segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Mercados como economizadores de informação

Anteriormente, tratei de um artigo clássico de F.A. Hayek sobre informações e mercados. Smith (1982) baseou-se nessas ideias para criar a “Hipótese de Hayek”, a de que os participantes de um mercado precisam saber muito pouco individualmente para que se chegue a uma alocação de recursos eficientes.

Smith estudou essa hipótese com experimentos de laboratório com leilões orais duplos onde compradores e vendedores anunciam as suas ofertas como ocorre no mercado acionário (mesmo sem os leilões em si). As evidências dos estudos se baseiam em experimentos de trabalhos anteriores do próprio Smith e de outros autores. Foram simuladas compras e vendas de um produto, sendo designado um preço máximo que os compradores deveriam aceitar e o custo para os vendedores, os participantes ficando com a diferença entre esses valores e o preço. Isso cria curvas de oferta e demanda e o mercado é considerado eficiente se o mercado se encaminha rapidamente para o equilíbrio, ou seja, preço e quantidades se definem no ponto de encontro das duas curvas.

Em três ambientes diferentes, com oferta e demanda estática, com variações cíclicas na oferta e na demanda, e com deslocamentos irregulares nas condições de mercado, o que se constatou foi uma rápida convergências para o equilíbrio. Isso sem que os participantes do estudo conhecessem mais do que seu próprio preço de reserva e o preço das últimas transações. A conclusão de Smith é a de que, coerente com o que Hayek afirmara mais de três décadas antes, os mercados funcionam como economizadores de informação e não se requer que individualmente os participantes tenham tantas informações sobre o mercado para que se chegue a uma eficiente alocação de recursos.

Forsyth et. al. (1992) aplicaram a “hipótese de Hayek” analisando o Iowa Presidential Stock Market (IPSM) criado pelos próprios autores. Trata-se de um mercado real (que envolve dinheiro de verdade) destinado a prever os resultados da eleição presidencial de 1988 nos Estados Unidos. Os participantes compram as “ações” dos presidenciáveis e após as eleições os acionistas receberão um dividendo de acordo com a votação dos candidatos. O valor inicial de cada carteira com uma ação de cada candidato é de US$ 2,50 e o valor do dividendo será de US$ 2,50 multiplicado pela porcentagem de votos do candidato e, dessa forma. Os investidores compram e vendem as ações no mercado secundário como ocorre no mercado financeiro real e o preço das negociações incorpora expectativas sobre a votação que um candidato receberá. Puderam participar membros da comunidade da Universidade de Iowa. Além de um registro minucioso das operações que ocorrem no IPSM, os participantes tiveram que preencher um questionário sobre características demográficas e preferências políticas.

A votação final foi 53,2% para o candidato republicado (George Bush) contra 45,2% do candidato democrata (Michael Dukakis), o independente Jesse Jackson e outros recebendo o restante dos votos. A previsão final do IPSM na véspera da eleição foi de 53,2% contra 45,4%, muito próximo do resultado final e uma previsão melhor do que a de institutos de pesquisa. Os autores descartam a causalidade entre os resultados das pesquisas e do IPSM. Graficamente, os autores mostram que os resultados das pesquisas são muito voláteis e divergentes entre si. Análises estatísticas um pouco mais sofisticadas descartam que haja essa casualidade.

Com base nos questionários respondidos pelos investidores, os autores examinaram vieses de julgamento. O primeiro viés analisado é o de acreditar que um determinado acontecimento favorável (em sua perspectiva) ao seu candidato o favoreceria, o que o levaria a comprar ações desse candidato. Os acontecimentos analisados foram os debates, investidores que achavam que o Bush foi melhor comprando ações dele no dia seguinte ao debate e os que achavam que Dukakis foi melhor comprando ações dele, e aqueles que não acharam que houve vencedor não operando. O segundo viés é acreditar que sua preferência será também a preferência da maioria, o que levaria o investidor a comprar mais ações do seu candidato do que do oponente. E isso de fato ocorre, eleitores de um candidato comprando menos ações do oponente ou até vendendo-as.

Dessa forma, esse mercado previu bem o resultado da eleição, embora haja evidências de que os investidores, na média, sofriam de vieses comportamentais. Os autores fizeram estudos semelhantes em outras eleições e em outros locais (inclusive outros países), quase todos obtendo resultados semelhantes. Os investidores do IPSM não são uma amostra representativa do eleitorado americano e a maioria dos investidores acabou votando no candidato democrata derrotado, de forma que a maior participação de eleitores de Bush não pode explicar o resultado.

O que os autores argumentam é que há investidores marginais não enviesados que são responsáveis por manter os preços corretos. Os vieses descrevem os investidores de maneira média, mas quem define os preços nesse (e, potencialmente, em outros mercados) são os investidores marginais, aquele com mais probabilidade de efetuar a próxima operação e que buscam erros na precificação para obterem lucros. Os autores definiram operações realizadas por investidores marginais do IPSM aqueles que tinham ordens no livro de ofertas a preços próximos ao de mercado ao final do dia ou que tiveram ordens que estavam no livro de ofertas executadas por uma ordem a mercado. Não há muitas características diferentes dos investidores marginais em relação aos demais, exceto pelo maior tamanho das operações e pelo melhor desempenho. Refazendo o teste do viés partidário, os investidores marginais não compram mais ações de seu candidato preferido do que do outro candidato. Por fim, em dias que em ocorrem notícias relevantes que afetam o resultado futuro das eleições, os investidores marginais operaram na direção da variação de preço em três dos quatro eventos. Não é possível provar definitivamente que esses investidores marginais colocaram os preços em seu caminho corretos e foram responsáveis pela precisão das previsões, mas o conjunto dessas características, operarem “na margem”, investindo valores maiores, sem terem um viés comportamental claro e reagindo a notícias relevantes, leva a imaginar que seja esse o caso.

Em estudos ou modelos sobre o mercado acionário, presume-se a existência de investidores marginais que determinam os preços de mercado. Na formação de preços, importa menos investidores que estejam querendo comprar ou vender independente do preço ou acionistas que, apesar de importante, não podem agir com base nas informações que dispõe (o dono da empresa, por exemplo), e sim investidores que estejam mais propensos a agir com base em novas informações que afetem os preços (ou seja, estejam na margem).

Embora use termos análogos, essa discussão não é sobre a hipótese de mercados eficientes e nem pretendo que isso entre no conjunto de evidências sobre o tema. Trata-se mais de uma defesa dos mercados como a maneira mais eficiente de alocar recursos, sendo necessário muito pouco conhecimento individual para se atingir um nível elevado de eficiência. O texto serve também para introduzir a ideia de investidor marginal, útil em um futuro texto a ser publicado.

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