quarta-feira, 3 de agosto de 2011

TIR não é média

Anteriormente, comentei um artigo que comparava retornos de alternativas de investimento incomparáveis. Esse texto faz algo análogo e confunde média com taxa interna de retorno.

O ponto de partida é a afirmação de que as ações (Ibovespa) estão perdendo da renda fixa no longo prazo. Isso depende muito do início do cálculo. Pelas minhas contas, em cinco anos findos em julho de 2011 o Ibovespa perde da taxa do CDI, mas não em 10 anos. O autor do texto utilizou janeiro de 1998 (não sei por qual motivo) como ponto de partida e, de fato, o retorno médio do Ibovespa foi menor do que a renda fixa (Taxa Selic, no caso). Um investimento no começo de janeiro de 1998 em ações vale menos do que um investimento com rentabilidade atrelada à taxa Selic no período.

O autor questiona a metodologia desse cálculo, porém, não há nada de errado com a metodologia. O que se procura analisar com essa conta é o retorno médio do Ibovespa e da Selic no período. E o retorno médio se calcula dessa maneira (outra maneira, pior, é calcular a média simples dos retornos mensais).

O que o autor propõe, embora não o declare, é utilizar a Taxa Interna de Retorno para calcular o retorno médio. Ao invés de analisar a evolução de um investimento único na data 0, propõe-se analisar a TIR (ou simplesmente os resultados finais da carteira, como foi feito no texto) de investimentos periódicos. A ressalva é a mesma de antes: os retornos são incomparáveis, já que são aplicados sobre situações diferentes. A forma de tornar o investimento único ou periódico comparáveis é através da estratégia do custo médio. Nesse período de tempo, a estratégia do custo médio foi melhor, o que era de se esperar, já que a Selic foi superior ao Ibovespa de forma consistente (não só da média, mas em boa parte desse período de tempo). Porém, se você escolher um período de tempo altista, o resultado será o inverso. Como já tratei antes, o mais coerente a se fazer é investir tudo o que se deseja investir em ações de uma vez. Se a pessoa tem 100% em renda fixa e deseja investir 50% em ações, por exemplo, deve mudar essa alocação imediatamente, e não mudar para 95/5 no primeiro mês, 90/10 no segundo e por ai em diante, já que a pessoa deseja ter a alocação 50/50. O faz porque espera que as ações tenham um rendimento superior ao da renda fixa, o que é uma expectativa correta, embora isso não se concretizará sempre. Se temer que as ações se desvalorizem ou fiquem atrás da renda fixa, melhor seria reduzir a sua exposição às ações (60/40, talvez) ou reduzir o risco da carteira (ao invés de comprar o Ibovespa, beta=1, talvez um fundo de dividendos, com beta inferior a 1).

Um caso especial é o de um investidor que esteja começando a investir em ações agora. Seja por iniciativa própria (receoso de investir em algo que não conhece muito bem) seja por aconselhamento de terceiros, é uma boa ideia começar aos poucos no mercado acionário ou em qualquer outro que não conheça bem. Mas não é que seja aconselhável ao investidor iniciante fazer custo médio, sendo prudente começar com uma alocação menor em ações para depois ir aumentando. Investir tudo de uma vez, nesse caso, traz o risco do investidor correr mais riscos do que é capaz de suportar, talvez superestimando a sua capacidade ou vontade de correr riscos ou superestimando o retorno futuro do mercado (no caso do investidor ser tentado a migrar para renda variável por causa da alta nas ações). Situação diferente de, por exemplo, um investidor já atuante no mercado acionário receber uma elevada quantia (herança ou bônus, por exemplo) e desejar aplicar o dinheiro. Poderia buscar manter sua atual alocação de ativos (60% em títulos pós-fixados no CDI e 40% em BOVA11, por exemplo) e aplicar 60% do que ganhou (ou do que pretende aplicar) em renda fixa e utilizar os 40% restantes para comprar BOVA11 tudo de uma vez. O risco de investir excessivamente em ações é menor (e se isso ocorre, é uma condição pré-existente, por assim dizer) e espera-se que sua situação (em termos de retorno e de função utilidade) seja melhor investindo tudo de uma vez do que fazendo custo médio. Intuitivamente e empiricamente, custo médio não é, em geral, uma boa ideia, embora em alguns casos (como do Ibovespa entre janeiro de 1998 e junho de 2011) possa ser.

