sobre o tema em uma espécie de “o que sei até o momento”. Como escrevi em algum dos textos sobre o assunto, a HME é uma teoria incômoda. Do lado positivo, gerou um debate que muito contribuiu para o avanço do conhecimento sobre o mercado financeiro. Por outro lado, questiona a própria existência de uma série de instituições e profissões e mexe com egos e com bolsos.

Não poderia ser diferente comigo. Eu sou um investidor pessoa física e cuido de minhas próprias aplicações. Já fui trader, já comprei ações com base em análise fundamentalista, participei de IPOs (escrevi TCC sobre isso), abri conta em gestores independentes etc. Se minha experiência profissional não é vasta, já fiz praticamente de tudo como investidor individual. Se essas operações não me tornaram rico, ao menos me fizeram entender melhor como o mercado funciona da ponta do cliente.

E em dado momento, conforme ia estudando Finanças, inclusive HME e desempenho de fundos, comecei a ter “crises de identidade”, por assim dizer, que julgo serem comuns para quem estuda a sério esses temas. Será que eu, justamente eu, sou capaz de gerar alfa? Se não, para que investir, para que estudar sobre Investimentos? Por que não colocar o dinheiro em um ETF de Ibovespa e em um fundo DI, rebalancear a carteira periodicamente e fazer outra coisa da vida?

A resposta que encontrei estava nos meus estudos sobre retorno de ativos: eu não preciso procurar o alfa. E também não preciso seguir uma gestão de carteiras completamente passiva. Aliás, acho que não sou só eu que procurou responder intelectualmente o desafio da HME e profissionalmente o da gestão passiva. (Na verdade, não procuro responder profissionalmente propriamente dito, mas na minha própria gestão de carteiras). Duas dessas respostas, que são temas em voga, são o smart beta e a gestão núcleo-satélite (ainda não escrevi sobre esses temas), que procuram conciliar gestão passiva e gestão ativa.

Eu ainda não li o livro sobre gestão núcleo-satélite, mas achei interessante a ideia de separar uma parte da carteira para investimentos “nucleares” e investimentos “satélite”. Alguns investimentos eu mantenho para longíssimo prazo, enquanto que outros não necessariamente. Ainda não configurei a minha carteira assim, mas penso que seria interessante manter uma parcela (70%, digamos) em investimentos de longo prazo procurando correr exclusivamente risco de mercado. Nessa parte, uma porcentagem vai para ações em fundos indexados ou ETFs e outra parte iria para renda fixa. Na parcela de renda fixa, atualmente mantenho NTN-B Principal longíssimas, mas não tenho certeza se essa é a melhor abordagem, pois corro risco de mais tipos do que se investisse em um pós-fixado em juros. Quando lançarem o ETF de Renda Fixa posso rever essa parte da carteira.

Até aqui, tudo de acordo com a gestão passiva. Na parte periférica da carteira, penso em investir de maneira mais ativa. Porém, e aqui está a minha tese pessoal desse texto, não irei em busca de alfa, de um erro de precificação. Aqui a minha ideia é correr os riscos que pareçam estar sendo melhor recompensados no momento.

Sobre precificação de ativos, entendo que é muito difícil distinguir um erro de precificação de uma taxa de desconto que incorpora riscos que você não está levando em consideração. Quando o mercado está no pico, como ocorreu em 2007-2008, não dá para saber ao certo se as perspectivas dos fluxos de caixa futuros estão justificadamente boas, se o mercado está estimando errado os fluxos de caixa, se o mercado está estimando errado a taxa de desconto, se os investidores estão menos avessos ao risco, se a liquidez está elevada etc. O que alguém poderia dizer é que o risco não está sendo compensado como até alguns anos atrás era. Dizer que o mercado está caro pode significar justamente isso: que não compensa assumir risco de mercado com o atual retorno esperado. Não sei se o mercado está mal precificado ou quando vai corrigir caso esteja. O que alguém pode imaginar é que o risco não compensa o retorno.

O que quero dizer é que é possível obter retornos superiores correndo riscos quando as pessoas estão fugindo dele, independente do risco estar sendo bem ou mal precificado. Isso não gera necessariamente alfa, já que todo o retorno que você conseguir dessa maneira pode ser explicado pelo risco incorrido, mas talvez no final das contas você possa olhar para o seu retorno e dizer que valeu a pena.

Warren Buffett tem uma frase famosa que diz que você deve ser corajoso quando todo mundo está com medo e receoso quando todo mundo está corajoso. É basicamente isso que argumentei anteriormente: você deve assumir risco quando o preço do risco estiver baixo. Quando falo aqui em “preço do risco” baixo, estou querendo dizer que ninguém quer assumir esse risco e todo mundo que o tem quer se livrar dele. Não é um conceito existente, só uma maneira que encontrei para expressar o que penso. Comprar ações em um mercado de baixa é trocar liquidez por risco de mercado, quando a liquidez é mais valorizada e quando o preço (ou apreço) do risco de mercado está mais depreciado.

Nesse referencial, julgo mais importante conhecer sobre risco e saber identifica-lo do que analisar se um ativo está precificado de maneira correta. Talvez seja só uma mudança de perspectiva, mas acho que essa é uma boa maneira de ver o mercado.

Por exemplo: você faz uma análise fundamentalista por múltiplos bem simples e vê que uma ação está sendo negociada a uma relação Preço/Valor Patrimonial abaixo dos seus pares. Isso pode significar que a ação está sendo precificada incorretamente, ou que você deixou de considerar algum risco. Talvez seja o risco de liquidez (uma vez, comprei CGAS5 com base em uma análise desse tipo, ignorando que a ação tinha baixa liquidez). Talvez seja risco político, como no caso de Banco do Brasil, que (ao menos da última vez que vi) sempre era negociada abaixo dos outros bancos. O que sei é que a taxa de desconto utilizada pelo mercado incorpora uma série de riscos que até hoje não foram muito bem entendidos e quantificados.

