quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

QI e participação no mercado acionário

Mark Grinblatt, Matt Kelohaju e Juhani Linnainmaa
Journal of Finance. Volume 66. Ed. 6. 2011

Aproximadamente 50% dos americanos investem em ações direta ou indiretamente (através de fundos), na Europa esse percentual, segundo Guiso et. al. (2008), variando entre 5,4% na Espanha e 66,2% na Suécia (desconheço as estatísticas para o mercado brasileiro). Algumas participações elevadas, mas, segundo Arrow (1965), esse número deveria ser de 100%, com algumas pessoas investindo mais e outras menos de acordo com sua aversão ao risco. Mesmo quem tem dinheiro evita exposição em ações, de forma que esse não é o único fator limitante. O artigo procura analisar os fatores que determinam a decisão de investir em ações, focando em habilidades cognitivas (QI).

A pesquisa dos autores foi realizada na Finlândia. O QI é medido através de testes realizados durante o alistamento militar, a amostra consiste apenas de homens que moram em Uusimaa, há dados sobre a participação direta ou indireta das pessoas em fundos originados dos registros de impostos e são consideradas diversas variáveis socioeconômicas como renda e estado civil quando do ano 2000 para cada pessoa, apenas a educação sendo medida ao nível regional (a escolaridade média das pessoas de mesma idade morando na mesma região). Me parece uma base de dados até excessivamente detalhada e acho surpreendente que haja tantos dados pessoais divulgados publicamente.

Separando a amostra em dois grupos (os que participam e os que não participam do mercado), o QI dos que participam é maior, assim como o porcentual de pessoas com maior escolaridade e a renda. Separando em nove grupos (Padrão Nove) de QI, a participação no mercado cresce de forma monótona com o QI. Salário, renda (rendas além do salário) e maior nível de escolaridade também possuem essa relação com o QI, de forma que uma análise multivariada deve ser feita para considerar todas essas variáveis.

Em regressões do tipo Probit, os autores analisaram a probabilidade de uma pessoa participar do mercado com base no QI e nas variáveis de controle. Indo do grupo de menor QI ao de maior, a probabilidade de participação vai aumentando de forma monótona, os com menor QI tendo 20,5% menos chance de investir em ações por conta apenas especificamente do QI. As variáveis de controle seguem o mesmo padrão das análises univariadas, com maior escolaridade, maior salário e maior renda aumentando as chances de investir. Os resultados se mantêm se for utilizado o QI como uma variável discreta, e não como dummies que classifique em grupos.

O QI possui um efeito marginal maior do que o dessas outras variáveis, o que é interessante já que o QI foi medido alguns anos antes da data da pesquisa enquanto que as outras variáveis são mais contemporâneas. Queda de um nível de QI produz o mesmo impacto na probabilidade de investir do que uma queda de 10 mil euros na renda total. Outros dados interessantes são que empreendedores e pais são menos propensos a investir em ações (no caso dos empreendedores, desconsiderando as ações da própria empresa). Profissionais de finanças, não surpreendentemente, são muito mais propensos a investir.

Separando por tipos de habilidades medidas nos testes, a habilidade matemática é a que mais contribui para a probabilidade de investir, mas as demais (verbal e lógica) também possuem influenciam. Os resultados são robustos a mudanças na metodologia, como medir a participação em outros anos, excluir ações da Nokia (que representa grande parte do mercado na época) e agregando o QI da mesma forma que foi feita com a escolaridade. O teste mais interessante é considerar que algumas pessoas podem receber ações como forma de remuneração variável, essa questão sendo controlada analisando apenas a participação via fundos, ter ações de mais de uma empresa ou comprar ações com dinheiro, os resultados sendo consistentes com os anteriores.