Encerrado esse longo parêntese, o próximo ponto é que TIR não é retorno médio. Como escrevi anteriormente, todas as observações da série analisada têm o mesmo peso para cálculo de retorno médio, mas para a TIR, os retornos mais para o final do período tendo um peso maior porque incidem sobre um capital maior. Daí, o que se analisa (indiretamente) não é se o retorno médio de um ativo foi bom ou ruim, mas se os retornos mais para a segunda metade do período foram melhores ou piores do que da primeira metade. Entre janeiro de 1998 e setembro de 2004 (mais ou menos na metade do período), o retorno do Ibovespa foi de 221,82% contra 363,05% da Selic. Porém, no segundo período (setembro/04 e junho/11), os retornos foram 253,06% e 230,13% respectivamente, o que indica (longe de rigorosamente provar) o meu ponto.

Ignorando essas duas ressalvas, a de que os retornos não são comparáveis, e que TIR não é retorno médio, o que dizer da análise? O argumento principal é que a carteira montada investindo periodicamente no Ibovespa tem desempenho superior ao da carteira investindo em Selic montada da mesma maneira, na proporção de 90-72, apesar do retorno médio da Selic ser inferior ao do Ibovespa apenas na proporção de 13-149.

Há, porém, alguns pontos não observados. O primeiro é que essa vantagem, guiada pelo viés da TIR explicado anteriormente, não é algo constante no tempo. Nos últimos tempos, mês a mês, a carteira de ações vem sendo superior ao da carteira de renda fixa. Porém, isso começou apenas desde março de 2009, sendo que naquele mês as ações eram superiores na proporção de 63-72. Em dezembro de 2009 as duas carteiras empataram no número de meses em que uma foi superior á outra. Em junho de 2008, último mês em que o retorno médio das ações foi superior ao da Selic, a proporção em favor das ações era de 60-66. Se é válido em junho de 2011 desconsiderar que a renda fixa teve desempenho superior ao das ações, apesar do rendimento médio superior, também era válido desconsiderar em junho de 2008 que as ações tiveram desempenho superior, apesar da rentabilidade média superior. Nenhum dos casos é verdadeiro.

Ignorando esse ponto, há a questão da rentabilidade. A TIR média das carteiras de ações é de 1,12% a.m., contra 1,54% a.m. das carteiras de Selic (médias estatisticamente diferentes ao nível de 1%). Ademais, a maior vantagem de TIR da carteira de Selic foi de 12,64%, contra vantagem máxima de 5,66% das ações. A média das 10 maiores vantagens da carteira de Selic foi de 6,5% contra vantagem média de 2,02% das ações. O desempenho da carteira de Selic foi superior com razoável vantagem.

O último ponto é o atual nível da carteira. Em junho de 2011, a carteira de ações valia R$ 522 mil e a de Selic R$ 483 mil (dados do autor). A diferença cai drasticamente em julho de 2011 (R$ 493 mil para ações, R$ 489 mil para Selic), sendo que, com Ibovespa a 58.300 (como chegou a fechar pouco antes do final do mês), a carteira de Selic passaria a de ações. Com as quedas nos três primeiros dias de agosto, a carteira de Selic abre R$ 5 mil de vantagem sem nem acrescentar os juros da Selic. Ou seja, a vantagem da carteira de ações que vinha desde abril de 2009 está sendo quebrada e, na melhor das hipóteses, está muito frágil.

Resumindo, investimento único e investimentos periódicos não são comparáveis (tema do outro texto), TIR não é retorno médio, a vantagem do valor da carteira de ações contra a de Selic não é robusta a mudanças na janela temporal, a rentabilidade média das carteiras de Selic foi maior e, com o desempenho de julho e de agosto, a superioridade atual da carteira de ações está ameaçada.

Como escrevi na conclusão do meu comentário sobre o texto que ensinava a reduzir o risco do investimento em ações, volto a concluir que a melhor atitude com relação ao risco do mercado é aceitar que ele existe. Isso inclui uma grande variabilidade dos retornos e a possibilidade do desempenho da renda fixa superar o das ações em alguns períodos de tempo. Acontece. Na minha opinião, a melhor maneira de lidar com isso é ajustando a exposição ao risco de ações, não procurando uma maneira de mudar essa realidade.

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