segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Investidores e publicidade

Investidores e Publicidade

Será que a publicidade voltada para o consumidor pode afetar a maneira como os investidores analisam a empresa e afetar o retorno das ações? É o que o artigo de Dong Lou publicado na Review of Financial Studies procura examinar.


O escopo do estudo parte da variação nos gastos em publicidade e segue com o efeito de maiores gastos no retorno das ações (curto e longo prazo) e também no comportamento da empresa e de seus agentes internos. Faz sentido que possa haver um efeito no mercado na presença de investidores com atenção limitada, o que foi analisado anteriormente por Barber e Odean (2008). A publicidade tornaria a empresa não apenas mais visível para os consumidores, mas também para os investidores, analistas e gestores.

O período de análise é entre 1974 e 2010, utilizando como base de dados a CRSP para o preço das ações e a Compustat e a Thomson para outras informações. O gasto médio em publicidade foi de US$ 42 milhões, o que significa pouco menos de 5% das vendas anuais e dos ativos totais, com crescimento anual médio de 27,56%.

O autor classifica as ações de acordo com as mudanças percentuais nos gastos com publicidade, excluindo ações cotadas a preços inferiores a US$ 5 e as empresas que gastaram menos de US$ 100 mil. Com isso, cria dez carteiras de acordo com a classificação da ação em decis de gastos com publicidade. As carteiras se mantêm por três anos (ano da formação da carteira mais dois anos) e são rebalanceadas mensalmente para manter proporções iguais. Os números mostram que no ano em que as carteiras são criadas o retorno das carteiras do decil 10 são amplamente superiores aos retornos do decil 1, ajustando ou não pelo risco. No entanto, nos dois anos subsequentes esse padrão é revertido e as empresas que mais aumentaram seus gastos em publicidade têm retornos das ações inferiores ao das que aumentaram menos os gastos. Esses resultados se mantêm mesmo ajustando os gastos em publicidade com a média da indústria ou analisando subperíodos. Dessa forma, no curto prazo gastos maiores em publicidade geram um retorno anormal de ações, que é posteriormente revertido nos dois anos seguintes. O retorno anormal de curto prazo gira em torno de 1%, a reversão no ano 1 é de por volta de 0,5% e no ano 2 mais ou menos 0,8%.

Para isolar o efeito da variação nos gastos com publicidade, o autor realiza uma regressão Fama-Macbeth. Os resultados mostram que o aumento de um desvio-padrão nos gastos impacta negativamente os retornos em 9,3 pontos-base nos anos 1 e 2 em uma regressão com controles adicionais. O mesmo padrão se observa nos retornos ao redor do anúncio de resultados.

Na parte de interpretação dos resultados, seria possível argumentar que o retorno de curto prazo se deve ao efeito sinalização sobre as perspectivas futuras da empresa, porém, isso não explica a reversão posterior. O autor dá mais força à interpretação da atenção do investidor analisando como os gastos com publicidade afetam as ordens de compra e venda de investidores pessoa física. Os resultados mostram que esses investidores são compradores líquidos de ações que mais aumentam os gastos em publicidade, o aumento de um desvio-padrão estando associado com um aumento de 3,4% nas compras líquidas, não apenas no ano 0, mas também no 1 (os resultados para o ano 2 não forma informados). Perceba que isso não estabelece necessariamente uma relação de causalidade entre publicidade e retornos, apenas entre publicidade e atenção do investidor pessoa física. Há também um aumento nas vendas a descoberto das ações que aumentaram seus gastos com publicidade, o que mostra que alguns investidores conseguem identificar o movimento e agem contra ele.

Em análises adicionais, o autor determina que o efeito é mais pronunciado para empresas que atuam com bens de consumo, que possuem baixa cobertura de analistas, com mais investidores pessoa física (e menos institucionais), com menor número de marcas (tornando mais fácil associar o produto com a empresa) e empresas menores e que dependem de anúncios locais.

Se realmente anúncios publicitários podem influenciar o retorno das ações, então a empresa ou seus agentes internos podem se aproveitar dessa situação para obter algum tipo de ganho. A próxima análise diz respeito à negociação de ações por parte de agentes internos em função de mudanças de gastos em publicidade. Trata-se de insider trading, mas do tipo legalizado (nas formas e condições previstas pela lei). Os resultados mostram que os gastos com publicidade sobem no ano anterior e no mesmo ano de vendas significativas por parte de agentes internos importantes na definição dos gastos com publicidade (diretor-presidente, presidente do conselho, diretor de operações e outros). No ano seguinte às vendas, os gastos tendem a ser reduzidos. Análises adicionais mostram que o aumento nos gastos é maior quanto maior é a futura venda de ações.

Duas explicações podem surgir: os agentes internos vendem as ações simplesmente porque o momento é bom ou por conta de um comportamento oportunista, sugerindo que gastaram em publicidade tendo em vista vender as ações a preços mais elevados. A carência (vesting) das stock options pode ajudar a diferenciar as duas hipóteses. Na análise dos autores, há uma relação entre haver carência e haver a venda das ações, o que não é surpreendente, já que as stock options costumam ser exercidas assim que possível. Mais importante, os autores utilizam uma regressão em dois estágios, no primeiro analisando a probabilidade de evento em função da carência e no segundo a relação dos gastos com publicidade e a venda dos agentes, essa segunda variável vinda da primeira regressão, chegando a resultados similares de uma regressão simples. Ou seja, há uma relação entre o fim do período de carência, venda de ações e gastos com publicidades que dá força à hipótese do comportamento oportunista.

Outra análise relaciona vendas futuras com o aumento nos gastos com publicidade e a venda por parte de agentes internos. O mais importante dessa análise é a interação entre as duas últimas variáveis, que possui sinal negativo. Ou seja, as vendas futuras são menores quando há venda de ações, indicando comportamento oportunista de agentes internos que se antecipam a um crescimento de vendas baixo (ou negativo).

Uma análise adicional foca em agentes internos de menor capacidade de influenciar os gastos com publicidade, mas que mesmo assim são bem informados o suficiente para poderem identificar bons momentos de venda, o que inclui o diretor-financeiro e tesoureiro. O resultado mostra que não há relação entre venda de ações e mudanças nos gastos com publicidade quando esses agentes são considerados. Outras análises indicam que os resultados são mais pronunciados em empresas que atuam em um único segmento (e, dessa forma, a decisão de publicidade é tomada em um nível hierárquico superior) e em empresas “ditadura” (segundo o Índice de Governança). O conjunto dessas análises indica que a venda das ações é motivada por comportamento oportunista.

Por fim, é feita uma análise sobre o comportamento da empresa em função dos gastos com publicidade, quais sejam, a emissão de ações em ofertas subsequentes e aquisições por meio de troca de ações. Nos dois casos, os gastos aumentam no mesmo ano e no ano anterior a esses eventos, o que não ocorre com emissão de dívida ou aquisições realizadas em dinheiro.

Resumindo, gastos com publicidade afetam positivamente o retorno de ações contemporaneamente e até um ano após e esse efeito influencia as decisões da empresa e de seus agentes internos.

Dong Lou.
Review of Financial Studies. Volume 27. Ed. 1. 2014

Fonte da imagem: Wikipédia

Quadro resumo das ideias principais do texto:
Investidores e publicidade - Quadro resumo

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Capital de Giro e Valor

Capital de Giro


Capital de giro é fundamental para uma empresa e para a avaliação de seu valor. Mas, surpreendentemente, poucos estudos analisaram a relação empírica entre capital de giro e valor. Um artigo publicado na Review of Finance procura preencher essa lacuna.

Segundo os autores do artigo, em média as empresas americanas mantém 27% dos ativos em capital de giro. Estudos anteriores analisaram aspectos isolados da gestão do capital de giro, mas faltava ainda uma abordagem mais integrada. Capital de giro está relacionado basicamente com a gestão das contas a pagar, dos estoques e das contas a receber, além do conceito de ciclo operacional, que começa na aquisição de matéria-prima e termina no recebimento das vendas.

