O Capital Asset Pricing Model (CAPM) é o modelo de precificação de ativos mais famoso e todo estudante de Finanças (e mesmo mais geralmente de administração ou economia) teve algum contato com o modelo, que deu o Nobel para William Sharpe em 1991. É muito utilizado para investimentos, estimação de custo de capital e análise de desempenho. No artigo de Fama e French, uma retrospectiva do modelo, de sua formulação teórica até os testes empíricos.
Não
vou entrar em tantos detalhes, já que escrevi sobre vários dos temas abordados
no artigo. Mas fica desde já a recomendação de leitura para quem busca entender
melhor o CAPM. O artigo é bastante acessível, mais completo do que o que consta
nos livros-texto, mas sem ser tão profundo quanto os artigos originais ou um
livro mais denso sobre o tema (como o Asset Pricing de John Cochrane).
A
base teórica do CAPM é a teoria das carteiras de Harry Markowitz. O CAPM
utiliza a fronteira eficiente como uma previsão testável da
relação entre risco e retorno dos ativos ao identificar uma carteira na
fronteira eficiente que contenha todos os ativos. Utiliza de duas premissas, a
de que há um completo acordo sobre a distribuição dos retornos e que é possível
tomar emprestado ou emprestar à taxa livre de risco. Com essa segunda premissa,
a fronteira eficiente vira uma reta, resultando na formulação clássica do CAPM.
Escrevi sobre isso anteriormente.
Basicamente,
o CAPM diria que todos os investidores estão diante da mesma oportunidade de
investimento combinando a carteira de mercado com a taxa livre de risco ao
longo de uma reta tangente à fronteira eficiente. O retorno de um ativo seria a
taxa livre de risco (com beta igual a zero) mais um prêmio por risco dado
pelo beta multiplicado pela unidade de risco por beta (Retorno esperado do
mercado menos taxa livre de risco).
Fischer
Black desenvolveria uma versão do CAPM sem a premissa de que é possível
emprestar e tomar emprestado à taxa livre de risco, mas podendo realizar vendas
a descoberto, o que manteria os resultados do CAPM basicamente os mesmos. Mesmo
assim, as premissas parecem irrealistas, mas, como os autores apontam, todos os
modelos interessantes partem de simplificações irrealistas e devem ser testados
empiricamente para se verificar a sua validade. Esses testes envolvem exames
sobre as principais implicações do modelo: retornos dos ativos estão
linearmente relacionados com o beta e nenhum outro fator tem poder explicativo;
o prêmio por risco é positivo; ativos não correlacionados com o mercado tem o
retorno igual à taxa livre de risco.
Para
esses testes, há o problema de erros de medida e relações com outros efeitos
como fatores industriais. A solução foi a de analisar carteiras de ações, e não
ativos individuais. Isso torna as medidas mais precisas e, para melhorar ainda
mais os testes, as carteiras são divididas em carteiras com alto e baixo beta,
método consagrado por Fama e
MacBeth (1973). Jensen
(1968) notaria que o CAPM teria implicações não apenas para examinar
diferentes ativos, mas o mesmo ativo ao longo do tempo e criaria o famoso Alfa
de Jensen.
Os
primeiros testes dos CAPM já indicavam as suas falhas, encontrando relações
positivas, mas planas demais. Os retornos de ações com baixo beta eram altos
demais em relação ao esperado e das com alto beta eram baixos demais. Além do
mais, o intercepto da regressão dos retornos é maior do que a taxa livre de
risco. Os prêmios de risco gerados pelas regressões eram menores do que os
prêmios observados.