Uma maneira de enquadrar o que estou querendo dizer é imaginando que o mercado financeiro é um grande cardápio de riscos. A qualidade desses riscos varia no tempo, mas mantém características básicas. Risco de crédito é a possibilidade de um emissor se tornar inadimplente. O risco de liquidez é a possibilidade de não conseguir liquidar um investimento ou ter que fazê-lo com grande desconto. Risco de duração é a variação do preço em função das taxas de juros. Risco político é a possibilidade do governo tomar alguma decisão contrária a uma empresa. Esses e uma infinidade de outros riscos existem, afetam de maneira diferente cada ativo e a sua recompensa varia no tempo.

Retomando o início do texto, a parte núcleo da carteira basicamente assume risco de mercado e nada mais (se possível), enquanto que na parte satélite o investidor pode abrir o cardápio e escolher qual risco quer correr. Não gosta de risco de crédito, não suportaria ver um investimento perdendo todo seu valor? Ignore esse risco. Tem liquidez e o mercado está em baixa, mas não consegue comprar ações agora? Ignore essa oportunidade. Não se importa que um título de renda fixa tenha desvalorizações no curto prazo e quer uma taxa elevada? Compre títulos longos. E por ai vai.



Desse ponto de vista, que é bem pessoal, a análise deveria estar mais voltada para a identificação de riscos que estejam fornecendo bons retornos em relação ao risco e que podem ser aproveitados caso o investidor aceite correr esse risco. Assuma que o mercado precifica corretamente o ativo e veja se ele fornece um retorno que você considera bom a um risco que você pode assumir. Aqui, o retorno é o produto, o risco o seu preço. Como todo produto, veja se ele vale o seu preço e, se for o caso, vá em frente e compre.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Fundos que pagam dividendos direto aos acionistas

No mercado, existem fundos de investimento em ações que pagam os dividendos recebidos diretamente ao cotista (chamarei neste texto de “FIA direto”), ao invés da abordagem tradicional de incorporar esse valor nas cotas.

Em geral, esses fundos são aqueles que possuem uma política de investimentos voltada para a distribuição de dividendos (os fundos de dividendos). Uma das vantagens alegadas é a de que o cotista passa a receber um fluxo regular de pagamentos. Volto a esse ponto depois, mas a segunda vantagem é de natureza tributária e pode ser analisada de maneira mais objetiva. Dividendos são isentos de imposto de renda, inclusive no caso do cotista receber do fundo. Normalmente, o valor dos dividendos está incorporado na cota e o cotista estará sujeito ao pagamento de 15% de I.R. sobre os lucros, inclusive sobre o valor dos dividendos que foram incorporados à cota.

Não é difícil imaginar que o FIA direto possui uma vantagem tributária. Mas qual é o seu tamanho? Antes de determinar isso, precisamos criar uma situação em que seja possível comparar um fundo de ações normal (chamarei de FIA normal) e o FIA direto. A solução é supor que o cotista irá reinvestir o dinheiro no mesmo fundo.

Partindo dos mesmos dados utilizados alhures, que resultaram em um benefício de 19,8% em uma década, com 15% de rendimento e 6,5% de distribuição de dividendos ao final de cada ano, temos a seguinte situação para um fundo normal.

FIA normal

Até aqui, nada demais. O fundo rende 15% ao ano e paga 15% de I.R. sobre o lucro. Os dividendos não devem ser acrescentados, já que se supõe que esses 15% já levam em conta os dividendos. Os dividendos já fazem parte do retorno, não gera um retorno adicional. Na situação acima, não é 15% mais 6,5%, e sim apenas 15%, parte em ganho de capital, parte em dividendos. (ver mais aqui).

Agora, a situação do FIA direto, considerando que os proventos sejam pagos no final do ano e reinvestidos imediatamente:
Fundo de dividendos

O valor da cota no final de um período é a cota do ano anterior, acrescida de 15%, menos os dividendos recebidos. A quantidade de cotas é a quantidade do ano anterior, mais o reinvestimento dos dividendos (Dividendo por cotas*Quantidade de cotas/Valor da cota). A aquisição de cotas aumenta o custo total das cotas.

Pelo exame das tabelas, nota-se que o valor bruto é o mesmo nos dois casos. Não poderia ser diferente, já que o retorno nominal dos dois é o mesmo (15%). No FIA normal, o valor das cotas é maior, mas a quantidade é a mesma da inicial. No FIA com dividendos diretos, o valor das cotas é menor, mas a quantidade de novas cotas multiplicada pelo valor das cotas resulta no valor dos dividendos. O valor das cotas anteriores mais o valor das novas cotas (que é igual ao valor do dividendo) resulta no valor bruto, idêntico ao do FIA normal. No primeiro ano, o investidor terá $ 115 no FIA normal e no FIA direto $ 107,525 em cotas antigas mais $ 7,475 em cotas novas, resultando em $ 115.  

O valor líquido final, no entanto, é diferente, refletindo a vantagem tributária de receber os dividendos diretamente. Essa vantagem, porém, está longe dos 19,8% informados em uma reportagem sobre o tema. Nas contas acima, a vantagem é de 6,34%, ou 0,62% a.a. Esse é um ganho significativo, mais da metade do rendimento mensal (1,17%), mas longe de ser quase 20%.