A relação entre capital de giro e valor vem da própria forma como os fluxos de caixa futuros são estimados. A partir do lucro líquido (ou do lucro operacional após imposto de renda), deduz-se os investimentos em capital fixo e os investimentos em capital de giro para se chegar à estimativa de quanto sobra para a empresa remunerar os acionistas (e devedores, no fluxo de caixa da empresa). Então, quanto menos a empresa investir em capital de giro, melhor deveria ser, desde que fosse inconsequente investir pouco em giro. As consequências negativas de se manter um baixo capital de giro vão desde a falta de estoque (e consequente perda de vendas) até dificuldades financeiras. As condições de crédito aos clientes também influenciam o capital de giro, uma política muito generosa aumentando as vendas, mas atrasando o recebimento de receitas. Além do mais, há uma relação conjunta entre gestão de estoques e política de crédito. Na gestão do capital de giro (assim como do caixa), há a troca entre custo de oportunidade e custo de carregamento.

Os autores analisaram empresas americanas no período entre 1990 e 2006 utilizando a base CRSP, excluindo empresas financeiras. A metodologia envolve calcular o retorno anormal de uma ação em função de determinadas variáveis. O retorno anormal é o retorno da ação subtraído do seu índice de referência, que é o desempenho de uma carteira no mesmo grupo de tamanho e relação Valor Contábil/Valor de Mercado. Inicialmente, os autores utilizam as variáveis incluídas em Faulkender and Wang (2006), que são:

Caixa
Despesas com juros
Dividendos
Alavancagem (Dívida/Dívida + Ações)
Financiamento (Emissão de Ações – Recompra + Emissão de Dívida – Pagamento de dívida)
Lucro Operacional
Ativo Total
Gasto em P&D

Algumas variáveis definidas como variações, enquanto que outras pelo valor absoluta e outras ambas as especificações. Os valores são divididos pelo valor de mercado, para indicar a sua contribuição marginal para o retorno da ação.

Os autores incluem duas variáveis, relacionadas com o objeto de estudo do artigo, que são o capital de giro e sua variação. O ativo total sofre uma alteração, sendo o ativo total menos caixa, aplicações financeiras e capital de giro.

Os resultados mostram que US$1 investido em capital de giro gera valor de US$ 0,52. A interpretação desse resultado é: “empatar” capital de giro destrói valor e por isso que as empresas procuram reduzir o capital de giro necessário para manter as operações sem prejudica-las. Contrariamente, US$ 1 investido em caixa é valorizado pelo mercado como gerando US$ 1,50, ou seja, o mercado não pune a manutenção de dinheiro em caixa, resultado inclusive que era o tema do artigo de Faulkender and Wang (2006). A interação entre o nível de Capital de Giro e sua mudança é negativa e tem coeficiente de 0,16, indicando que em níveis médios de investimento em giro o valor marginal é reduzido em US$ 0,16 por dólar investido, estabelecendo uma contribuição marginal em função do tamanho do investimento em giro.

Com isso, determina-se que o nível do investimento em giro é um dos determinantes de sua contribuição para o valor da empresa, mas seria interessante entender se há outros fatores influentes. Os resultados mostraram que crescimento de vendas (média dos três últimos ou seguintes anos) influencia positivamente (investimento em giro é mais valioso quanto mais a empresa está crescendo), um resultado que faz todo sentido lógico. Na parte do financiamento da empresa, mais dívidas de longo prazo (mas não de curto) e maior risco de falência (medido pelo Z-Score de Altman) reduzem o valor marginal o investimento em giro. Ou seja, quanto pior for a situação financeira da empresa, menos valioso é o investimento em giro.

Na parte das restrições financeiras, o índice SA de Hadlock e Pierce (2010) mostra que empresas com maiores restrições veem seus investimentos em giro gerar mais valor. Já que provavelmente estamos analisando aqui empresas menores e mais jovens, faz sentido que o investimento em giro seja mais valioso para esse tipo de empresa. Testes adicionais mostram que é esse o efeito, e não a falta de acesso ao mercado de crédito. Variáveis macroeconômicas ou o ambiente financeiro não afetam a contribuição do investimento em giro, seja porque já impactam o retorno independente do capital de giro, seja porque apenas efeitos específicos à empresa é que importam. Basicamente, os resultados mostram que investimento em giro é mais valioso para empresas em crescimento e menos para empresas com dificuldades financeiras.

A próxima questão é sobre qual elemento do capital de giro mais contribuiu para o valor da empresa. Para examinar essa questão, a variação do capital de giro é desmembrada em seus três componentes. Os resultados mostram que US$ 1 investido em recebíveis (ou seja, estendendo as condições de crédito para os clientes) é mais valioso do que US$ 1 investido em estoque, embora a contribuição de ambos seja inferior a US$ 1. Talvez por isso que a gestão de estoque é uma questão tão mais debatida do que a gestão de crédito aos clientes.

Resumindo, o artigo quantifica a importância do investimento em giro e mostra a necessidade de uma gestão mais eficiente do capital de giro, em especial estoques, principalmente para empresas com dificuldades financeiras.

Working Capital Management and Shareholders’ Wealth
Robert Kieschnick, Mark Laplante e Rabih Moussawi
Review of Finance. Volume 17. Ed. 5. 2013

Quadro resumo:
Capital de Giro e Valor - Resumo

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Lançamento Coberto

Lançamento coberto é a estratégia de manter uma posição comprada em um ativo e lançar uma opção de compra sobre esse ativo. Em um artigo publicado na Financial Analysts Journal, Roni Israelov e Lars Nielsen discutem uma verdade e oito mitos sobre essa estratégia.


O lançamento coberto limita o ganho da operação, uma vez que se o preço do ativo subjacente estiver acima do preço de exercício o lançador receberá apenas o preço de exercício, sendo obrigado a vender a ação ao titular da opção. A vantagem é que o lançador recebe o prêmio da opção (seu preço de lançamento) e se o preço do ativo ficar abaixo da soma do preço de exercício e o prêmio o investidor terá mais do que teria se não tivesse lançado a opção. O diagrama mostra a situação do lançamento coberto na comparação com apenas uma posição comprada no ativo subjacente.

Lançamento Coberto x Posição comprada em ação


Essa é uma estratégia que oferece exposição a risco de mercado com menos volatilidade. Segundo os autores do artigo, fundos que focam essa estratégia já somam US$ 45 bilhões em ativos sob administração nos Estados Unidos. O índice CBOE S&P 500 BuyWrite Index (BXM) que procura ser um índice de referência para a estratégia de lançamento coberto e no período entre 1986 e 2013 mostrou ter um índice de Sharpe superior ao S&P 500 (0,33 contra 0,29), com menor risco, mas também menor volatilidade.

O objetivo do artigo é desmistificar algumas falácias associadas com a estratégia. Antes, começa com um fato: lançamento coberto é a combinação de uma posição comprada em risco de mercado e vendida em volatilidade. Em uma opção de compra no dinheiro (preço de exercício=preço atual), o lançamento coberto é metade uma posição comprada e metade um straddle vendido, conforme o diagrama abaixo, retirado do artigo:
Ação + Stradlle = Lançamento Coberto

Ou seja, o lançamento coberto funciona como uma exposição ao risco de mercado (primeiro componente) com a venda de um prêmio por volatilidade (no componente do straddle). Ou seja, os retornos dessa estratégia se originam de dois prêmios por risco, quais sejam, volatilidade e risco de mercado. Os autores analisaram o desempenho de uma carteira que lançava coberto opções no dinheiro sobre o S&P 500 com prazo de um mês, renovando a operação todo mês. Os resultados confirmam que essa é uma estratégia de baixo beta (0,64), 0,50 vindo da parte longa e 0,14 do componente straddle e mostra que dois terços da volatilidade vem do componente de risco de mercado e o restante do prêmio de volatilidade.

