F.A. Hayek
American Economic Review. Volume 35. 1945
Esse clássico artigo discute a melhor forma de alocar recursos escassos da sociedade – ou “como assegurar o melhor uso de recursos conhecido a quaisquer membros da sociedade, para fins cuja relativa importância apenas esses indivíduos conhecem”, na formulação considerada mais adequada por Hayek. O foco da abordagem do autor é o papel da informação no cálculo econômico, sendo que o conhecimento está disperso na sociedade de forma que cada indivíduo possui apenas “pedaços de conhecimento incompleto e frequentemente contraditório”.
Informação é necessária para o planejamento (decisões inter-relacionadas sobre a alocação dos recursos disponíveis). Sendo assim, a comunicação e a utilização de informações se tornam tarefas essenciais para que as pessoas façam planos. O planejamento pode ser feito de maneira centralizada, uma autoridade formulando um plano unificado e o impondo ao sistema econômico, ou de forma descentralizada, com cada indivíduo fazendo seus próprios planos competindo com planos de outros indivíduos. O sistema mais eficiente seria aquele que melhor utiliza o conhecimento existente e disperso na sociedade.
Existem diversos tipos de conhecimento. Um deles é o científico que, se fosse todo o conhecimento existente, poderia ser reunido por um grupo de especialistas que teriam possibilidades de melhor comandar todo o conhecimento existente. Mas há outros tipos de “circunstâncias particulares de tempo e espaço”, o conhecimento técnico de como desempenhar diversas atividades, informações sobre oportunidades de negócio e sobre escassez de determinados recursos, entre outras. Uma informação muito importante (não citada pelo autor) são as preferências das pessoas por um bem ou serviço, informação impossível de um planejador central possuir e que nem as próprias pessoas sabem quais são exatamente.
Informações das circunstâncias particulares de tempo e espaço mudam rapidamente. Apesar de serem pequenas mudanças em contextos localizados, essas mudanças afetam a manutenção e expansão da atividade econômica e requerem a tomada de decisões que mudam os planos existentes. O papel vital dessas modificações acaba sendo camuflado em estatísticas agregadas muito utilizadas por planejadores centrais que deveria ter acesso a todas essas informações assim que geradas para melhor formular seus planos centralizados e a sociedade deveria esperar até que novos planos sejam formulados pelo planejador central, o que não parece ser algo muito eficiente.
Por esse ponto de vista, a melhor opção é deixar que os indivíduos familiares com essas mudanças e com seus efeitos tomem as decisões, ou seja, descentralização seria mais eficiente. Isso resolve apenas parte da questão, a reação a informações imediatamente conhecidos pelo indivíduo, o que é necessário, mas insuficiente para a tomada de decisão ótima. Resta ainda tomar conhecimento de informação relevante não possuída por quem deve tomar a decisão. “Relevante” é uma palavra vaga, já que tudo pode ter influência em qualquer decisão que precisamos tomar. Segundo o autor, não é necessário conhecer todos esses eventos, nem todos seus efeitos e nem as causas das mudanças. Importa determinar quão mais ou menos difícil de encontrar algo se tornou comparado com outras coisas que também são importantes ou quão mais ou menos urgente algo é desejado.
Isso é resolvido por meio de um sistema de preços. Preços são índices numéricos que indicam a escassez relativa dos recursos, com um carro (um bem caro) sendo mais escasso do que sacolas de plástico (dadas “de graça” pelos mercados), por exemplo. Preços coordenam as ações de diferentes pessoas agindo de posse dos pedaços de informações que possuem, a ação das pessoas comunicando às demais as informações que detêm. Nas palavras de Hayek, o todo age como uno sem que alguém veja todo o campo todo, mas com os campos de visão limitados dos indivíduos se sobrepondo e se complementando de forma que toda informação relevante é comunicada.
O exemplo dado pelo autor é o do aumento do preço do estanho, que pode se dar pela descoberta de uma nova utilização para o material ou por uma perda de suprimento. Independente de qual seja a causa, o importante é que estanho está mais escasso e que deve ser destinado àqueles que veem mais valor no material (os que tem a destinação mais lucrativa). O conhecimento de que uma mina de estanho foi fechada, por exemplo, é comunicada a todos os que demandam estanho (ou que demandam produtos que utilizam o metal como insumo) através de um aumento no preço sem que seja necessário tomar conhecimento direito do fechamento da mina. Sem que nenhuma ordem explícita tenha sido emitida, milhares de participantes anônimos do mercado tomam a decisão correta de consumir menos do material que se tornou mais escasso. A pessoa não precisa saber os motivos para tomar a decisão (economicamente) correta, basta seguir os incentivos, e não precisa que ninguém o guie nessa direção.
Hayek não sugere que essa comunicação por meio de preços seja perfeita, sugere sim que planejamento central é muito pior do que imperfeições nos preços. Futuramente, economistas viriam a estudar o que se convenciona chamar de falhas de mercado como informação assimétrica, externalidades e bens públicos. Chamar de “falhas de mercado” me parece que provoca muitas reações eufóricas ou furiosas. São mais falhas do sistema de preços sem nenhum complemento que não necessariamente exigem regulamentação governamental. No caso de informações assimétricas, problemas de seleção adversa podem ser resolvidos por meio de construção de reputação e marcas e problemas de risco moral podem ser resolvidos por meio de busca por certificações (um exemplo é das seguradoras examinarem o histórico infrações de trânsito de potenciais clientes).
Essa discussão se aplica muito ao mercado acionário, na medida em que preços das ações incorporam informações sobre a emissora e sobre o mercado e mudanças nos preços podem ser interpretadas como mudanças nas informações disponíveis. Não por outro motivo, a hipótese de mercados eficientes que tem como conclusão final a dificuldade, se não impossibilidade, de obter retornos anormais é racionalizada como uma situação onde os preços incorporam todas as informações disponíveis. Se não o fizesse, seria possível obter retornos ajustados ao risco de forma consistente, o que é algo difícil de se obter. Um artigo sobre eficiência de mercado que será aqui comentado cita o artigo de Hayek explicando como um mercado acionário repleto de investidores irracionais pode mesmo assim ser eficiente por meio da comunicação de informações através dos preços.
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