quinta-feira, 5 de maio de 2011

Participação no mercado e preferências políticas

Markku Kaustia e Sami Torstila
Journal of Financial Economics. Volume 100. Ed. 1. 2011

O artigo examina a relação de valores pessoais com o investimento em ações. Mais especificamente, trata de analisar como a preferência política das pessoas (direita x esquerda) influencia a decisão de participar ou não do mercado acionário.

A população analisada é a da Finlândia no período entre 1995 e 2003 cobrindo três eleições parlamentares. Foram feitas diversas análises, a primeira com dados relativos a regiões e outras duas com análises individuais, uma com questionários de boca de urna e outra estudando o comportamento dos membros do parlamento. Uma quarta análise foi feita com dados de institutos de pesquisa como o Gallup. A definição de eleitor de esquerda ou de direita segue uma classificação numérica de 1 (esquerda) a 10 (direita) ou classificando os com nota abaixo de 5 com base em como as pessoas votam nos partidos conservador (direita), de centro e socialdemocrata (esquerda).

Os resultados das análises mostram que os votantes na esquerda participam menos do mercado acionário. Um ponto a menos no espectro ideológico faz com que a pessoa seja de 5 a 6% menos propensa a investir em ações e sair do partido conservador para o social democrata faz com que a pessoa seja de 17 a 20% menos propensa a investir em ações. As análises foram feitas de forma a considerar outros fatores que influenciam o comportamento como investidor e como votante. Um fator poderia simultaneamente levar a pessoa a votar na esquerda e a participar menos do mercado, e a decisão de não investir seria fruto desse fator e não da escolha política.

As análises consideraram a renda das pessoas, com regiões ou indivíduos com mais renda participando mais do mercado acionário. Outra variável foi o patrimônio, também positivamente relacionado com a participação. A educação também foi considerada na forma do número de pessoas com ensino superior, essa variável tendo relação positiva com a participação na análise regional, mas não analisando os políticos (os parlamentares de lá geralmente possuem nível superior, de forma que essa variável não é muito útil). Na pesquisa por região, havia ainda uma variável que indicava a proporção de pessoas morando no próprio imóvel, quanto maior essa proporção, maior o número de investidores. Outros fatores analisados foram idade e gênero, a única relação que há é a maior propensão de pessoas entre 56-65 pesquisadas na boca de urna investirem mais. Controlando por todas essas variáveis, ainda há relação negativa entre voto na esquerda e participação no mercado acionário.

Outras análises mostram que a propensão e capacidade de poupar estão negativamente relacionadas com esquerdismo (se isso não tem a ver com a renda, já que esse fator foi levado em conta, será que os esquerdistas finlandeses são mais consumistas?). Mas não há relação entre maior alocação em ações e ideologia condicionada à participação no mercado (ou seja, se a pessoa investe em ações, não irá investir mais ou menos pela sua ideologia). Por fim, há uma análise sobre opiniões e expectativas sobre o mercado acionário. As opiniões foram obtidas perguntando a concordância com as afirmações de que o mercado acionário é benefício, que não é excessivamente adorado pelas pessoas, que é bom para a economia e que não é tanto uma busca egoísta pelo lucro. Pessoas mais à esquerda possuem opiniões menos favoráveis ao mercado. Quanto às expectativas, foi perguntada a concordância com a afirmação de que as aposentadorias irão piorar e que a atual alta não é uma bolha e a expectativa para o retorno das ações. Direitistas estão mais pessimistas com a aposentadoria, mas não há relação entre ideologia e as duas outras perguntas. Dessa forma, corrobora-se que a participação no mercado acionário nesse caso é dirigida por opiniões a respeito do mercado e com a expectativa pessimista a respeito de aposentadorias, direitistas mais pessimistas se precavendo com maior investimento em ações.

Dessa forma, a relação não pode ser explicada por uma maior aversão a risco dos esquerdistas, já que há o controle por idade, renda, patrimônio e gênero (variáveis relacionadas com aversão a risco). Poderia haver causalidade reversa, mas como os resultados para membros do parlamento são parecidos com os para “pessoas comuns”, e há uma divisão entre esquerda e direita no parlamento, a hipótese da causalidade reversa perde força. A última hipótese alternativa é a de que o capital social influencia a decisão de investir mais do que ideologia, porém, as análises levaram em conta fatores a esse respeito como a propriedade de imóveis e a votação, ambas positivamente relacionadas com a participação no mercado. Além disso, em resultados não relatados, não há relação entre o número de organizações em que as pessoas participam e ideologia e a relação entre esquerdismo e confiança nos outros é positiva, ao contrário do que seria necessário para estabelecer relação entre capital social e investimento, de forma que essas duas variáveis não refutam a relação apresentada entre ideologia e investimento.

Mais importante de tudo, os resultados mostram que há relação entre valores pessoais e a decisão de investir em ações e que as pessoas parecem derivar utilidade de ativos financeiros da mesma forma que apreciam bens de consumo. Por último, certamente que a esquerda não é contra ser dona dos meios de produção, mas uma parte dela parece preferir adquiri-los pela desapropriação a comprá-los.

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