Os autores argumentam que é essencial entender essas duas fontes de retorno (risco de mercado e volatilidade) para montar adequadamente estratégias com lançamento coberto. Se o investidor simplesmente desejasse reduzir a volatilidade da carteira ou reduzir a exposição ao risco de mercado, poderia simplesmente operar um contrato futuro. Se o faz com opções é porque acredita que há um prêmio de volatilidade atrativo. Os autores, porém, alertam que uma abordagem média-variância pode não ser adequada para analisar a estratégia, uma vez que o lançamento coberto por causa da distribuição de retornos limitada na parte dos ganhos. Ou seja, maximizar o índice de Sharpe com essa estratégia não é prudente.

Após estabelecer esse fato, os autores passam a analisar falácias associadas com o lançamento coberto:

1) Exposição ao risco pode ser expressa no diagrama de retornos (primeira figura desse texto): O diagrama só é verdadeiro em um momento, na data de vencimento. Há uma série de fatores que afetam o retorno da estratégia que precisam ser considerados. Como uma maneira didática de explicar a estratégia, o diagrama ainda é útil, no entanto.

2) Lançamento coberto produz cobertura contra perdas: De fato, o lançamento coberto possui uma perda máxima inferior a uma posição comprada no ativo, mas isso vem às custas de uma limitação no retorno. Ou seja, a posição ainda tem muita exposição a perdas com limitado potencial de ganhos.

3) Lançamento coberto gera rendimento: Lançar uma opção gera um fluxo de caixa positivo, mas isso vem associado com um passivo. Considerar que a estratégia gera um rendimento é a mesma coisa, na visão dos autores, que considerar como um rendimento emitir um título de renda fixa que não paga cupom. Um investimento apenas gera rendimento se estiver associado com algum prêmio por risco ou erro de precificação.

4) Lançamento sobre ações mais voláteis ou com opções mais curtas geram rendimentos superiores: Relacionado com o ponto anterior, o ganho a ser obtido com o lançamento não está relacionado com o preço da opção, e sim com eventuais desvios em relação ao seu valor justo levando em conta os fatores que determinam o preço de uma opção. O ganho vem da “riqueza” da opção, na expressão dos autores, e não de seu preço.

5) O tempo trabalha a seu favor: O fato da opção perder valor com o passar do tempo é só parte da história. Se a única coisa que acontecesse é a opção ficar mais próxima do vencimento, então isso seria verdadeiro, mas tudo vai depender de quão bem precificada está a opção.

6) Lançamento coberto é apropriado se você tiver uma perspectiva neutra ou levemente otimista: Enquanto que o lançamento coberto reduz a exposição ao risco do ativo, incluindo potencial de alta, a operação também envolve outros fatores, como a volatilidade. E outras operações podem ser mais adequadas para expressar uma visão neutra, como um straddle vendido sem uma posição comprada.

7) Lançar coberto uma opção é fazer o que eu já faria de todo modo: Um raciocínio utilizado é o de que o investidor já pretende vender a ação a um determinado preço, lança uma opção a esse preço e se ela for exercida o resultado é o mesmo, mas com o recebimento do prêmio da opção. No entanto, as situações não são idênticas: se antes do vencimento a ação chega ao preço de exercício, se você não lançou a opção ainda pode vender a ação, enquanto que se você realizou o lançamento não tem essa possibilidade e precisa contabilizar um passivo, que a essa altura também mudou de valor. As situações claramente não são equivalentes.

8) Lançar a opção permite comprar a ação mais barato: Esse raciocínio está mais associado com opção de venda, mas considere um investidor que acredita que a ação está supervalorizada e lança uma opção sobre a ação a um preço de exercício inferior, recebendo o prêmio por risco. O problema é que o investidor está se expondo ao risco da ação que ele considerava que não deveria ser comprado e o prêmio faz pouco para mudar essa situação.

Acho que um bom resumo para essas oito falácias é que levam em conta apenas um dos fatores que determinam o preço de uma opção e desconsideram os demais, quando o correto é analisar todos os fatores simultaneamente e ponderar se estão corretamente precificados ou não. No fim, lançamento coberto simultaneamente se baseia em uma opinião conjunta sobre o preço e a volatilidade de um ativo.

Financial Analysts Journal. Volume 70. Ed.6. 2014
Roni Israelov e Lars Nielsen

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Ações protegem contra a inflação?

Inflação é um fator comumente levado em conta pelos investidores, que desejam uma proteção contra a perda do poder de compra do dinheiro.


Para que um investimento seja uma boa proteção contra inflação, precisaria ter um beta em relação à inflação de 1, um beta inferior a isso indicando que o retorno do investimento não acompanha uma elevação na inflação. Isso não diz nada sobre se há ou não retornos reais, apenas indicam que retornos e inflação covariam positiva ou negativamente e em qual intensidade. Estudos anteriores determinaram que ações como um todo possuem beta negativo, ou seja, um aumento na inflação resulta em retornos inferiores por conta disso. O artigo de Andrew Ang, Marie Brière e Ombretta Signori publicado na Financial Analysts Journal procura determinar se algumas ações específicas poderiam servir de proteção.

Determinadas empresas podem sofrer menos com a inflação dependendo do tipo de produto que vendem, da etapa na cadeia de produção que estão e de seu poder de mercado para insumos ou bens finais. Para examinar quantitativamente essa questão, os autores calcularam o beta em relação à inflação, de maneira parecida com o Beta do CAPM, mas com a inflação no lugar do prêmio de risco. A periocidade dos retornos e da inflação é mensal, a amostra inclui ações pertencentes ao S&P 500 e o período entre 1989 e 2010. A inflação é o índice de preços ao consumidor (CPI). A escolha da amostra se deu por essas ações serem as mais importantes para investidores institucionais, mas os resultados permanecem os mesmos usando uma base mais ampla como a CRSP.

A primeira análise separa as ações em quintis de acordo com o seu beta de inflação, ponderando pela capitalização de mercado. Os retornos dessas carteiras são analisados através do modelo Fama-French, com o fator Momento de Carhart. Os resultados mostram que algumas ações tiveram betas de inflação até expressivos, chegando a 15 contra -0,52 do S&P 500 como um todo. Os principais setores das ações com maiores betas são Materiais Básicos e Petróleo & Gás.

Analisando as carteiras, as que melhor se protegeram contra inflação (quintil superior de beta de inflação) mostraram um desempenho superior. As carteiras com pior proteção contra a inflação se mostraram mais arriscadas, tanto em termos de volatilidade quanto de obliquidade e curtose. Analisando com o modelo Fama-French, o quintil inferior de beta de inflação mostrou relação positiva com o fator tamanho, indicando que as ações que compõem esse quintil são de empresas menores, possivelmente porque possuem menor poder de repassar aumento nos preços. O fator HML também é positivo, indicando que ações de valor são prejudicadas pela alta na inflação, o que faz sentido se considerarmos que essas empresas possivelmente estão perdendo poder de mercado e a capacidade de lançar novos produtos. Ou seja, as melhores proteções contra inflação seriam empresas grandes e de crescimento.

Os setores de Petróleo & Gás e de Tecnologia estão com uma participação maior no quintil superior do que no S&P 500, indicando que são esses os setores que oferecem a maior proteção contra inflação. O primeiro setor se beneficia da alta do preço de produtos básicos, enquanto que o segundo oferece produtos diferenciados que podem ser vendidos a preços superiores. O pior setor é o Financeiro, o que faz sentido na medida em que os seus ativos são denominados em juros nominais em geral.

Todas essas análises são ex-post, com as carteiras sendo construídas e depois os resultados analisados. A questão passa a ser se é possível construir ex-ante carteiras que se mostrarão posteriormente adequadas para proteger contra a inflação. Para isso, os autores calcularam o beta de inflação 60 meses antes e construíram as carteiras mês a mês com base nas regressões. Os resultados mostram que o quintil superior de beta de inflação costuma não apenas se mostrar inadequado para proteger contra inflação (com beta estatisticamente nulo), mas também se mostra pior nesse sentido do que o quintil inferior. Ou seja, beta de inflação passado não foi nem de longe indicativo de beta de inflação futuro.

