domingo, 7 de agosto de 2011

Pesquisas sobre educação financeira

Uma série de artigos do NBER (tendo como uma co-autora Annamaria Lusardi) que mostram pesquisas sobre o nível de educação financeira procura relacionar a educação com o planejamento da aposentadoria. Os países analisados foram Alemanha, Holanda e Estados Unidos. Em cada país, mais de mil pessoas (cada uma representando um domicílio) responderam um questionário sobre educação financeira e planos para aposentadoria no ano de 2009 (2010 na Holanda).

O nível de educação financeira é medido por três perguntas básicas de finanças:

1) Suponha que você vá investir $ 100,00 e as taxas de juros sejam de 2% ao ano. Daqui a cinco anos, você terá: a) Mais do que $ 102; b) Menos do que $ 102; c) Exatamente $ 102,00; d) Não sei.

2) Suponha que você tenha $ 100,00 na conta e que esse dinheiro renda 1% ao ano. A inflação do ano foi de 2%. Em um ano, você poderá comprar: a) Mais do que hoje; b) Menos do que hoje; c) A mesma quantia que hoje; d) Não sei.

3) Verdadeiro ou falso: Comprar a ação de apenas uma empresa geralmente produz um risco menor do que investir em um fundo de investimento em ações.

As respostas são: 1) Mais do que $ 102; 2) Menos do que hoje; 3) Falso (talvez a pergunta devesse deixar claro que o fundo é diversificado, sendo que há fundos que investem em uma só empresa. Sem falar que o fundo não pode ser alavancado. Falar em “mutual fund” deixa claro que não estamos falando de hedge funds, fundos de private equity ou de venture capital. Melhor talvez fosse perguntar se comprar a ação de apenas uma empresa geralmente é mais arriscado do que de muitas empresas).

O leitor do blog deve pensar que essas perguntas são triviais. Porém, os resultados não indicam isso. No geral, os resultados foram:

País; Três respostas certas; Respostas certas para as duas primeiras perguntas:
Alemanha; 53,2%; 71,9%
Holanda; 44,83%; 73,36%
Estados Unidos; 30,2%; 46,2%

Segundo os autores, poucas pessoas investem direta ou indiretamente em ações na Alemanha e na Holanda, o que explica a grande diferença no grau de acerto das duas primeiras perguntas e das três perguntas, mas não a diferença nos Estados Unidos. Na verdade, os americanos tiveram o menor grau de acerto também na última pergunta, apesar de ser notório que boa parte dos americanos investe direta ou indiretamente em ações.

É possível realizar diversos agrupamentos dos respondentes. Analisando apenas os respondentes com idade entre 25 e 65 anos (como a pesquisa também é sobre aposentadoria, é esse grupo que mais interessa), a proporção de respostas certas em todas as perguntas é um pouco superior nos três países, para as duas primeiras perguntas a proporção sendo parecida na Alemanha e na Holanda, e superior nos Estados Unidos. Separando por gênero, homens tiveram um grau de acerto maior nos três países, a maior diferença em favor dos homens sendo de 12,1 pontos percentuais na Holanda, provavelmente pela já muito constada facilidade maior dos homens com números. Os autores ressalvam que as mulheres, se não acertaram mais, também não erraram mais, havendo elevado grau de “não sei” ou recusa de responder. O grau de acerto aumenta com a escolaridade do respondente. Quanto à situação de trabalho, na Alemanha e nos Estados Unidos os desempregados tiveram um índice de acerto inferior, mas na Holanda esse grupo teve o maior índice. Comparando empregados e empreendedores (self-employeds), há uma tendência para que os empreendedores tenham maior educação financeira, nos Estados Unidos a diferença sendo mínima. No caso da Holanda, me parece que a tabela esteja errada. No texto, está escrito que o melhor grupo é dos empreendedores, seguido dos empregados, dos aposentados e os desempregados em último, o que claramente não se observa na tabela 2 do artigo sobre a Holanda.

Após essas separações, cada artigo faz agrupamentos especiais de acordo com o país em questão. Na Alemanha, há a divisão entre oeste e leste por conta da antiga divisão da Alemanha. Como previsto, os respondentes da antiga Alemanha Ocidental tiveram um grau de acerto maior do que os da antiga Alemanha Oriental, isso ocorrendo analisando todos os respondentes e ao longo das diferentes divisões (idade, gênero etc.). Interessante que idosos (mais de 65 anos), aposentados e pessoas com alta escolaridade nas duas regiões têm grau de acerto estatisticamente iguais, e homens e mulheres no oeste sabem igualmente pouco. Nos Estados Unidos, há a divisão étnica, asiáticos tendo melhor desempenho (porém, pior até do que os alemães do oeste), os brancos vindo em segundo, “outros” em terceiro, afro-americanos em quarto e os hispânicos em último com o lamentável grau de acerto de 13,1%. Na Holanda, a divisão foi por religião, os sem religião tendo melhor desempenho, seguidos de perto por católicos romanos e por protestantes, “outros” ficando em último. Os autores afirmam não haver diferença entre os três primeiros grupos, apenas entre estes e o “outros”.

