quarta-feira, 25 de julho de 2012

Investindo em selos


O artigo de Dimson e Spaenjers analisa o desempenho como investimentos financeiros de selos raros, uma classe de investimentos alternativos como obras de artes e vinhos finos. Selos são muito procurados por colecionadores apaixonados, mas é interessante examinar se também podem ser um investimento rentável e que possa proteger contra oscilações das ações ou contra a inflação.


A coleção de selos começou com mulheres e crianças no século XIX com o surgimento dos primeiros selos pré-pagos adesivos no Reino Unido. Com o tempo, selos passaram a ser negociados mais intensamente também por homens adultos mesmo em períodos de crise como as Guerras Mundiais. Nas décadas de 1960 e 1970, a demanda por selos colecionáveis explodiu no Reino Unido, principalmente no período da Copa do Mundo de 1966 (ver imagem acima). A inflação no período era alta e os selos eram vistos como uma maneira de “lamber a inflação” e a demanda arrefeceu junto com a queda na inflação. Porém, colecionadores continuaram com o seu hobby de colecionar selos e até hoje a demanda é alta por parte dessas pessoas. E apesar da literatura filatélica tentar desencorajar o uso de selos como ativos financeiros, ainda há muitos interessados em investir em selos e até colecionadores começam a enriquecer com seu hobby.

A análise dos autores á baseada na base de dados da Stanley Gibbons Stamp Catalogue, referente ao Reino Unido e que remonta 1879. O catálogo é publicado anualmente, geralmente no segundo semestre, havendo alguns anos a interrupção por motivos principalmente de guerras. As primeiras listas possuíam um número baixo e incompleto de tipos de selos. Os autores utilizam os catálogos entre 1900 e 2008, a quantidade de selos indo de pouco mais de duas centenas para por volta de 3 mil. Mas só são utilizados para a composição da carteira os 50 selos mais valiosos, a carteira sendo rebalanceada a cada nove anos. Selos especiais e não recorrentes são excluídos da carteira. No total, 127 selos fizeram parte das carteiras ao longo do tempo, o que pode indicar que selos são menos suscetíveis a mudanças de gostos (diferente do mercado de artes) e nenhum selo emitido após 1935 entrou na carteira. Os preços são definidos pelo catálogo da Stanley Gibbons, que geralmente contam com um prêmio por conta da reputação do vendedor e pelos custos operacionais, mas, se esse prêmio se mantiver constante, não deve enviesar os resultados. Outra questão é que os selos não são negociados com elevada frequência, ao menos não os mais valiosos. Os autores procuram contornar esse problema utilizando metodologia empregada por Shiller (1991) para analisar ativos negociados com baixa frequência, imóveis no caso de Shiller.

Os retornos da carteira de selos raros têm um padrão interessante. A ocorrência de desvalorizações nominais é baixa, apenas em 8 anos em uma base de 109 há perdas e em apenas 4 a desvalorização supera 1%. Porém, há também períodos prolongados em que o preço fica “de lado”, como 1949-1957 e 1983-1994. E, como estudos anteriores argumentaram, quando a demanda é baixa há um ajuste mais no número de negócios do que nos preços, os investidores preferindo manter os selos do que vende-los com prejuízo nominal, algo que também acontece com imóveis. O retorno médio no período 1900-2008 é de 7% a.a. Em termos reais, há períodos prolongados de perdas reais (entre 1915 e 1918, há quatro anos seguidos com perdas que superam 10%), mas há outros períodos com elevados ganhos reais em períodos inflacionários. O retorno médio em termos reais é de 2,9% a.a.

Em seguida, os autores comparam os selos com outros ativos. A figura abaixo tirada de uma versão preliminar do artigo mostra o desempenho em termos reais de selos, ações, bônus e letras de dívida pública.



Ações tiveram o melhor desempenho, seguidas de selos e títulos de renda fixa. Comparando com obras de arte e ouro no período 1900-2008, o retorno real médio das obras de arte foi parecido com o dos selos (2,4% a.a.). Ouro, por sua vez, rendeu apenas 0,7% a.a. no período. Apesar da semelhança de médias, selos e artes possuem padrões diferentes, bons rendimentos em um período para uma classe não representando bom momento para a outra, os padrões de ouro e selos sendo mais parecidos. Quanto à volatilidade, a negociação infrequente e a necessidade de interpolar os anos em que não há negociação torna o cálculo simples de desvio-padrão enganoso e parece que a volatilidade é muito menor do que aquela presente nas ações. “Dessuavizando” os retornos, chega-se a uma volatilidade menor do que nas ações, mas mais próxima.