Os betas de inflação também se mostraram altamente instáveis, em média 23,7% das ações mudando o sinal de seu beta de inflação ao longo de um ano. Na Grande Crise Financeira de 2008, 68% dos betas trocaram de sinal. A distribuição dos betas também pode variar muito, de uma quase normal em tempos mais calmos para uma distribuição nada normal em 2008. Mesmo uma carteira efetiva na proteção contra a inflação poderia não ser atrativa, pois incorreria em muitos custos de transação ao rebalancear a carteira.

Os autores tentam estimar os betas de inflação a partir dos fundamentos, como rendimento de dividendos, relação Preço/Lucro e outras variáveis. Nenhum dos fatores se mostrou significativo na previsão de betas de inflação.

Analisando por setores, nenhum mostrou beta de inflação positivo, Materiais Básicos registrando beta de inflação estatisticamente nulo. Surpreendentemente, Petróleo e Gás mostrou beta bastante negativo (-1,27). Novamente é necessário ressaltar que esses números acabam escondendo a grande variabilidade dos betas de inflação ao longo do tempo e dentro dos setores. Quanto a ações boas pagadoras de dividendos, o beta de inflação do S&P High Yield Dividend Aristocrat Index (que teria como equivalente brasileiro o IDIV) foi negativo no período de vigência do índice contra um beta positivo para o S&P 500 nessa mesma janela de tempo. Mesmo separando os componentes do retorno total (dividendos e aumento de preço) não faz com que os dividendos funcionem como uma boa proteção contra inflação.

Ou seja, algumas ações específicas mostraram alguma capacidade de proteger contra a inflação, mas é totalmente imprevisível quais serão essas ações porque os betas, além de difíceis de serem previstos, são altamente instáveis.

Financial Analysts Journal. Volume 68. Ed. 4. 2012
Andrew Ang, Marie Brière e Ombretta Signori

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Com quantas ações se faz uma carteira bem diversificada?

Desde o trabalho seminal de Harry Markowitz que o potencial de redução de risco proporcionado pela diversificação está bem estabelecido. Uma questão mais prática é: precisamos de quantas ações para obter uma carteira “bem diversificada”.


Em um já clássico artigo publicado no Journal of Financial and Quantitative Analysis, Meir Statman analisou essa questão. A ideia básica da análise é que diversificar tem um benefício e um custo marginal e o número ótimo de ações é aquele que mais perto chega de igualar os dois.

Na parte do benefício, Statman comparou o retorno de uma carteira com n ações com o retorno de uma carteira S&P 500 alavancada de forma a ter o mesmo risco da carteira de n ações, a diferença de retornos (que favorece o S&P 500) sendo a medida de benefício da diversificação.

Quanto aos custos, Statman precisou estimar os custos de transação da referência dele (o Vanguard Index Trust) e de uma hipotética carteira subdiversificada. No primeiro caso, a estimativa era de 0,49 pontos percentuais, sendo que hoje em dia esse custo deve ser muito menor do que esse (a taxa de administração é de 0,05%). Statman presume que o custo de se manter uma carteira menos diversificada é menor do que o de investir no Vanguard, o que talvez fizesse sentido na época, mas hoje não me parece ser o caso. A conclusão sobre o tamanho mínimo da carteira depende da estimativa dos custos de transação.

O resultado da análise de Statman é a de que uma carteira com por volta de 30 ações já providencia a diversificação necessária, mas nem isso os investidores conseguem, tendo sido comprovado que os investidores sistematicamente subdiversificam as suas carteiras. Statman conclui o artigo com algumas sugestões sobre como fazer com que os investidores mudem de comportamento, ideia que seria explorada em trabalhos futuros.

Considero a análise do artigo ultrapassada. O fundo utilizado como referência possui um custo de transação muito menor do que o apontado e provavelmente menor do que o de manter uma carteira com 30 ações. Seria necessário realizar uma atualização dessa análise ou mesmo considerar que investir em um fundo indexado é a melhor opção considerando apenas a variância da carteira. Dessa foram, é errôneo citar esse artigo como referência para afirmar que são necessárias apenas 30 ações para diversificar uma carteira em termos de risco e retorno.

The Journal of Financial and Quantitative Analysis, Vol. 22, Nº 3. 1987
Meir Statman

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O que move os preços de ações?

Um artigo publicado na Financial Analysts Journal discute a questão sobre se o preço das ações se move por causa de fundamentos ou por outro fator, como o “reconhecimento” dos investidores.


Algumas ações podem receber mais atenção dos investidores por algum motivo (ser uma marca famosa, por exemplo) e isso tem influência na liquidez e no preço das ações. Para examinar essa questão, os autores criam uma medida de “reconhecimento” dos investidores, calculando quantos investidores institucionais investem na ação e depois controlando por tamanho da empresa.

Quanto ao retorno das ações, os autores procuraram separar o retorno em três componentes, retornos esperados no começo do período (com base em previsões de analistas), mudanças no retorno por causa dos fundamentos (mudanças na distribuição de fluxos de caixa, também estimado por analistas) e um componente de erro aleatório da regressão, que os autores passarão a verificar se está relacionado com o reconhecimento dos investidores. A análise é feita entre 1986 e 2008.

O resultado da regressão dos retornos observados com as variáveis mencionadas acima resulta em um r-quadrado de 38%, indicando que é essa a porcentagem explicada por mudanças nos fundamentos. Ano a ano, esse valor raramente é superior a 50% e teve mínima durante a Bolha Pontocom.

Indo para o reconhecimento dos investidores, essa variável está positivamente relacionada com retornos observados, mas negativamente com retornos esperados. A expectativa era que maior reconhecimento dos investidores estivesse relacionado com retornos esperados inferiores e também que aumento no reconhecimento resultasse em ganho de valor para a empresa (e, consequentemente, maior retorno observado nesse período). Ou seja, fatores não fundamentais podem ter um impacto positivo de curto prazo que se reverte no longo prazo.

Para analisar mais rigorosamente essas relações, os autores separaram as carteiras em termos de reconhecimento dos investidores e analisaram os retornos dessas carteiras. A diferença entre decil superior (as ações de empresas que mostraram maior aumento no reconhecimento dos investidores) e o decil inferior (as que receberam menos atenção) foi de 84 pontos percentuais no período de análise. Esse efeito econômico é aumentado com uma nova separação entre as ações entre baixo e alto risco idiossincrático (desvio-padrão do resíduo da regressão dos retornos), a diferença entre alto e baixo reconhecimento sendo maior no grupo de maior risco idiossincrático.

Logo, atenção dos investidores é importante, mas quanto esse fator explica sobre os retornos, principalmente na comparação com os fundamentos? Os autores realizam regressões múltiplas entre os retornos observados, reconhecimento dos investidores e notícias sobre fundamentos. Em separado, cada uma das variáveis explica por volta de um terço da variabilidade dos retornos, enquanto que em conjunto explicam por volta de 47%. Logo, os dois fatores são importantes para explicar os retornos das ações.

Isso vale para os retornos observados. A previsão dos autores para os retornos esperados (rendimento da relação Lucro/Preço) é a inversa, que os retornos esperados deveriam ser maiores para ações com maior nível de reconhecimento dos investidores. De fato, os decis inferiores de reconhecimento possuem maiores retornos esperados do que os decis superiores. A diferença é maior para o grupo com maior risco idiossincrático. Esses resultados mostram que empresas menos conhecidas são menos valorizadas pelos investidores, o que acaba resultando em uma avaliação menores, medida pelo múltiplo Preço/Lucro, por exemplo. Porém, não está claro se a maior familiaridade dos investidores com uma ação responde sozinha por toda essa diferença de retornos esperados ou se outros fatores (liquidez, por exemplo) também teriam poder explicativo.