Um dos motivos para as pessoas não investirem em ações são os custos, que são mais pesos (proporcionalmente falando) para pessoas de menor renda. Porém, mesmo aqueles com mais dinheiro deixam de investir em ações. A próxima análise foca nos indivíduos de mais ricos (decil superior de salário ou de renda, em análises separadas) e examina se o QI é um fator que explica a participação também nesse grupo específico. Isso também evita problemas que poderiam surgir quando (ou se) pessoas de menor renda também tiverem menores habilidades cognitivas. Os resultados mostram que a participação aumenta para grupos de maior QI, embora esse aumento não se dê de maneira perfeitamente monótona como ocorria anteriormente. O efeito marginal do QI medido como variável discreta é parecido com o da análise considerando toda a amostra. Ou seja, renda não é o único empecilho para investir em ações, habilidades cognitivas desempenhando papel importante.

Os autores decompõem o efeito do QI nas outras variáveis. Como é de se esperar, QI afeta o nível educacional, o salário e a renda e o efeito secundário do QI explica boa parte da diferença de participações entre indivíduos com maior e menor QI. Mas há parcela ainda considerável da diferença que não é explicada pelo efeito secundário, O QI em si mesmo ainda tendo impacto significativo (conclusão minha, não dos autores). Foram feitas análises com as irmãs identificadas dos participantes da amostra, atribuindo o QI do irmão e mudando as demais variáveis, os resultados sendo parecidos, de forma que o QI também afeta a decisão de participação das mulheres. Há uma certa consistência de QIs dentro da família, o impacto do QI na participação sendo parecido comparando pares de irmãos. A possibilidade de comparar irmãos também permite examinar melhor o efeito do QI, diferenças de QI entre os irmãos não explicáveis pelos outros controles não invalidando os resultados (ou seja, variáveis omitidas ligadas ao QI não explicam a relação analisada). Outros fatores familiares que afetam o QI de uma pessoa, mas não estão presentes no controle, também não mudam o fato de haver um efeito do próprio QI na decisão de investimento.

Por fim, os autores examinam a relação entre QI e desempenho da carteira em quatro análises. Primeiro, tratam do índice de Sharpe, havendo relação positiva entre o índice e o QI após controlar pelas mesmas variáveis que vinham sendo empregadas. Isso se dá principalmente pela relação negativa entre QI e variância da carteira (segunda análise), por conta da diversificação (número de ações ou o fato da pessoa investir em fundos) crescente com o QI (terceira análise). Há ainda a tendência de investidores de baixo QI aplicarem em ações grandes com elevada relação Preço/Valor Patrimonial e com elevado beta, o que, segundo os autores, afeta negativamente o índice de Sharpe. Dessa forma, investidores com baixas habilidades cognitivas acabaram tendo uma relação risco-retorno desfavorável, o que pode explicar a baixa participação: ou esses investidores ficaram descontentes com suas carteiras ou com o mercado e abandonaram o mercado ou já esperam que isso aconteça e nem entram.

O artigo é uma importante contribuição para o exame da decisão de investimentos, especificamente na escolha por participar do mercado acionário direta ou indiretamente, ao identificar uma variável, o QI, que está positivamente relacionada com a propensão a investir em ações. Esse resultado é bastante desanimador do ponto de vista da distribuição de renda, já que as habilidades cognitivas, além de estarem relacionadas com educação e, consequentemente, com renda, influenciam a decisão de poupar (hipótese minha) e de investir em ações (e talvez obter maior taxa de retorno do que se investisse em renda fixa). De todo modo, ajuda a entender porque algumas pessoas não investem em ações, mas pouco diz sobre como mudar isso. Não acho complicado investir em ações, dedicar uma parte, mesmo que pequena, do patrimônio para investir em ações e aplicando em um fundo indexado ao Ibovespa sendo uma estratégia simples e eficaz. Mas se já é difícil convencer as pessoas a poupar, o que dizer de incentivar a tomada de riscos.

PS: Por um incrível lapso de minha parte, não havia índice acionário da Finlândia em minha base, mas há dados disponíveis. Corrigirei isso com a inclusão do OMX Helsinki 25.

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