Porém, é necessário observar que essa vantagem depende muito do período analisado. Em 20 anos, por exemplo, a vantagem tributária seria de 0,39% a.a. O impacto do imposto de renda decaí com o tempo em relação ao valor do investimento e esse fator se aplica a essa situação também. A maneira mais rápida de explicar é: no longuíssimo prazo (pense em mais de 50 anos), basicamente o investidor vai pagar 15% sobre o valor total, já que o custo do investimento se tornou minúsculo diante do valor futuro do investimento. Como esse porcentual não muda, a cada ano que passa esses 15% impactam menos o valor líquido em termos proporcionais. Isso se aplica à situação tema desse texto e vai reduzindo a vantagem do pagamento direto até que seja quase insignificante.

Sobre um ponto que tinha deixado para depois, o FIA direto gera fluxos de caixa para o cotista. O importante a se mencionar é que, ignorando a tributação em um primeiro momento, isso é exatamente igual ao cotista realizar um resgate. No exemplo desse texto, é como se resgatasse 6,5% todo final de ano. Porém, a tributação torna as situações diferentes e a situação do fundo tradicional é ainda mais desfavorável. O resgate tem que ser superior ao valor dos dividendos, já que haverá o pagamento de imposto de renda. Por questão de brevidade não vou colocar as tabelas, mas em dez anos a vantagem do FIA direto na situação sem reinvestimento é de 1,33% a.a. sobre a situação onde o investidor aplica em um fundo tradicional e realiza resgates periódicos.

Independente de contas, o fundo que repassa investimentos aos cotistas gera um fluxo de caixa ao cotista, mas isso só será realmente valioso se o cotista já estiver na fase de desinvestimento. Nesse caso, a desvantagem é que o fluxo de dividendos será irregular e pode não suprir as necessidades de caixa do investidor. Mas é uma alternativa mais eficiente do ponto de vista tributário do que realizar resgates.


Por fim, há um problema na hora de informar a rentabilidade. O fundo que distribui os dividendos diretos se parece com uma ação que não teve o seu valor reajustado por proventos. Comparando a cota atual com a cota passada, parece que o rendimento foi menor, assim como ocorre analisando o preço de uma ação hoje ao seu preço sem reajuste no passado. A legislação é bem rígida no que se refere à divulgação da rentabilidade e não permite que o fundo divulgue uma rentabilidade simulada para o caso do reinvestimento de dividendos. Se fosse permitido, seria difícil explicar para o cotista como isso é feito. Taxa Interna de Retorno, nesse ponto, é ainda mais problemático. O fato de existirem investidores isentos de imposto de renda impossibilita que seja feito um ajuste nos valores da cota. A única solução que vejo é alguém independente realizar os cálculos de rentabilidade por conta própria e permitir a comparação com um FIA normal, levando ou não em conta a vantagem tributária.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Capital Social e Decisões Financeiras

Capital Social


Em artigo publicado no American Economic Review em 2004, três economistas, dentre eles Luigi Zingales, examinaram a relação entre capital social e o desenvolvimento financeiro em uma região.


Capital social é definido como as vantagens e benefícios auferidos pela adesão a uma comunidade e é um recurso que emerge das ligações sociais. Em especial para os autores, está relacionado ao nível de confiança prevalecente em uma comunidade. A tese é a de que um alto nível de confiança produz uma série de benefícios sociais e econômicos. Isso deve se refletir também no mercado financeiro, que no final das contas são contratos intensivos em confiança, já que são a troca de um valor presente pela promessa de um valor futuro.

Nos modelos de análise, o capital social é medido através da participação nas eleições e da doação de sangue. Na Itália, o voto é obrigatório, exceto em referendos, e os autores usam a participação eleitoral em referendos como variável. O estudo é feito na Itália, não só porque os autores do estudo são italianos, mas também pela disponibilidade de dados microeconômicos.

Em uma base de dados socioeconômicos, foram retirados vários dados relativos ao comportamento financeiro, como o acesso ao crédito, alocação da carteira de investimento e dados demográficos dos domicílios italianos. A base de dados inclui a diferenciação entre não querer e não conseguir empréstimos e inclui ainda crédito informal. 

Indo para as análises, a primeira diz respeito ao uso de cheques, utilizando as duas medidas de capital social como principal variável independente de interesse e uma série de controles, como eficiência judiciária, PIB per capita e variáveis demográficas. A análise compara região com região, agregando os dados e depois utilizando cada região como uma observação. O resultado é que o uso de cheques está positivamente relacionado com o nível de capital social, para qualquer das medidas utilizadas. Em regiões onde o nível de capital social é maior há mais uso de cheques. Ir do local com menor capital social para o local com maior aumenta em 17% a probabilidade de se usar cheque, o que representa por volta de um terço da média da amostra (Os indicadores de significância econômica citados ao longo deste texto são referentes ao uso da participação eleitoral como variável de capital social). Um importante controle foi o nível de confiança, medido por uma pesquisa que tem como uma das questões se a pessoa confia em seus compatriotas. Mesmo controlando por esse fator o efeito do capital social é estatisticamente significativo, mas reduz o efeito econômico do capital social, mostrando que os dois temas estão relacionados, embora não se excluam. O nível de confiança também aumenta o uso de cheques.

A próxima variável dependente de interesse é a quantidade de dinheiro vivo mantido pelo domicílio. Os resultados indicam que há uma relação negativa entre capital social e dinheiro em caixa. Um aumento em um desvio-padrão no nível de capital social na região (por volta de 7%) reduz em um terço a quantia mantida em dinheiro vivo. Saindo da região com menor para a região com maior capital social, há uma redução em 27% na quantia mantida em liquidez.