Os autores passam então a examinar como o reconhecimento dos investidores afeta decisões corporativas como financiamento e investimento, ambas informações extraídas da Demonstração de Fluxo de Caixa. Os resultados mostram que as empresas que mais aumentaram o reconhecimento pelos investidores aumentaram o seu financiamento e posteriormente seus investimentos.

Voltando para a questão principal do artigo, o que move os preços, a conclusão dos autores é que a atenção do investidor impacta mais fortemente os preços no curto prazo, mas essas variações tendem a regredir à média e mais a longo prazo os fundamentos é que passam a determinar os movimentos de preços. Refazendo algumas análises, os autores determinaram que em intervalos mais curtos o r-quadrado da regressão com variáveis de reconhecimento dos investidores é maior, mas para intervalos mais longos as variáveis de fundamentos é que explicam mais sobre a variabilidade dos retornos. A análise de longo prazo combinando os dois grupos de variáveis possui um r-quadrado superior, indicando que há uma série de outras variáveis que afetam os retornos de curto prazo, ou seja, há muito ruído em intervalos mais curtos.

Em suma, tanto a atenção dos investidores quanto os fundamentos movem os preços, o foco maior do primeiro fator sendo no curto prazo e do segundo no longo prazo.

What Makes Stock Prices Move? Fundamentals vs. Investor Recognition
Scott Richardson, Richard Sloan e Haifeng You
Financial Analysts Journal. Volume 68. Nº 2. 2012.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Interações Sociais e Investimento em Ações

Já escrevi em outros textos do blog sobre os fatores determinantes da participação no mercado acionário. Capital Social é um desses fatores e outro artigo procura determinar especificamente se os investidores são influenciados por seus vizinhos.


O artigo NeighborsMatter (Vizinhos Importam, em português) de Brown, Ivkovic, Smith e Weisbenner publicado no Journal of Finance examina se a interação social influencia a decisão de investir em ações. Já sabemos que QI, preferências políticas e literacia financeira são fatores determinantes. A conexão do capital social e a participação no mercado acionário indica que a interação social é sim um fator determinante, mas é necessário examinar essa questão de maneira mais específica.

Os autores utilizaram dados de pagamento de impostos no período entre 1987 e 1996. O desafio era encontrar uma base que possa separar as pessoas em uma área geográfica que representem a proximidade das pessoas. Se a base mostrar apenas a cidade em que a pessoa mora, essa informação não é muito útil, já que pessoas da mesma cidade não necessariamente são próximas socialmente. Mas se for possível separar as pessoas por bairro as chances disso ocorrer são maiores. A base utilizada inclui informações a respeito do CEP do pagador de impostos e também a informação sobre se a pessoa é nativa no estado ou não, os autores só considerando os “nativos”. Outra característica para ser considerado nativo é residir na mesma Área Metropolitana Estatística (MSA) por todo o período da amostra.

Uma limitação da base utilizada é que ela não informa se a pessoa tem ações, e sim se recebe rendimentos tributáveis de ações. Assim, se a ação não paga dividendos ou se os rendimentos vão para contas protegidas, então não vai constar da base. Isso não é o ideal, mas os autores determinam que há uma correlação razoável (62%) entre a aproximação deles e os dados reais obtidos em outra base para medir a participação no mercado. Nessa definição, 25% das pessoas investem em ações.

A definição de comunidade é pessoas vivendo na mesma MSA. Essa definição é restrita o suficiente para termos alguma confiança de que medirá, mesmo que imperfeitamente, as interações sociais e permite a utilização de outras bases de dados que informem a área metropolitana de residência das pessoas.

A hipótese do estudo é a de que a participação no mercado acionário de uma pessoa é influenciada pela decisão tomada por pessoas de sua comunidade. O desafio é controlar por outras variáveis que influenciam a decisão de investir em ações além de eventuais efeitos comunitários. Para evitar problemas de correlação espúria, os autores procuraram isolar a influência de não-nativos sobre os nativos em um MSA a fim de identificar de maneira mais precisa o efeito das relações sociais.

Para isso, os autores recorrem a uma regressão em dois estágios, no primeiro criando uma variável instrumental. Aqui temos três variáveis, a chance de uma pessoa investir em ações (pelo que entendi), a proporção de pessoas de uma comunidade que investem em ações e essa proporção na comunidade de nascimento dos não nativos. A ideia é examinar a primeira variável (proporção individual), o instrumento sendo a terceira variável utilizada para estimar a segunda. O comportamento em outro MSA não deveria influenciar um indivíduo nativo de outro MSA exceto através de interações sociais. Além do mais, o comportamento dos outros estados é estimado em atraso (“lagged”), reduzindo a chance de efeitos simultâneos ocorrerem nos dois locais. É importante realizar essa análise para que um histórico em comum entre pessoas de uma mesma comunidade afetem os resultados. É provável que fatores não observados além da interação social influenciem o comportamento dos indivíduos de uma mesma localidade e essa é uma maneira de excluir o efeito desse background em comum.

No primeiro estágio da regressão, os autores determinam a proporção investida em uma comunidade em função do investimento médio do estado de origem dos não-nativos. No segundo estágio, essa variável é incluída na regressão que estima a proporção investida em ações pelos indivíduos.

O resultado da segunda regressão mostra que o comportamento da comunidade em função dos não-nativos influencia o comportamento dos nativos. Dessa forma, é possível imaginar que uma pessoa seja influenciada através da interação com pessoas com ideias diferentes das suas.

Para melhor examinar essa questão, os autores incluem uma variável sobre o capital social da base de dados DDB Life Style Data. A pergunta utilizada foi se a pessoa pede conselhos para membros da comunidade, a média do MSA sendo empregada no modelo dos autores. A interação da proporção de pessoas de uma comunidade que investem em ações e essa pergunta é positiva e significativa, o que indica que há um efeito boca-a-boca na medida em que a proporção aumenta quanto mais forte é a interação social em uma comunidade.

Na parte da significância econômica, o aumento em 10 pontos porcentuais na posse de ações pela comunidade aumenta em 4 pontos porcentuais a chance de um dado investidor aplicar em ações, tudo o mais constante. Esse corte de 10 pontos porcentuais representa sair do 25% percentil para o 75% percentil na posse de ações. Os autores estimam qual é o impacto da decisão dos pais investirem ou não em ações, determinando que esse efeito é da ordem de 3,6 pontos porcentuais. Ou seja, um aumento em 10 pontos porcentuais na posse de ações pela comunidade é comparável com a influência dos pais.

Em suma, ficou determinado que há uma externalidade positiva do investimento em ações entre membros de uma comunidade. Aqui, a aproximação foi uma área geográfica grande, mas é de se imaginar que em grupos menores (colegas de trabalho, amigos, parentes etc.) esse efeito deva existir, só sendo mais difícil de examinar empiricamente.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Há 40 anos...

Vanguard

O Journal of Portfolio Management lançou uma edição especial de aniversário de 40 anos. Uma feliz quase coincidência é que também há 40 anos foi criada a empresa de fundos de investimento Vanguard de John Bogle, como ele mesmo aponta em um dos artigos.


Disse que é uma quase coincidência porque o próprio Bogle aponta um dos artigos publicados na primeira edição da revista como uma fonte de inspiração. Trata-se do Challenge do Judgment de Paul Samuelson, um curto artigo no qual o prêmio Nobel de 1970 chega ao veredicto de que “desempenho superior em investimentos não está provado”. Samuelson não nega que existam gestores de desempenho superior, mas no abstract (que, até alguns anos atrás, era um parágrafo logo abaixo do título, mas que aboliram em tempos recentes, infelizmente) afirma que eles se escondem muito bem. Além disso, afirma que os “fatos brutos” não mostram evidência de que existam de maneira consistente.

