Em artigo publicado no American Economic Review em 2004, três economistas, dentre eles Luigi Zingales, examinaram a relação entre capital social e o desenvolvimento financeiro em uma região.
Capital social é definido como as vantagens e
benefícios auferidos pela adesão a uma comunidade e é um recurso que emerge das
ligações sociais. Em especial para os autores, está relacionado ao nível de
confiança prevalecente em uma comunidade. A tese é a de que um alto nível de
confiança produz uma série de benefícios sociais e econômicos. Isso deve se
refletir também no mercado financeiro, que no final das contas são contratos
intensivos em confiança, já que são a troca de um valor presente pela promessa
de um valor futuro.
Nos modelos de análise, o capital social é medido
através da participação nas eleições e da doação de sangue. Na Itália, o voto é
obrigatório, exceto em referendos, e os autores usam a participação eleitoral
em referendos como variável. O estudo é feito na Itália, não só porque os
autores do estudo são italianos, mas também pela disponibilidade de dados
microeconômicos.
Em uma base de dados socioeconômicos, foram
retirados vários dados relativos ao comportamento financeiro, como o acesso ao
crédito, alocação da carteira de investimento e dados demográficos dos
domicílios italianos. A base de dados inclui a diferenciação entre não querer e
não conseguir empréstimos e inclui ainda crédito informal.
Indo para as análises, a primeira diz respeito ao
uso de cheques, utilizando as duas medidas de capital social como principal
variável independente de interesse e uma série de controles, como eficiência
judiciária, PIB per capita e variáveis demográficas. A análise compara região
com região, agregando os dados e depois utilizando cada região como uma
observação. O resultado é que o uso de
cheques está positivamente relacionado com o nível de capital social, para
qualquer das medidas utilizadas. Em regiões onde o nível de capital social é
maior há mais uso de cheques. Ir do local com menor capital social para o local
com maior aumenta em 17% a probabilidade de se usar cheque, o que representa
por volta de um terço da média da amostra (Os indicadores de significância
econômica citados ao longo deste texto são referentes ao uso da participação
eleitoral como variável de capital social). Um importante controle foi o nível
de confiança, medido por uma pesquisa que tem como uma das questões se a pessoa
confia em seus compatriotas. Mesmo controlando por esse fator o efeito do
capital social é estatisticamente significativo, mas reduz o efeito econômico
do capital social, mostrando que os dois temas estão relacionados, embora não
se excluam. O nível de confiança também aumenta o uso de cheques.
A próxima variável dependente de interesse é a
quantidade de dinheiro vivo mantido pelo domicílio. Os resultados indicam que
há uma relação negativa entre capital
social e dinheiro em caixa. Um aumento em um desvio-padrão no nível de
capital social na região (por volta de 7%) reduz em um terço a quantia mantida
em dinheiro vivo. Saindo da região com menor para a região com maior capital
social, há uma redução em 27% na quantia mantida em liquidez.
Quanto ao investimento em ações, a relação com o nível de capital social e
confiança é positiva. Ir da região com menor para a de maior capital
social, a proporção investida em ações aumenta 52 pontos percentuais (!!). Com
os dados disponíveis, foi possível inclusive utilizar como controle a aversão a
risco estimada e incluir essa variável não comprometeu os resultados.
Incorporar preocupações com relação a renda e emprego também não mudam de
maneira drástica os resultados da análise, embora essas preocupações também
estejam relacionadas com o investimento em ações.
A próxima análise diz respeito ao crédito.
Condicionado à procura por crédito, há
uma relação negativa entre capital social e ter um pedido de crédito rejeitado
ou desistir no meio do caminho. O efeito econômico me parece menor, o
aumento em um desvio-padrão no nível do capital social reduz em 0,47% a chance
de ter o crédito recusado. Ir da área de menor para a de maior capital social
reduz em 2 pontos percentuais a chance de ter crédito recusado. Os resultados
se mantém mesmo controlando por outros fatores relacionados com desenvolvimento
financeiro.
Em locais onde o capital social é mais baixo a probabilidade de empréstimos informais
entre amigos e familiares aumenta. Ir da região de menor para a de maior
capital social reduz em 3 pontos percentuais a chance de haver empréstimos
informais, o que equivale à média da amostra.
Até aqui, ficou estabelecido que um maior capital
social em uma região está relacionado com o desenvolvimento financeiro, com
maior uso de cheques e de investimento em ações e menor investimento em caixa e
rejeição de crédito. A próxima etapa é descobri quais são as situações onde o
efeito do capital social é maior, separando a amostra em dois grupos. A
primeira divisão diz respeito à eficiência jurídica. Nos locais onde a justiça é mais lenta (demora
mais para haver uma decisão de primeira instância), os efeitos notados acima
são maiores e em alguns casos o efeito do capital social nos locais onde a
justiça é mais eficiente é estatisticamente nulo. Ou seja, maior confiança
entre as pessoas acaba compensando menor confiança nas instituições.
O segundo corte tem a ver com a educação. Talvez
pessoas com maior educação já sejam financeiramente sofisticadas e isso não
tenha nada a ver com capital social. Na mesma linha, talvez maior confiança
entre as pessoas e laços sociais mais fortes compensem a falta de conhecimento
(que se reflete na baixa literacia
financeira). Os resultados são parecidos com o teste sobre a eficiência jurídica
e indicam que os efeitos do capital
social são maiores na população com menor nível educacional (com menos de 8
anos de instrução). Esse aumento na eficácia do capital social chega a oito
vezes em algumas situações, mas é surpreendentemente baixo para o investimento
em ações.
Assim, capital social importa mais em regiões com
menor eficiência jurídica e para pessoas com menor educação. Outra questão diz
respeito aos que se mudam, em especial do sul para o norte ou vice-versa. Pode
ser que o comportamento dessas pessoas seja mais relacionado com o local de
origem do que com onde eles estão no momento. Foram incluídas variáveis para
indicar se a pessoa é migrante e para onde vai caso seja. O resultado é que não
há diferença de comportamento entre migrantes e não migrantes, independente de
sua origem.
Os autores insistem nesse ponto e examinam se há
alguma diferença entre o capital social do local de origem e de residência,
tentando separar o efeito do ambiente do efeito herdado. No geral, o efeito do
local de residência é maior, exceto para a probabilidade de receber um
empréstimo informal. Isso indica que o efeito da pressão social dos pares é
maior do que os valores trazidos do local de origem.
Concluindo, as análises mostram que na Itália o
capital social tem uma grande influência no desenvolvimento financeiro, em
especial em regiões com menor eficiência da justiça e para pessoas com menor
instrução. Os autores não conseguem generalizar os resultados, mas baseados em
estudos anteriores conseguem apontar uma relação entre confiança e
desenvolvimento financeiro. Em um país que busca por se desenvolver
financeiramente, como o Brasil, essa pode ser uma dica sobre onde está o
problema. Resolvê-lo (aumentar a confiança entre as pessoas) já é uma questão
mais complicada. Alternativamente, aumentar a eficiência judiciária e a
educação podem compensar o baixo capital social, mas esse também é um problema
complexo.
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