segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Investidores pessoa física e volatilidade

Thierry Foucault, David Sraer e David J. Thesmar
Journal of Finance. Volume 66. Agosto, 2011

Há duas hipóteses contrárias sobre o efeito na volatilidade das ações da maior ou menor participação das pessoas físicas no mercado acionário. Uma é que o efeito é negativo (ou seja, maior participação leva a menor volatilidade) porque esses investidores são de longo prazo e muitos não negociam frequentemente as ações. Também, se atuarem como investidores contrários à tendência, comprando em quedas e vendendo em altas, podem diminuir a oscilação de preços provocada pelas operações dos demais investidores. Outra hipótese é a de que, ao contrário, esses investidores agem como “operadores de ruído” não atuando com base em informações relevantes.

Há algumas dificuldades em se analisar empiricamente a questão. Uma é que investidores pessoa física podem escolher investir em ações que já são de maior volatilidade, o que não diz muito sobre o efeito de suas operações no mercado. Talvez haja grande correlação entre volatilidade do ativo e participação de pessoas físicas, mas isso não indica a causalidade. Por exemplo, foi identificado que ações-loterias (de alta volatilidade) são pouco negociadas por investidores institucionais.

A abordagem adotada no artigo foi de estudar o efeito de uma mudança nas regras do mercado francês na volatilidade dos ativos. Até o ano de 2000, a liquidação e compensação das operações ocorriam apenas ao final do mês sob o Règlement Mensuel (RM) ou em D+5 no mercado à vista. Operações no RM permitiam a alavancagem de posição, como ocorre nos mercados futuros e a termo, mas a menor custo. O investidor não precisava ter o dinheiro disponível e poderia não entregar ou receber os ativos caso encerrasse a posição antes do dia final compensação (cinco dias úteis antes do final do mês). Ou seja, era possível fazer um “Day trade de vários dias”. Era uma maneira mais fácil de se operar vendido, sem ter que tomar emprestado o ativo, bastando recomprar antes do último dia de compensação. No final do mês, poderia optar por proceder com a liquidação ou poderia rolar a posição para o próximo mês.

O fim do RM aumentou o custo da alavancagem para o investidor de varejo, mas não para os institucionais, que têm outras maneiras baratas de se alavancarem. Até foi criado um sistema parecido com o RM, o Service de Règlement Différé (SRD), que é um serviço que poderia ser oferecido pela corretora para a liquidação diferida. No entanto, o SRD não é tão econômico quanto o RM pelo pagamento de taxas para a corretora, o que afeta os investidores pessoa física, mas não os institucionais, que não dependiam do RM para se alavancarem ou operarem vendidos.

Essa situação permite estudar o efeito da atividade dos investidores de varejo na volatilidade, já que é possível associar mudanças na volatilidade com mudanças no nível de atividade. Não é provável que haja a associação direta entre a reforma que encerrou o RM e a volatilidade ou que a reforma tenha sido provocada por mudanças na volatilidade. Ou seja, por si só, mudar o modelo de liquidação não deveria mudar a volatilidade e a reforma não ocorreu por causa de mudanças na volatilidade. Os autores testam três hipóteses:

1) A volatilidade das ações listadas no RM cai após a reforma
2) A autocovariância dos retornos das ações listadas no RM é menor após a reforma
3) O impacto nos preços das operações dos investidores de varejo cai após a reforma

As ações da base de dados foram separadas em dois grupos: o de tratamento (ações listadas no RM antes da reforma) e o de controle (as demais ações). A unidade de observação é ação-mês, dada ação em determinado mês. Foram utilizadas diversas medidas de volatilidade para testar a primeira hipótese, a principal sendo o desvio-padrão da diferença dos retornos diários da ação e do mercado, mas os resultados se mantiveram utilizando outras medidas. A autocovariância para a hipótese 2 é a autocovariância mensal dos retornos diários. O impacto de preços para a terceira hipótese é a razão média do retorno da ação e seu volume financeiro.

As ações do grupo de tratamento possuem maior capitalização de mercado, são mais líquidas e menos voláteis. Apesar dessas diferenças na média, há várias ações do grupo de controle com características parecidas com o de tratamento, o que permitirá a comparação em pares. Ações listadas no RM são mais negociadas por pessoas físicas do que as do mercado à vista enquanto que o nível de atividade (número de compras, de vendas ou de ambas por investidores de varejo dividido pelo número de ações total) é parecido. Outro dado útil é a quantidade de operações especulativas (abertas e encerradas antes da liquidação) que ocorreram como proporção do total de ações, ações do RM tendo mais operações especulativas. Em 2001 (ano após a reforma do RM), as estatísticas relativas à atividade dos investidores de varejo como o número de operações e a proporção de operações relativas ao número total de ações, caíram, indicando haver relação entre reforma do RM e atividade dos investidores pessoa física.