A consequência disso, segundo Samuelson, é que a indústria de gestão estava atraindo recursos demais (em especial, recursos humanos) e que ao menos as grandes fundações deveriam investir em uma carteira que seguisse o S&P 500. Essa não era uma prática em voga e não havia nenhum produto de investimento que seguisse essa linha. E foi esse o ponto que chamou a atenção de Bogle e o inspirou a criar a Vanguard. Ou seja, alguém poderia imaginar que a Hipótese de Mercados Eficientes (que já estava em circulação em 1974) era a inspiração de Bogle, ou que era o CAPM, mas a verdade é que a grande “musa” de Bogle foi Paul Samuelson, citado várias vezes ao longo do artigo (diferente de Fama ou Sharpe). Na verdade, mesmo em um mercado ineficiente a gestão passiva teria um imenso valor, dada a Aritmética da Gestão Ativa e a Hipótese de que custos importam. Bogle até trata com certa ironia a HME, dizendo que a sua abordagem é muito mais pragmática e simples.

São dois temas comuns dos trabalhos de Bogle, em especial na própria JPM, um deles a gestão passiva e outra a estrutura da indústria de fundos (tema de sua tese de graduação). Nesse segundo ponto, a Vanguard foi pioneira também ao focar nos custos e eliminando taxas de carregamento, que eram comuns na época e hoje estão bem menores e menos frequentes. A filosofia de Bogle era a de colocar o interesse do cotista (ou acionista, como se fala nos Estados Unidos) do fundo em primeiro lugar, o que inclui a eliminação de custos. A estratégia de Bogle era oferecer o primeiro fundo indexado da história ao menor custo possível (0,05% hoje em dia com investimento inicial de US$ 10 mil e adicional mínimo de US$ 100, sendo essa a coisa que mais invejo nos americanos, ter acesso a esse fundo).

No artigo, Bogle conta a história da criação da Vanguard em 1974 como cisão da empresa que ele dirigia, a Wellington, e o lançamento do primeiro fundo indexado no ano seguinte, o (Vanguard) First Index Investment Trust. Não foi uma trajetória fácil, já que ele encontrou diversos obstáculos e até acusação de ser antipatriótico. Analisa também a sua alegação de que foi realmente o primeiro fundo indexado (spoiler: sim, foi). E demoraria uma década para que o segundo fosse lançado e hoje temos uma série de fundos indexados e até ETFs. O artigo aborda outros temas, basicamente uma revisão de todos os artigos publicados por Bogle na JPM, mas considero a criação da Vanguard o principal.

Considero John Bogle a pessoa mais importante de investimentos (teoria e prática) do século XX ao criar um excelente e barato produto de investimento que basicamente é a única coisa que qualquer investidor precisa ter ao investir em ações (não significa que todo mundo deveria investir apenas em um fundo indexado, mas que fazer isso já é suficiente para a maioria das pessoas). Como Paul Samuelson comparou, a invenção do fundo indexado é o equivalente à imprensa de Gutenberg para os investimentos, criando um produto valioso a um baixíssimo custo.

John Bogle
Journal of Portfolio Management – 40 years. 2014

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Smart Beta

Smart Beta é um tema que foi abordado em um texto anterior do blog, mas de maneira insatisfatória. Nesse texto, aprofundo a discussão com um artigo de Burton Malkiel publicado no Journal of Portfolio Management.


Primeiro de tudo, uma tentativa de definição de Smart Beta, não havendo uma conceituação consensual. Smart Beta é uma estratégia que procura combinar gestão passiva com gestão ativa. Assim como a gestão passiva e diferente da ativa, procura manter uma carteira bem diversificada. Porém, não procura replicar o desempenho do mercado, e sim enviesar (tilt) a carteira para algum fator, como Valor, Tamanho, Momento ou outro, baseado em estudos a respeito do desempenho desses fatores. Assim, é uma estratégia que busca retornos beta, mas não meramente seguindo o mercado, procurando na verdade superá-lo, assim como a gestão ativa, mas sem adotar uma carteira concentrada.

As bases teóricas são os diversos estudos apontando “anomalias” de mercado, que na verdade são anomalias do CAPM, como as apontadas no parágrafo anterior. Um argumento muito utilizado é que uma carteira ponderada por valor de mercado irá muito frequentemente estar comprada em ações caras, na medida em que essas ações podem ter subido de preço, se tornado caras e ganharam mais participação na carteira de mercado. Malkiel rejeita o argumento de que com isso a estratégia Smart Beta ganharia à custa da gestão passiva. Como nos mostra a Aritmética da Gestão Ativa, a gestão passiva recebe os ganhos de mercado. Se alguém obtém retornos superiores, é à custa de outro gestor ativo, não daqueles que indexam as suas carteiras.

Estratégias que balizam uma carteira Smart Beta parecem atraentes se você segue um modelo como o CAPM, ao invés do Modelo de Três Fatores. Essas estratégias parecem que superam o mercado analisando apenas o risco como a covariância com os retornos do mercado, mas quando você considera outros fatores de risco essa vantagem pode desaparecer. Todo entusiasta do Smart Beta deveria se perguntar se esse fator é realmente uma anomalia ou se simplesmente corre mais de um risco que é precificado pelo mercado e que, portanto, não garante retorno anormal (ou alfa).

Dessa forma, carteiras Smart Beta podem estar assumindo mais risco sem saberem disso. Outro ponto a ser levantado é que essas carteiras podem necessitar de muito rebalanceamento. De um trimestre para outro, uma ação pode deixar os decis inferiores de valor (relação Valor Patrimonial/Preço) ou momento e deixar de serem elegíveis para a estratégia, o que exige a venda dessas ações e a compra de outras. Seguir uma estratégia Tamanho é cara, pois há mais custos de transações implícitos envolvendo ações de baixa capitalização. Outro problema é que a própria popularização dos fundos Smart Beta podem resultar na perda de sua eficácia, na medida em que muitos investidores explorando uma anomalia fazem com que ela desapareça (se é que ela existiu para começar).

E o desempenho histórico, apesar da pequena janela de tempo, não é muito favorável. Malkiel não mostrou tantos dados a esse respeito, mas cita diversos casos em que o fundo Smart Beta não superou o mercado, ou superou por apenas algum tempo, ou assumiu enormes riscos (como ter 15% da carteira em Citigroup e Bank of America em 2009). Malkiel afirma (mas não comprova) que o maior fundo Smart Beta (RAFI Fundamental Index) superou o mercado (por conta de ter investido nos bancos em 2009), mas analisando os retornos com o modelo Fama-French o alfa é nulo.

Malkiel conclui afirmando que, por enquanto, Smart Beta é muito marketing e pouco resultado. Alguns fundos obtiveram bons resultados, que podem ser apenas compensação por assumir mais risco. De fato, muitos fundos são mais arriscados do que o mercado, apesar de promessas em contrário, de forma que não passam no teste de segurança.

Malkiel mantém a sugestão que vem fornecendo desde sempre, a de investir em uma carteira bem diversificada, de baixo custo e que siga o mercado. O mercado pode cometer erros, mas continua sendo muito difícil superá-lo e estratégias Smart Beta não mudam isso.

A minha opinião é a de que Smart Beta deveria ser usado muito menos para superar o mercado, e sim para adaptar a sua carteira de investimentos ao seu perfil de investidor. No artigo, Malkiel compara Smart Beta com um prato de comida, com diversos sabores (fatores) que podem ser adicionados. Eu comparo com um sorvete. Temos o sabor baunilha, que são os fundos indexados (aliás, em inglês usa-se o termo vanilla para produtos padronizados desse tipo). Você pode adicionar outros sabores ou mesmo toppings ao seu sorvete para adequá-lo ao seu gosto, e essas adições podem ser fundos Smart Beta.