Quanto ao investimento em ações, a relação com o nível de capital social e confiança é positiva. Ir da região com menor para a de maior capital social, a proporção investida em ações aumenta 52 pontos percentuais (!!). Com os dados disponíveis, foi possível inclusive utilizar como controle a aversão a risco estimada e incluir essa variável não comprometeu os resultados. Incorporar preocupações com relação a renda e emprego também não mudam de maneira drástica os resultados da análise, embora essas preocupações também estejam relacionadas com o investimento em ações.

A próxima análise diz respeito ao crédito. Condicionado à procura por crédito, há uma relação negativa entre capital social e ter um pedido de crédito rejeitado ou desistir no meio do caminho. O efeito econômico me parece menor, o aumento em um desvio-padrão no nível do capital social reduz em 0,47% a chance de ter o crédito recusado. Ir da área de menor para a de maior capital social reduz em 2 pontos percentuais a chance de ter crédito recusado. Os resultados se mantém mesmo controlando por outros fatores relacionados com desenvolvimento financeiro.

Em locais onde o capital social é mais baixo a probabilidade de empréstimos informais entre amigos e familiares aumenta. Ir da região de menor para a de maior capital social reduz em 3 pontos percentuais a chance de haver empréstimos informais, o que equivale à média da amostra.

Até aqui, ficou estabelecido que um maior capital social em uma região está relacionado com o desenvolvimento financeiro, com maior uso de cheques e de investimento em ações e menor investimento em caixa e rejeição de crédito. A próxima etapa é descobri quais são as situações onde o efeito do capital social é maior, separando a amostra em dois grupos. A primeira divisão diz respeito à eficiência jurídica. Nos locais onde a justiça é mais lenta (demora mais para haver uma decisão de primeira instância), os efeitos notados acima são maiores e em alguns casos o efeito do capital social nos locais onde a justiça é mais eficiente é estatisticamente nulo. Ou seja, maior confiança entre as pessoas acaba compensando menor confiança nas instituições.

O segundo corte tem a ver com a educação. Talvez pessoas com maior educação já sejam financeiramente sofisticadas e isso não tenha nada a ver com capital social. Na mesma linha, talvez maior confiança entre as pessoas e laços sociais mais fortes compensem a falta de conhecimento (que se reflete na baixa literacia financeira). Os resultados são parecidos com o teste sobre a eficiência jurídica e indicam que os efeitos do capital social são maiores na população com menor nível educacional (com menos de 8 anos de instrução). Esse aumento na eficácia do capital social chega a oito vezes em algumas situações, mas é surpreendentemente baixo para o investimento em ações.

Assim, capital social importa mais em regiões com menor eficiência jurídica e para pessoas com menor educação. Outra questão diz respeito aos que se mudam, em especial do sul para o norte ou vice-versa. Pode ser que o comportamento dessas pessoas seja mais relacionado com o local de origem do que com onde eles estão no momento. Foram incluídas variáveis para indicar se a pessoa é migrante e para onde vai caso seja. O resultado é que não há diferença de comportamento entre migrantes e não migrantes, independente de sua origem.

Os autores insistem nesse ponto e examinam se há alguma diferença entre o capital social do local de origem e de residência, tentando separar o efeito do ambiente do efeito herdado. No geral, o efeito do local de residência é maior, exceto para a probabilidade de receber um empréstimo informal. Isso indica que o efeito da pressão social dos pares é maior do que os valores trazidos do local de origem.


Concluindo, as análises mostram que na Itália o capital social tem uma grande influência no desenvolvimento financeiro, em especial em regiões com menor eficiência da justiça e para pessoas com menor instrução. Os autores não conseguem generalizar os resultados, mas baseados em estudos anteriores conseguem apontar uma relação entre confiança e desenvolvimento financeiro. Em um país que busca por se desenvolver financeiramente, como o Brasil, essa pode ser uma dica sobre onde está o problema. Resolvê-lo (aumentar a confiança entre as pessoas) já é uma questão mais complicada. Alternativamente, aumentar a eficiência judiciária e a educação podem compensar o baixo capital social, mas esse também é um problema complexo. 

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Consequências psicológicas do dinheiro

Psicologia do Dinheiro

Nas ciências, na filosofia e nos ditados populares, o dinheiro já foi visto pelos mais diversos pontos de vista, tanto positivos quanto negativos. 


No artigo The Psychological Consequences of Money publicado na revista Science os autores realizam uma série de experimentos e concluem que o dinheiro faz as pessoas se sentirem autossuficientes e leva as pessoas a agirem de acordo com isso. Dinheiro levaria as pessoas a conseguir atingir os seus objetivos sem a ajuda de outros.

Nesses testes, examinadores trabalharam com o “conceito” de dinheiro e não com propriedades ou posses, procurando estimular inconscientemente a noção de dinheiro e examinar seus efeitos nos participantes. O objetivo era relacionar o estímulo “monetário” com atitudes na direção de agir por conta própria, seguindo a hipótese inicial do estudo. Contrariamente, falta de dinheiro deveria fazer com que as pessoas se sentissem ineficazes.

No primeiro teste, os participantes desempenhavam inicialmente uma tarefa de desembaralhar palavras, alguns resolvendo o problema com palavras neutras (não relacionadas com dinheiro) e outros com palavras que remetem a dinheiro. Em seguida, participaram da resolução de outro quebra-cabeça. Aqueles que tiveram o estímulo relacionado a dinheiro demoraram mais para pedir ajuda.

No experimento 2, os examinadores testaram manipular os estímulos positivos (abundância de dinheiro) e negativos (falta de dinheiro). Em seguida, submeteram os participantes a um desafio insolúvel sem ajuda e aqueles que receberam os estímulos positivos foram os que mais demoraram a pedir ajuda.