Na próxima parte do artigo, há uma análise mais aprofundada sobre a relação entre as classes de ativos e com a inflação. O retorno nominal de selos é correlacionado positivamente com letras do tesouro, artes e ouro, enquanto que os retornos reais são correlacionados com bônus e letras do tesouro, além de ouro, mas não com ações ou arte. Quanto à inflação, há correlação positiva em termos nominais, mas negativa em termos reais.

Analisar a relação entre selos e ações carrega o problema de não-sincronismo, com os selos não sendo negociados com frequência, ao contrário das ações, o retorno anual de selos podendo não se referir ao mesmo período do retorno das ações. Os autores utilizam metodologia empregada em Dimson (1979) para contornar esse problema na hora de encontrar o beta de mercado dos selos. Sem essa metodologia, o beta é nulo. Adotando uma janela de tempo -1; +1 para calcular os retornos, o beta de mercado é de 0,222 e com -2;+1 é 0,325, ambos estatisticamente significativos. Isso indica que há alguma relação entre selos e ações, embora o risco sistemático dos selos seja baixo.

Em termos nominais, selos e outros ativos físicos como ouro são positivamente correlacionados com inflação, mas há uma relação negativa calculando-se juros reais, assim como todos os ativos. Em análises mais aprofundadas, primeiro os autores examinam se os ativos podem funcionar como proteção contra inflação esperada e inesperada. A expectativa de inflação é medida através de duas aproximações: juros de curto prazo das letras do tesouro prevendo inflação no futuro e inflação passada transbordando para inflação futura. Segundo os testes dos autores, esses dois indicadores são previsores razoáveis. Testando agora a capacidade de proteger contra a inflação, o coeficiente de regressão dos retornos de selos (e ações e ouro) em função da inflação esperada é 1, indicando que esses ativos protegem contra a inflação, independente da aproximação adotada. Quanto à inflação inesperada (diferença entre a inflação do período e a prevista pelos dois indicadores), o coeficiente de regressão é inferior a 1 para a maioria dos ativos (menos ouro), indicando que selos ou outros ativos não são uma boa proteção contra inflação inesperada. Calculando os retornos para reduzir os problemas de não-sincronismo, o coeficiente para inflação inesperada não é diferente de 1 apenas ao nível de 10%, indicando que talvez selos possam proteger contra inflação inesperada.

Por fim, os autores examinam a questão dos custos de transação. Há um elevado custo de transação na forma da diferença entre a melhor ordem de compra e a melhor ordem de venda. Quem compra selo de um catálogo tem à sua disposição uma oferta de recompra no valor de 75% do preço de catálogo, ou seja, a diferença entre as “ordens” de compra e de venda é de 25%. Porém, até por conta desses elevados custos, a negociação infrequente acaba por reduzir os custos diretos com corretagens e emolumentos, diferente do mercado acionário onde os investidores estão mantendo as ações em períodos cada vez menores. Nas análises, os custos de transação para selos são 25% de deságio na venda, sendo ignorada a taxa de custódia, que, segundo os autores, é baixa. Para ações, os custos são comissões, impostos e spread, ficando entre 1,16% e 2,46% dependendo do tamanho da transação.

Os autores calculam os retornos médios em função do período de aplicação. Para selos, é necessário esperar 4 anos para que os retornos médios sejam positivos. Para o período de 40 anos que, segundo estudos anteriores, é o horizonte de tempo médio dos colecionadores, o retorno nominal médio é de 6,2% a.a. (contra 7% sem custos). Dependendo do horizonte de tempo adotado para ações, se o investidor mudar muito frequentemente a composição de sua carteira, selos podem até ter retornos superiores, embora o desempenho dos selos seja sempre inferior para o mesmo horizonte de tempo.

Em suma, o artigo analisou o comportamento de selos como investimentos financeiros, mostrando um comportamento próximo ao de ações em termos de volatilidade e retornos e ainda alguma evidência de que selos servem como proteção contra inflação. Os autores não analisaram essa questão, mas esse investimento, como outros ativos reais, é mais restrito para investidores com mais recursos, o que reduz a utilidade prática desse estudo. Mas ainda assim é um estudo interessante de retorno de ativos.

Fonte da imagem: Karen Horton em seu Flickr.

Elroy Dimson e Christophe Spaenjers
Journal of Financial Economics. Volume 100. Edição 2. 2011

Um comentário:

  1. https://www.youtube.com/watch?v=N4gqEszZF7w

    Contato: seloscolecaorafael@gmail.com

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