O que ainda resta ser feito em Finanças é determinar com mais clareza quais riscos estão envolvidos em empresas de valor ou de baixa capitalização de mercado. Um fundo que procurasse investir em ações pouco líquidas está correndo risco de liquidez, se beneficiando quando a liquidez é alta, perdendo quando a liquidez é alta. O risco de crédito funciona de maneira parecida, sendo ótimo quando a situação econômica está calma, mas péssimo para a carteira em crises. Acho que é por isso que muitos ativos parecem ser pouco correlacionados em geral, mas caem todos juntos durante crises. Esses ativos se beneficiam de modos diferentes da calmaria, mas todos são afetados pela crise, quando a liquidez seca, a economia vai mal e o risco de crédito aumenta.

Enfim, se pudéssemos saber melhor como cada fator de risco se comporta, seria possível correr mais riscos que o investidor queira correr para tentar aumentar os riscos de sua carteira. A ideia aqui não é superar o mercado, gerar alfa, e sim assumir riscos diferentes que o investidor esteja disposto a assumir. Essa, na minha opinião, deveria ser a filosofia do Smart Beta.

Is Smart Beta Really Smart?
Burton Malkiel.
Journal of Portfolio Management. JPM 40. 2014

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

CDB com amortização

Um banco passou a oferecer um CDB com uma “mesada”, que é uma amortização do valor principal do certificado.

Essa é uma variante do CDB com juros mensais, prometendo pagar 4% do valor principal todo mês pelo prazo do certificado, que é 25 meses. Todos os juros serão pagos ao final à alíquota de 15%. A escolha de 25 meses ao invés de 24 meses é boa, pois assegura que a alíquota será de 15%. A contagem de datas para definição de alíquota é em termos de dias corridos (720 para a menor alíquota), e me parece que definir 24 meses corria o risco de cair na alíquota de 17,5%. Independente disso, 4% de R$ 10 mil é muito melhor do que 4,16666% (1/24).

Um dos problemas do CDB com juros mensais é que diversos juros são pagos a alíquotas mais elevadas começando em 22,5%. O novo produto remedia isso, já que o único fluxo de caixa tributável é o pagamento dos juros no vencimento do título.

O CDB de amortizações mensais trabalha com outra taxa, mas vamos utilizar 1% para podermos comparar com o CDB com juros mensais e facilitar as contas. A tabela abaixo mostra os principais dados do produto, se bem o compreendi.

O funcionamento parece bem simples. Primeiro incidem os juros sobre o valor investido e depois há a amortização. No final, o novo valor investido é o valor anterior, menos amortização, mais juros. No vencimento, o único valor que sobra é o dos juros acumulados, que sofrem tributação de 15%, por isso último fluxo de caixa não é R$ 1.927,04.

A Taxa Interna de Retorno é de 0,868% a.m., contra 0,864% de um CDB tradicional, ou seja, economicamente não há diferença significativa. Toda diferença se dá por conta do imposto de renda, não fosse isso ambos teriam TIR de 1%. Para o CDB com amortização mensal, os juros acumulados são menores e o pagamento de imposto também é menor e me parece que é isso que faz a diferença, mas o retorno adicional é muito pequeno mesmo aumentando o prazo do título. Se a taxa de juros aumentar essa diferença pode se expandir, mas é necessária uma considerável elevação nos juros para isso começar a ser relevante.

Reaplicação da amortização
O problema do CDB com amortização mensal é a incerteza quanto à reaplicação das amortizações. Se for possível reaplicar as amortizações no mesmo produto, à mesma taxa de juros, o resultado final antes de imposto de renda é o mesmo. De fato, com R$ 250 mil, a amortização é de R$ 10 mil, que é a aplicação mínima no produto, então é possível reaplicar no mesmo produto, só não se sabe se com a mesma taxa. Porém, aqui o resultado final é diferente por causa do imposto de renda, agora contra a amortização mensal.

R$ 250 mil investidos em um CDB tradicional resultam em R$ 310.016,80 após imposto de renda de 15%. Supondo que seja possível resgatar antecipadamente o CDB com amortização, esse valor é menor porque alguns dos CDBs frutos de reaplicações estão com alíquota superior a 15%. Na verdade, pelo que entendi, o resgate antecipado implica a perda dos juros no produto oferecido. Em todo caso, o CDB com amortização não tem os mesmos resultados do que um CDB tradicional ao reaplicar as amortizações.

Capital x Renda
Mas não faz sentido algum reaplicar as amortizações. Ou você investe no produto para se aproveitar da (pequeníssima) vantagem tributária ou você aplica para receber a amortização como uma forma de renda.

E é exatamente esse o efeito do produto, transformar capital em renda. O produto é adequado se essa é a intenção do investidor, uma vez que gera renda de uma maneira tributariamente eficiente. O investidor poderia fazer a mesma geração de renda aplicando em um fundo de investimento que rendesse a mesma taxa (suponha que isso seja possível) e ir resgatando os juros e uma parte do principal todo mês. Porém, o resgate dos juros será realizado com alíquotas de imposto de renda maiores e o pagamento do tributo ocorre mais cedo, exatamente os problemas do CDB com juros mensais. Dessa forma, o CDB com amortização mensal pode transformar capital em renda de maneira tributariamente eficiente.

Porém, se o objetivo do investidor for exatamente o contrário, transformar renda em capital, deveria preferir um CDB tradicional. A pequena vantagem tributária que pode gerar não compensa a incerteza quanto à reaplicação, fora a tentação de gastar o dinheiro que era para ser poupado. Dessa forma, o investidor que ainda está em fase de acumulação de recursos não deveria aplicar no CDB com amortização mensal.

No final das contas, o CDB com amortização mensal não é um produto ruim, diferente do CDB com juros mensais, mas só faz sentido aplicar no produto se o investidor estiver interessado em transformar capital em renda.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Jean Tirole

The Theory of Corporate Finance

O prêmio Nobel de Economia de 2014 foi para Jean Tirole por “sua análise do poder de mercado e regulação”.



Não estou nada familiarizado com o trabalho de Tirole, principalmente na área que lhe valeu o prêmio. Márcio Laurini do Raciocínios Espúrios indicou um artigo sobre softwares open source. O único contato com o trabalho de Tirole que eu tenho é com o livro The Theory of Corporate Finance, que vou comentar brevemente nesse texto.


Os livros de Finanças Corporativas geralmente são organizados por temas, seguindo a classificação básica de Projetos de Investimento, Estrutura de Capital e Política de Dividendos, com capítulos introdutórios abordando tópicos como mercado financeiro e tipos de organização. Os dois primeiros capítulos do livro de Tirole são sobre Governança Corporativa e instrumentos de financiamento corporativo, incluindo o primeiro teorema de Miller-Modigliani.

O terceiro capítulo é bastante importante, pois delineia o modelo de financiamento corporativo sob condições de informação assimétrica e custos de agência que será utilizado ao longo do livro. Ao invés de explicar um modelo para cada assunto a ser abordado ao longo dos capítulos, Tirole procurou criar um modelo que pudesse ser utilizado em diversas situações, com algumas adaptações pontuais. A grande inovação do livro é organizar os capítulos através de tópicos teóricos e não áreas temáticas aplicadas (como as mencionadas no parágrafo anterior). Aliás, como o próprio nome diz, esse é um livro teórico com menos ênfase nas evidências empíricas, menos até do que outros livros.

Observando o nome dos capítulos, verifica-se que a maior parte dos tópicos do livro são relativos a Estrutura de Capital, com os demais pontos estando diluídos ao longo dos capítulos. Foca bastante em questões de governança corporativa e informação assimétrica e aborda tópicos diferentes como teoria da escolha do consumidor e tópicos mais comuns em livros do assunto como fusões e aquisições.

Esse não é um livro tradicional de Finanças Corporativas e pode ser um bom complemento para quem já leu um desses (Brealey, Meyers, Marcus; Damodaran; Gitman, Ross, Westerfield, Jaffe etc.). Porém, é um livro de nível bem mais avançado, entre mestrado e doutorado, então é só para quem tem muito interesse no assunto. 