O terceiro teste verificou agora a disposição para ajudar. Primeiro, passaram pelo primeiro desafio assim como no experimento 1. Depois, uma pessoa pede ajuda para o participante para decodificar uma planilha de dados, deixando a critério do participante decidir em quantas planilhas irá ajudar. Aqueles que receberam o estímulo em torno do dinheiro se voluntariaram menos do que o grupo de controle.

O experimento 4 utilizou novamente as tarefas para oferecer o estímulo e depois colocou os participantes para preencher questionários irrelevantes. Um auxiliar dos examinadores aparecia e resolvia uma tarefa, em seguida pedindo ajuda para o participante e o tempo gasto no auxílio era a variável de interesse. Aqueles que receberam o estímulo em direção ao dinheiro foram menos prestativos.

O quinto experimento verificou se a ajuda nas demais situações tinha a ver com habilidades, a ajuda exigida sendo a de meramente recolher lápis caídos. O estímulo foi diferente, com os participantes jogando Banco Imobiliário por alguns minutos e depois dando muito, pouco ou nada de dinheiro de Banco Imobiliário para o participante. Em um segundo passo, os participantes que receberam bastante dinheiro tiveram que pensar em um futuro abundante em termos financeiros, os que receberam menos em um futuro financeiramente ruim e os que nada receberam (que agiam como controle) em planos para o futuro. No fim, um auxiliar simulava um acidente deixando cair vários lápis e o participante ajudava a recolhê-los. Consistente com os demais testes, os que receberam o estímulo monetário positivo ajudaram menos do que os que receberam estímulo negativo ou o grupo de controle.

O sexto teste envolveu caridade. No início, foram dados 2 dólares em moedas de 25 cents para cada participante. Em seguida, participaram de um teste parecido com o 1, terminando com o preenchimento de um questionário que supostamente deveria ser o teste de verdade. No final, foram pedidas doações para a universidade. Aqueles que receberam o estímulo em torno do dinheiro doaram menos do que o grupo de controle.

Por fim, os últimos testes examinaram outras questões relacionadas com a “autossuficiência”. No teste 7, o estímulo agora era ver um descanso de tela (vulgo, screensave) com ou sem estímulo relacionado a dinheiro. No final, foi pedido para que o participante se aproximasse de outro para conversar um pouco e a variável dependente era a distância entre as cadeiras. Aqueles que receberam o estímulo relacionado a dinheiro ficavam em média mais distante do que o grupo de estímulo neutro ou de controle.

O teste 8 foi parecido com o 7 e no final foi passado um questionário com diversas atividades que podiam ser desempenhadas sozinhas ou em grupo. Aqueles que receberam o estímulo relacionado a dinheiro (um pôster com vários tipos de moedas) optaram mais pelas atividades solitárias. Por fim, o teste 9, que teve os mesmos tipos de estímulos do 7, pediu para que os participantes optassem por trabalhar sozinhos ou em grupo na elaboração de um anúncio. Assim como os demais testes, aqueles que receberam o estímulo relacionado a dinheiro optaram mais por trabalhar sozinhos.

Em todos os testes, a diferença entre o estímulo neutro ou nenhum estímulo era estatisticamente nula, indicando que o efeito está isolado na lembrança de dinheiro, em especial lembrança positiva.


Esse estudo indica que pensar em dinheiro faz a pessoa se sentir mais autossuficiente, diminuindo o senso de comunidade, ajudando menos os outros, mas também pedindo menos ajuda. Sem entrar em juízos de valor, esse artigo tem implicações para Marketing (área de estudo de alguns dos autores), em especial para instituições financeiras, que poderiam pensar em como esse senso de autossuficiência pode ser explorado em sua comunicação com o cliente.

Fonte da imagem: Mark Morgan no Flickr.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Plano Cruzado

Plano Cruzado
“Rimos seis meses; Vamos chorar seis anos”, A Saga Brasileira, pg. 73

O Brasil, a exemplo de outros países da América do Sul, não tem um bom histórico de inflação (alguns não têm um bom presente com a inflação). Até o Plano Real em 1994, o Brasil alternava entre períodos de inflação alta (bem acima do nível atual, que é alto) e hiperinflação. Na tentativa de reduzir a inflação, diversos pacotes econômicos foram lançados no período da redemocratização, nenhum tendo sucesso até o já mencionado Plano Real. Nesse texto, análise do primeiro desses pacotes, o Plano Cruzado.


Contexto

Fonte: Banco Central do Brasil

O gráfico acima indica que expressivo aumento geral de preços nunca foi uma novidade na economia brasileira, mas a inspeção visual permite notar uma aceleração a partir dos anos 1980. No gráfico abaixo, esse período em foco, agora não em termos de índice de inflação mensal, e sim aumento acumulado de preços.

Fonte: Banco Central do Brasil

Foi nesse cenário que o primeiro governo civil desde 1964 assumiu o poder. Se na economia a situação não era das mais animadoras para a população, principalmente no que se refere à inflação, na política ainda havia o choque da morte de Tancredo Neves e certo ceticismo com o vice-presidente ligado aos militares, José Sarney.

Era politicamente conveniente debelar a inflação e o novo governo procuraria encontrar maneiras de se encarregar desse legado dos militares, inclusive por conta de não haver (na visão dos formadores de políticas públicas) causas mais urgentes como crescimento baixo ou balança de pagamentos deficitária. Eis que surge o Plano Cruzado.

Diagnóstico
André Lara Resende e Pérsio Arida foram os principais mentores do Plano Cruzado. Professores da PUC/RJ que tinham voltado recentemente de cursos do exterior, criaram o que seria chamado de Plano Larida. O diagnóstico era de que a inflação não estava relacionada com a atividade econômica e que tinha um caráter inercial, ou seja, que os preços subiam por continuidade de um movimento passado por conta da indexação (por meio de correção monetária), preços eram reajustados levando em conta a inflação passada, o processo se retroalimentando.