O primeiro passo da análise empírica foi estabelecer a relação entre volatilidade e atividade dos investidores de varejo. Há relação positiva e estatisticamente significativa, com um aumento de um desvio padrão na atividade dos investidores (total de operações ou apenas as especulativas) aumentando em um terço a volatilidade. Porém, como ressalvado anteriormente, há outros fatores que podem determinar a volatilidade além da atividade dos investidores de varejo.

É aí que entra a reforma do RM. O efeito da reforma nas variáveis de interesse é estudado através da seguinte regressão:




Onde:
Treated = Dummy que assume valor 1 se a ação faz parte do grupo de tratamento
Post = Dummy que assume o valor 1 se a observação ocorreu após a reforma do RM

A variável dependente é o que se procura estudar, podendo ser a atividade dos investidores de varejo, a volatilidade, a autocovariância ou o impacto de preços.

B0 indica o efeito atribuível às características das ações listadas no RM, B1 indica o efeito das características das ações após a reforma e a B2 indica o efeito da interação dos dois fatores, ou seja, o efeito atribuível às ações que eram listadas no RM após o fim do mesmo. O coeficiente de interesse é o B2.

Porém, os resultados ainda poderiam se dar por conta de diferenças de tamanho e de liquidez. Para levar em consideração esses fatores, os autores analisaram a diferença da variável de interesse das ações do grupo de tratamento e de ações comparáveis do grupo de controle. A comparabilidade foi estabelecida de três maneiras: 1) Por quartis em matrizes 4x4 em termos de capitalização e giro; 2) Por diferenças porcentuais, calculando a diferença da capitalização e do giro entre todas as ações cruzando os grupos e escolhendo as menores diferenças; 3) Utilizando-se a técnica de propensity score matching com base em capitalização e giro. A equação de regressão analisa a diferença da volatilidade da ação do RM e do controle em função da observação se dar antes ou depois da reforma.

Pelos quatro métodos de estudo, a regressão da figura acima e as três análises com empresas comparáveis, chega-se às mesmas conclusões, a de que há efeito negativo e estatisticamente significativo da reforma: 1) No nível de atividade (compras, vendas, operações totais e operações especulativas) no nível de atividade dos investidores de varejo; 2) Na volatilidade (mesmo adicionando um controle pelos retornos, relacionando retornos e volatilidade); 3) Na autocovariância; 4) No impacto de preços. Ligando o primeiro resultado aos demais, corroboram-se as três hipóteses levantadas inicialmente. O efeito na volatilidade não é grande, entre 17 e 27 pontos base, o que, para uma volatilidade de 2,4%, representa uma queda máxima de 11,25% por conta da reforma. Os resultados se mantém mudando a janela de tempo do estudo (originalmente de quatro anos), levando em conta a liquidez, considerando apenas as ações com séries completas (que foram negociadas por todo o período) e mudando a metodologia (utilizando variáveis instrumentais).

Por fim, a hipótese de que os investidores de varejo deveriam ter efeito negativo na volatilidade se baseia em estudos que indicam que esses investidores adotam estratégias contrárias, comprando em baixas e vendendo em altas, o que tenderia a reduzir a volatilidade. Os autores separaram as ações-dia em operações contrárias ou de momento, contando para o primeiro caso se as compras líquidas são do sinal contrário ao dos retornos. O indicador ação-mês para operações contrárias é a somatória das operações dessa natureza no mês dividido pelo número total de ações. O indicador para operações de momento foi construído de forma similar.

Analisando diretamente a volatilidade, os dois componentes afetam positivamente a volatilidade. Porém, há um possível problema de causalidade reversa, os investidores podendo comprar mais em quedas quando há maior volatilidade. Para contornar esse problema, foi estudado o efeito da reforma do RM no nível de operações contrárias e de momento. A reforma reduziu o nível das duas estratégias, mas mais operações de momento do que contrárias. Como a reforma reduziu a volatilidade, há duas explicações possíveis: 1) Investidores de varejo atuam como investidores contrários em geral, mas suas operações de momento afetam mais a volatilidade; 2) Investidores contrários também aumentam a volatilidade. Os autores não têm a resposta para qual das duas explicações provavelmente é a mais adequada.

Em suma, um evento que resultou na queda na atividade dos investidores pessoa física provocou uma queda na volatilidade, na reversão de preços (autocovariância) e no impacto nos preços das operações (com mesmo volume, as ações tendem a oscilar menos depois da reforma). Isso indica que os investidores de varejo aumentam a volatilidade das ações.

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