Juros sobre capital próprio x Dividendos

No Brasil, juros sobre capital próprio (JSCP) é uma maneira alternativa a distribuir resultados, semelhante a dividendos nessa função, mas com diferenças importantes.


Dividendos são isentos de tributação para o investidor, na medida em que o lucro da empresa, origem dos dividendos, já havia sido tributado pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica e cobrar imposto também do investidor configuraria dupla tributação. JSCP, por outro lado, estão sujeitos à cobrança de imposto de renda de 15% exceto para pessoas isentas. JSCP funciona como uma despesa financeira contabilmente, reduzindo o lucro tributável e assim na prática isentando a empresa da tributação. Por força da lei 9.249/95, o valor da dedução de imposto por conta da distribuição de juros sobre capital próprio não pode ultrapassar a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) aplicada ao patrimônio líquido deduzido de reservas de reavaliação. A distribuição de JSCP está condicionada à existência de lucro e à existência de lucros acumulados pelo menos duas vezes superior ao valor do JSCP. (Dito de outra forma, JSCP deve ser no máximo metade do lucro ou dos lucros acumulados).

JSCP parece ser muito mais vantajoso do que dividendos, até porque nem todos os investidores estão sujeitos à tributação do JSCP (algo a ser analisado mais para frente). Tirando a questão dos limites, as empresas deveriam pagar o máximo de JSCP em detrimento dos dividendos. A questão passa a ser: como as empresas tomam a decisão de política de dividendos a partir dessa situação? Um artigo publicado no Journal of Corporate Finance analisa essa questão.

O estudo tem três hipóteses:

1) A probabilidade de que uma empresa pague JSCP está positivamente relacionada com a lucratividade e a razão de distribuição de dividendos.

2) A probabilidade se reduz quanto mais instrumentos para reduzir o pagamento de impostos (NETS, na terminologia dos autores) a empresa dispor.

3) A probabilidade aumenta com o aumento na adoção voluntária a padrões mais elevados de transparência e proteção do investidor.

Os autores analisaram o período 1996 (quando a figura do JSCP foi criada) e 2007. Foram excluídas as empresas que não pagaram nem dividendos, nem JSCP. Excluem também empresas que não são elegíveis a pagar JSCP, como as que têm prejuízo líquido, patrimônio líquido negativo, prejuízo operacional ou sem reserva de lucros acumulados. A amostra é composta por 286 empresas e 1.427 observações ano-empresa.

É importante descrever a variável NETS antes de seguir com a explicação. NETS é dado por:

NETS = Lucro Operacional – JSCP – T/Tc

Tc é a alíquota marginal de imposto de renda e T o quanto a empresa efetivamente paga em impostos. Se a empresa pagou pouco imposto de renda, significa que se valeu de muitos instrumentos de redução da tributação além do JSCP e o NETS é alto. Se pagou muito, então basicamente qualquer redução no imposto de renda se deveu ao JSCP.  A variável NETS é dividida pela receita para possibilitar a comparação.

Observando as estatísticas descritivas, nota-se que as empresas mais lucrativas pagam mais JSCP, têm mais depreciação e despesas financeiras (que reduzem o imposto de renda pago) e estão em níveis diferenciados de Governança (Novo Mercado, Nível 1 e Nível 2), embora esse último resultado não seja estatisticamente significativo. São indícios de que as hipóteses estão certas, mas são necessárias análises mais profundas para confirmar esses resultados. Adicionalmente, as estatísticas descritivas mostram que as empresas que pagam mais JSCP são maiores, possuem mais oportunidades de crescimento e base acionária mais dispersa.

Os autores realizaram uma análise Probit para determinar a probabilidade de uma empresa pagar JSCP. O importante aqui é analisar os controles utilizados e quais deles afetam essa probabilidade. Os resultados confirmam que empresas mais lucrativas são mais propensas a pagar JSCP, corroborando a hipótese 1. A relação entre NETS/receita e a probabilidade é negativa, corroborando a hipótese 2. Estar listada em um dos segmentos de governança diferenciada não influencia de maneira significativa a probabilidade de distribuir JSCP, refutando a hipótese 3. Das variáveis restantes, tamanho influencia positivamente, assim como o fato da empresa ter um fundo de pensão como principal acionista, o que talvez indique que esses investidores possam influenciar a política de dividendos da empresa (hipótese levantada, mas não estudada nesse artigo).

Um modelo alternativo é o Tobit, que analisa a proporção de JSCP nas distribuições de caixa ao acionista. Aqui, o único resultado diferente do Probit é que a governança se mostrou significativa, em especial do ponto de vista econômico, essa variável aumentando entre 29% e 35% o pagamento de JSCP. Ou seja, boa governança pode não influenciar se a empresa vai pagar JSCP, mas pode aumentar o seu pagamento nos casos em que isso ocorre.

A próxima análise é a respeito de mudanças na política de dividendos. Agora, a probabilidade em estudo é a de uma empresa que um ano antes só pagava dividendos passar a pagar também JSCP. O foco aqui é em mudança, inclusive nas variáveis independentes, que constam do modelo como variação (de lucratividade, de pagamento de proventos em dinheiro etc.) ao invés de valor absoluto. Empresas que aumentam a lucratividade e a razão de distribuição de proventos se mostraram mais propensas a pagar JSCP. NETS crescente, por outro lado, reduz a probabilidade da empresa começar a pagar JSCP. Aumento na depreciação aumenta a chance de pagar JSCP, o que os autores interpretam como resultado no aumento dos investimentos e a necessidade de gerenciar mais eficientemente o caixa.

Analisando a situação oposta (empresa que paga JSCP e passa a pagar apenas dividendos), mudanças na lucratividade não se mostram muito significativa, mas aumento no NETS aumenta a chance da empresa só pagar dividendos, o que reforça que o grande atrativo do JSCP é realmente a vantagem fiscal.

A análise seguinte se refere à reação do mercado com mudanças na política de dividendos. E aqui os resultados são surpreendentes, com o mercado reagindo mais positivamente (com altas maiores) a anúncios de distribuição de dividendos em relação a anúncios de JSCP. Os autores não falam isso, mas talvez os investidores valorizem mais a isenção fiscal para eles do que para a empresa.

Em resumo, empresas mais lucrativas, que pagam mais proventos em dinheiro e que dispõem de menos meios de obter isenções fiscais são mais propensas a pagar JSCP. Um grande número de empresas ainda não pagam JSCP, talvez por receio da reação do mercado, que favorece mais o anúncio de pagamento de dividendos do que de JSCP.

Barriga de Aluguel
Uma operação que procurava arbitrar a isenção de imposto de renda sobre JSCP para alguns investidores era chamada de “barriga de aluguel”. Um fundo de investimento (isento de IR) alugava as ações de um investidor pessoa física (sujeito a IR), recebia o JSCP e pagava ao investidor original o valor já deduzido de IR, ficando com a diferença. Leia essa reportagem do Valor Econômico para ver um caso real e público.

Com a popularização dessa operação, o governo se apressou para fechar a brecha fiscal. Na MP nº 651/2014, no artigo 8º, estabelece-se a cobrança de imposto à alíquota de 15% sobre o JSCP recebido por um tomador imune tomando emprestado de um doador sujeito ao IR. Dessa forma, a operação descrita acima não é mais possível. Se o doador também é imune, não há a cobrança de imposto de renda, mas também não havia oportunidade de arbitragem.

A minha pergunta é: como demorou 18 anos para essa mudança ocorrer? Ninguém tinha pensado nisso antes? Ou tinha, fazia a operação e não dava publicidade? De todo modo, a brecha foi fechada.

Payout policy in Brazil: Dividends versus interest on equity
Thomas J. Boulton, Marcus V. Braga-Alves e Kuldeep Shastric
Journal of Corporate Finance. Volume 18. Ed. 4. 2012