O primeiro (de vários) Ministro da Fazenda na Nova República foi Francisco Dornelles, mais adepto do gradualismo ortodoxo de redução do déficit público. Como a receita não vinha dando certo, Dornelles caiu e assumiu Dilson Funaro.

No final de 1985, diversas medidas foram tomadas para preparar terreno para futuros planos econômicos, como um pacote fiscal para aumentar a arrecadação e vinculação de preços controlados à Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN). A ORTN era um título público federal que paga remuneração mais correção monetária e que era amplamente usado como um indexador.

“Iniciamos hoje uma guerra de vida e morte contra a inflação”, José Sarney, presidente do Brasil na época.

Em 28 de fevereiro de 1986, passou a valer o Plano Cruzado, elaborado no decreto-lei nº 2.283/86, com a introdução uma nova moeda (o Cruzado) e uma série de medidas. Até a emissão de notas de cruzados, valeria a moeda antiga, o Cruzeiro, com três zeros a menos (1.000 Cruzeiros = 1 Cruzado, por exemplo). Os salários foram convertidos pelo salário real médio dos últimos seis meses, mais abono de 8%, aumento no salário mínimo para Cz$804,00 (aumento aproximado de 16%), com gatilho salarial disparado toda vez que a inflação chegasse a 20%. Edmar Bacha, um dos mentores do Cruzado, declararia muito depois que essas medidas relativas aos salários foram os maiores erros do plano e que custou 10 anos ao país. Os aluguéis também sofreram um reajuste com base na média do valor real dos aluguéis nos últimos seis meses. Os preços de diversos produtos foram congelados aos níveis de 27/02/86, exceto pela energia elétrica (estatal) que teve um aumento de 20%. Essa medida faz parte do chamado “choque heterodoxo” sugerido por diversos economistas e tomou muitos empresários de surpresa com preços defasados em relação a outros. A taxa de câmbio foi fixada no nível de 27 de fevereiro. Para ativos financeiros, substituiu-se a ORTN pela OTN (Obrigação do Tesouro Nacional), que teve seu valor congelado por 12 meses. Os juros acima da correção monetária se tornaram juros nominais (a exemplo da OTN) e contratos pré-fixados sofreriam uma desvalorização diária com base na inflação média nos meses anteriores ao Plano Cruzado (seguindo o que se chamou de “tablita”), para eliminar a inflação embutida nos juros. Isso fez com que dívidas pré-fixadas recebessem um decréscimo na hora de quitar a dívida. Nesse período, foi criado o mercado bancário e o CDI (não por outro motivo, a série histórica do CDI começa em 06/03/86).

Não foram estabelecidas metas para política fiscal ou monetária. No lado monetário, houve um aumento do M1 de 64% em março de 86 (na média dos dias úteis do mês) e 18,54% nos três meses seguintes (fonte: Banco Central). Na parte fiscal, a expectativa era zerar o déficit operacional, o que não ocorreu, mas ao menos eliminou-se a “Conta Movimento”, que permitia o Banco do Brasil exercer a função de autoridade monetária.

Como foi feito o reajuste de salários
A título de curiosidade, a tabela abaixo mostra como foi feito o reajuste de salários para cumprir a regra de “média do poder de compra dos últimos seis meses”.

A média da última coluna, acrescida pelo abono, resulta no salário após o Plano Cruzado. Basicamente, a tabela leva o valor dos salários para data de 28/02/86 e depois tira a média. Essa tabela mostra o cálculo especificamente para o salário mínimo. A média da última coluna é 692.801,89. Se fosse um salário comum, a pessoa receberia um abono de 8%. Como é o salário mínimo, o aumento foi maior e algumas fontes dizem que o aumento foi de 15% e outras de 16%. Curiosamente, as duas informações estão corretas em certo sentido, embora 16% seja mais precisa. No Decreto-lei 2.283/86, o salário mínimo foi estabelecido em 800 cruzados (alta de 15,47%). No Decreto-lei seguinte (2.284/86), o valor foi corrigido para 804 cruzados (alta de 16,05%).

Impacto social
Como mencionado, a inflação não era um problema novo e a insatisfação com o acelerado aumento nos preços já era enorme àquela altura. Essa preocupação popular era uma oportunidade de ganhos políticos e foi exatamente nesse sentido que surgiu o Plano Cruzado e sua faceta mais visível, o congelamento de preços.

A recepção inicial foi de euforia. Por decreto, os preços parariam de subir por conta do congelamento e a inflação estava (supostamente) suspensa. Por convocação do presidente, os consumidores se tornaram “fiscais” dos preços e denunciavam preços que estavam em desacordo com o congelamento, lembrando os piores momentos de regimes ditatoriais, com onda de denúncias, prisões autoritárias, violência contra comerciantes e depredação contra estabelecimentos acusados de burlar o congelamento. Nem sempre as denúncias eram procedentes e a participação popular acaba por tornar as denúncias praticamente processo sumário, como denunciou Roberto Maksoud, um dos presos por denúncia de remarcação, em artigo para o jornal O Estado de São Paulo em 22 de março de 1986.

Em retrospectiva, o engajamento do consumidor em vigiar preços é visto com simpatia por muitas pessoas, mas também é possível classificar esse momento como “ilusão popular e loucura das massas”, para citar o título do livro de Charles Mackay. Os “fiscais do Sarney” iam atrás de todos os preços, de tarifa de motel até valor cobrado pela Igreja em casamento. Houve um ativismo grande por parte da população na fiscalização do congelamento e com o passar do tempo eles continuariam indo ao varejo em multidões, mas dessa vez para verem se conseguiam comprar algum produto que estava em falta pelo desabastecimento (ver próximo tópico).