A etapa seguinte é analisar o planejamento da aposentadoria. Foi perguntado (aproximadamente com essas palavras): você alguma vez tentou descobrir quanto precisa poupar hoje para atingir certo padrão de vida na aposentadoria. Nos Estados Unidos, a pergunta não inclui a questão do padrão de vida e na Holanda só foi perguntado o grau com que a pessoa pensa em aposentadoria. Obviamente, a amostra é reduzida para remover os que já estão aposentados. 25,3% dos alemães responderam que já tentaram fazer as contas, contra 43% dos americanos. 17,1% dos holandeses já pensaram muito na aposentadoria, 28,9% pensando pouco ou muito pouco. Não importa tanto a comparação entre países, com sistemas previdenciários que dão diferentes incentivos para se planejar a aposentadoria. Os que planejam (que responderam sim ou que pensam mais na aposentadoria) tiveram um índice maior de acertos do que os que não planejam, o que indica haver relação entre grau de educação financeira e planejamento da aposentadoria.

Como correlação não é causalidade, foram realizadas regressões múltiplas para controlar por um grupo de variáveis de controle. A variável dependente é se a pessoa planeja ou não a aposentadoria (no caso da Holanda, se as pessoas pensam muito na aposentadoria ou não). As variáveis de controle foram as mesmas já analisadas (idade, gênero, educação etc.), acrescidas, em alguns casos, de variáveis demográficas, renda e outras. A educação financeira é medida de duas maneiras, uma variável que indica se a pessoa acertou as três perguntas e outra que conta o número de respostas certas e são usadas uma de cada vez. De forma geral, constata-se uma relação positiva entre planejamento da aposentadoria e grau de educação financeira.

Há, porém, a questão da causalidade reversa, podendo ser que as pessoas que planejam a aposentadoria buscam maior educação financeira, ao invés de ser o contrário. Os três estudos adotam regressões com variáveis instrumentais para contornar esse possível problema. Na Alemanha, leva-se em conta o conhecimento sobre a situação financeira dos pais (na pesquisa da Holanda, utilizou-se essa mesma variável) e a votação do partido libertário (com a infeliz sigla FDP) na região da pessoa; nos Estados Unidos, a variável instrumental é a exposição (em número de anos) a leis que obrigam os colégios a terem aulas de educação financeira; na Holanda, a situação financeira de irmãos mais velhos é a variável utilizada (se a situação dos parentes for pior, há mais chance da pessoa buscar educação financeira; ainda na Holanda, como há resultados em duas datas (2005 e 2010), os autores procuraram relacionar pensar na aposentadoria em 2010 e o grau de educação financeira em 2005, o que quebra a causalidade reversa. Os modelos que levam em conta a causalidade reversa ainda indicam a relação entre educação financeira e planejamento da aposentadoria.

Na pesquisa da Holanda, foi analisada a expectativa sobre a aposentadoria, em termos de idade de aposentadoria e de taxa de reposição (porcentagem da renda atual que esperam receber na aposentadoria). Nas duas perguntas, havia a possibilidade de fornecer um número para a idade e a taxa de reposição ou responder “não sei”. Educação financeira está negativamente relacionada com a probabilidade de responder “não sei”, mas, dentre os que forneceram um número, não há relação entre expectativa de se aposentar mais tarde e educação financeira (qualquer relação que exista é explicada pelo ano de nascimento e sua relação com os critérios da aposentadoria pública e pela renda). Sobre a taxa de reposição, a probabilidade de responder “não sei” é negativamente relacionada com a educação financeira e, para os que fornecem um número, há relação negativa entre a taxa de reposição esperada e grau de educação financeira (ou seja, os com maior grau estão mais pessimistas sobre a aposentadoria). Foi pedida uma faixa mínima e máxima para a taxa de reposição, a diferença entre as duas tendo relação positiva com educação financeira, indicando que pessoas com mais conhecimentos financeiros estão mais cientes da incerteza do modelo de aposentadoria holandês.

Esses três artigos mostram uma interessante maneira de se medir o grau de educação financeira. São três perguntas que eu não consigo imaginar alguém errando (exceto pela terceira), mas o fato é que o grau de acerto em países desenvolvidos é baixo. Além disso, destacam a importância da educação financeira na sua relação com o planejamento da aposentadoria. Nos links semanais, comentei que problemas que podem estar relacionados com a má educação financeira (incluindo poupar visando a aposentadoria) poderiam estar relacionados com a impaciência, a relutância em trocar benefícios presentes por benefícios futuros maiores. Essas pesquisas não trataram disso, e seria interessante incluir uma pergunta sobre o assunto. Mais interessante ainda seria uma pesquisa nesses moldes no Brasil.

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