Além de aproveitar a situação já anormal de preços não subindo bruscamente dia após dia, os consumidores se apressavam para aproveitar esse “benefício” pensando que não duraria muito tempo (como, a bem da verdade, durou pouco). Os juros baixos também incentivaram as pessoas a resgatar aplicações financeiras e gastar em produtos que antes não conseguiam, comprar imóveis e realizar sonhos como viajar ao exterior (piorando as contas externas brasileiras). Dívidas decrescentes por conta da tablita aumentavam ainda mais a euforia e a disposição a assumir novas dívidas.

Era extremamente impopular ser contra o Plano Cruzado, embora houvesse muitas razões para isso (ver último tópico do texto). Isso se refletia na imprensa, que por sua vez também refletia a impressão popular de prosperidade e de que o plano estava dando certo. Os empresários ficavam entre as necessidades do negócio e a pressão popular que ignora essas questões e a intervenção do poder público, acusados (até hoje) de boicotar o Plano.

Os mentores do Cruzado tinham se tornado celebridades a ponto de o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (em momentos distintos) Mario Henrique Simonsen advertir que se o ministro da fazenda é popular, é porque está fazendo algo de errado (ver A Saga Brasileira, página 64). Os políticos também se tornaram extremamente populares justamente em um ano de eleição.

“Reze para que dê certo. Agora vai ou racha”, Dilson Funaro.
Superficialmente, o Plano Cruzado foi muito bom enquanto durou. A inflação de preços registrou até deflação em alguns meses após o congelamento, o consumo aumentou expressivamente e o PIB registrou alta expressiva (como já vinha ocorrendo nos últimos dois anos). O congelamento de preços era visto por alguns como a oportunidade para fazer reformas que realmente resolveriam o problema da inflação em definitivo, ou seja, diminuir o déficit público, ou mesmo realizar reformas econômicas mais gerais. Mas, em ano eleitoral, os políticos preferiram focar em obter ganhos políticos com o plano e preferiram se fiar no elemento mais frágil do plano, justamente aquele que dava aparência de sucesso. Os mentores do Cruzado pediam para que o governo cortasse gastos como parte do Plano, mas obviamente que não foram atendidos.

Na parte da oferta, como era inevitável, o controle de preços resultou em filas, cobrança de ágio no mercado paralelo, distorções como um carro usado sendo mais caro do que um novo e a simples falta de produtos para vender. A exemplo de uma corrida bancária, o boato de que um produto iria faltar provocava uma corrida aos mercados e acaba concretizando o boato. Um fator que ajudou os índices de inflação a mostrarem uma variação baixa de preços foi que os coletores do IBGE simplesmente não encontravam os produtos para verificar os preços.

Tentando corrigir o problema sem atacar as suas causas, o governo tentou estimular a oferta através de isenções de impostos, subsídios e importações (que a burocracia estatal ajudou a atrapalhar) e até ações da Polícia Federal para liberar gado mantido em pasto e não abatido por conta do congelamento. Dentro do governo, denunciava-se a conspiração de empresários contra o Plano Cruzado e discutia-se ações quanto a isso. Lançamento de novos produtos ou maquiagem de produtos para parecerem novos foram algumas táticas para driblar o congelamento e que não afetariam os índices de inflação.

Bolsas de valores
No pregão seguinte ao anúncio do Plano Cruzado (04/03/86), o Ibovespa teve a maior valorização da história até então, 5ª maior hoje em dia, com o triplo do volume negociado. O fim da correção monetária e a queda nas taxas de juros levou à migração em massa para bolsa, dólar paralelo e ativos reais, inclusive com uma grande saída de capital do país, o que, junto com as importações, contribuíram para a piora das contas externas. Essa migração junto com as altas expectativas com o pacote levou a bolsa brasileira para um movimento forte de alta nos próximos meses, até que viesse o Cruzado II e a moratória da dívida.

Fonte: Economática

Cruzadinho
Em 24 de junho, o governo criaria um novo pacote que seria apelidado de “Cruzadinho”, que procurava desaquecer o consumo sem abrir mão totalmente do congelamento. Passou a haver um empréstimo compulsório na aquisição de alguns produtos, o que na prática acabou elevando esses preços, sem que isso afetasse o índice de inflação oficial. Esses empréstimos serviriam para financiar o Plano de Metas, que deveria servir para estimular o investimento e corrigir o desequilíbrio de oferta, mas isso acabou não funcionando pela desconfiança dos empresários para investir.

Cruzado II
Em 21 de novembro, não coincidentemente após as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte e governos estaduais, com esmagadora vitória do governo (PMDB), veio o Cruzado II. Os preços foram descongelados, o cálculo do IPC alterado, os impostos de alguns produtos majorados e o valor da OTN reajustado. As taxas de juros acabaram sendo elevadas pela incerteza quanto à volta da inflação e o crédito se tornou mais restrito, o que afetou quem tomou empréstimos durante o Cruzado. A economia desaqueceu e a balança comercial continuou apresentando déficits, o que resultaria na moratória de 1987.

Para piorar, no final de tudo, a inflação de preços voltou tão forte quanto antes.

Inflação = Aumento na base monetária
Um dos poucos opositores públicos ao Plano Cruzado, Henry Maksoud escrevia para a sua revista, a Visão, sobre o Plano Cruzado de maneira crítica. Em circulação de 1974 a 1990 sob direção de Maksoud, a revista criticava a política econômica do governo em pleno regime militar e manteve a postura após a redemocratização.

A respeito do Plano Cruzado, sua principal crítica era que o Plano não atacava as raízes do problema e sim o sue aspecto mais visível. Partindo do princípio de que a inflação é a emissão de moeda sem lastro, Maksoud identificou que a emissão descontrolada de moeda continuou após o fatídico 28 de fevereiro. Um artigo publicado em maio de 1986 continha o seguinte gráfico mostrando a inseparável relação entre a inflação de preços (IGP-DI) e a emissão de moeda (M3):

O crescimento dos agregados monetários, segundo Maksoud, entre dezembro de 1979 e janeiro de 1986 foi de:

Base Monetária (papel moeda em poder do público mais reservas bancárias no Banco Central): 107 vezes (sempre em relação ao PIB).
M1 (papel moeda em poder do público e depósitos à vista): 109 vezes
M2 (M1 + depósitos à prazo + títulos públicos em poder do público): 203 vezes
M3 (M2 + depósito de poupança): 286 vezes
M4 (M3 + títulos privados): 363 vezes

As definições dos agregados leva em conta a situação atual, não da época do Cruzado. Nos quatro meses após o Cruzado, a base monetária cresceu 2,34 vezes, contra aumento no PIB de 1,74 vezes em 12 anos.

O simples controle de preços não acabaria com a inflação, como alguns dos proponentes do plano sabiam. Mas o Plano Cruzado acabou sendo marcado por isso e nenhuma medida real para controlar o déficit público e a emissão monetária foi tomada. Com isso, inevitavelmente, o Plano Cruzado fracassou.

Fontes e outros recursos
A Saga Brasileira. Miriam Leitão, 2011.

Economia Brasileira Contemporânea. A.P. Gremaud, M.A.S. Vasconcellos e R.Toneto Júnior. 6ª Edição. 2007.


O Cruzado e outras ilusões. Henry Maksoud. 1987.



Fonte da imagem: Banco Central do Brasil

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Cálculo de retorno de carteiras

Um problema prático com o qual o investidor se depara é com a análise do desempenho histórico de sua carteira de investimentos. Esse problema é ainda maior quando possui aplicações em diversas instituições e quando faz novos aportes ou resgates em sua carteira.


Considere que o investidor esteja na situação abaixo:
Cálculo de retorno de carteiras

Suponha que a aplicação ou resgate seja feita sempre no final do período, de forma que o valor inicial no período seguinte seja o valor final do anterior, mais ou menos as aplicações ou resgates.

Uma primeira abordagem seria calcular o retorno no período e acumular. Nesse caso:

Retorno Período 1: 110/100-1 = 10%
Retorno Período 2: 143/130-1 = 10%
Retorno Período 3: 148,35/138-1 = 7,50%
Retorno Período 4: 170,22625/158,35-1 = 7,50%

O retorno acumulado desses quatro anos é de 39,83%.

Outra abordagem poderia ser a da “cotização”, ou seja, calcular o retorno de sua carteira como se fosse um fundo de investimentos. Por exemplo:

O resultado final desse método é o cálculo da rentabilidade através do cálculo da variação do valor da cota. Nesse caso: 1398,30625/1000 = 39,83%, que não coincidentemente bate com o resultado do primeiro método.

Esses dois métodos mostram o desempenho médio da carteira. Há, porém, uma questão importante a ser apontada nesses dois métodos equivalentes. Imagine que o investidor tivesse investido $ 125 mil logo de início, sem fazer aportes ou resgates intermediários. O resultado seria:

O rendimento período a período dessa carteira é o mesmo e, por consequência, o retorno acumulado. Porém, o resultado final é diferente, $ 174 mil contra $ 170 mil. É possível fazer uma série de alterações à série inicial, modificando os aportes intermediários e os resgates. O retorno através dos dois primeiros métodos vai ser sempre o mesmo, porém, o valor final será diferente em cada método.

Isso acontece porque é importante a ordem em que ocorrem aplicações e resgates. Eu já comentei anteriormente essa questão em dois artigos (Retornos: Comparando o incomparável e TIR não é média). O cálculo da taxa interna de retorno (TIR) permite uma melhor avaliação da evolução patrimonial do investidor. Para o primeiro caso, a TIR é de 8,69% a.a. (39,58% em quatro anos) e para o segundo é justamente de 39,83%.

Isso aconteceu porque o investidor investiu menos pesadamente nos períodos de maior rentabilidade (os dois primeiros períodos) em relação à situação de investimento único e ainda aumentou o investimento antes de um período de rentabilidade baixa.

Dessa forma, a ordem em que aplicações e resgates são feitas importa para o valor monetário final. A interpretação da TIR nesse caso é que enquanto a acumulação de retornos mensais e a cotização (os dois primeiros métodos) medem o desempenho dos investimentos, a TIR mede a taxa de retorno efetivamente obtida pelo investidor considerando fluxos de caixa intermediários ou, como mencionei antes, a sua evolução patrimonial. Numericamente, é como se $ 100 mil ficassem aplicados à taxa 8,69% a.a. por quatro períodos, $20 mil ficaram aplicados pela mesma taxa por três períodos e por ai vai, só ressalvando que isso não é linear na prática.


Resumindo tudo, o investidor deveria manter registro de três coisas: o desempenho de suas aplicações (individualmente e no agregado), as aplicações e resgates e o valor financeiro. Com o primeiro registro, pode verificar a qualidade dos seus investimentos, com o segundo pode calcular a TIR e ter uma ideia da taxa pela qual o seu patrimônio está sendo rentabilizado e com o terceiro verificar como o seu patrimônio está evoluindo em termos monetários.