Os
testes de Fama e MacBeth (1973) não mostraram que as variáveis adicionais
aumentam o poder explicativo do modelo, logo, por esse teste, toda a diferença
entre retornos é explicável pelo beta. Testes de séries temporais podem
examinar a mesma questão, verificando se algum grupo de carteira pode gerar um
alfa significativamente diferente de zero e os testes iniciais indicavam que
isso não era possível. Embora esses testes examinem mais precisamente se a
aproximação da carteira de mercado é válida ou não (e, por consequência, é
possível dizer que o CAPM nunca foi realmente testado), a conclusão dos testes
da década de 1970 indicam que o beta é o único fator explicativo e que o prêmio
por risco é positivo. Porém, a previsão de que o prêmio por unidade de beta é o
prêmio por risco é rejeitada por esses testes.
Testes
posteriores desafiariam essas conclusões que davam algum suporte ao CAPM. Basu
(1977) descobriu que a ordenar as ações em termos de Lucro/Preço gera
retornos esperados diferentes daqueles previstos pelo CAPM. Banz
(1981) documentou o efeito tamanho e Bhandari
(1988) o efeito da alavancagem e Stattman (1980) documentou o efeito da
relação Valor Patrimonial / Valor de mercado (VP/VM). Fama
e French (1992) reuniria todos esses achados em um teste único e confirmaria
o efeito do tamanho e da relação VP/VM. Evidências de que esses efeitos se
repetem em outros mercados além do americano corroboram que isso não é um
efeito específico de uma amostra e mostra um comportamento geral do preço dos
ativos.
Que
o CAPM havia sido rejeitado empiricamente não há sombra de dúvidas. A questão
passa a ser sobre a explicação disso e duas histórias emergentes. Uma delas é a
comportamental, atribuindo essas falhas do CAPM a anomalias comportamentais que
não podiam ser explicadas de forma racional. A outra história é a de que o CAPM
é um modelo falho e é necessária a incorporação de mais fatores para explicar
racionalmente os retornos dos ativos.
A
segunda explicação gerou a busca por modelos de precificação de ativos
alternativos. O ICAPM (CAPM Intertemporal) de Merton
(1973) considera multiperíodos e considera as oportunidades de consumo ou
de investimento dos retornos incorporando variáveis-estado ao modelo. Assim, o
investidor ICAPM leva em conta rendas de trabalho, preço de bens e
oportunidades de consumo que estarão disponíveis no futuro.
Fama
e French (1993) daria um passo decisivo para um modelo alternativo ao CAPM
unificando o que já se sabia até então sobre as anomalias relacionadas com o
CAPM (citadas três parágrafos acima). Eu já escrevi sobre o modelo de três
fatores, que é amplamente usado na pesquisa empírica sobre preços de ativos e,
na minha opinião, é a principal contribuição de Eugene Fama que lhe renderia o
Prêmio
Nobel de Economia. A grande fraqueza do modelo é a sua natureza
estritamente empírica, ou seja, falta explicar porque esses fatores afetam a
precificação dos ativos. Na minha visão, os dois fatores adicionais, tamanho e
valor, são um embutido de fatores de risco menores (risco de dificuldades
financeiras, alavancagem, liquidez etc.) que precisariam ser desagregados.
Economistas
comportamentais insistem que os investidores tentam usar o CAPM e que vieses
comportamentais desviam os preços do que o CAPM estabelece que deveriam ser,
criando o grande impasse na área. Mas desde 1970 Fama enunciava o problema da
hipótese conjunta entre um modelo de precificação de ativos e os retornos
observados dos ativos. Dessa forma, não sabemos se o mercado estabelece preços
de maneira errônea ou se o modelo que estamos utilizando para testar isso é que
está errado em primeiro lugar.
O
último ponto do artigo é o problema da proxy
para a carteira de mercado, variável essencial para o CAPM. Essa carteira
deveria ser eficiente do ponto de vista da média-variância, mas não é possível
determinar com certeza qual seria essa carteira. No entanto, empiricamente os
resultados dos testes não são sensíveis à proxy
utilizada, diversas sendo testadas, todas rejeitadas. É sempre possível que
alguém encontre uma carteira de mercado que redima o CAPM, mas, por enquanto, o
modelo está empiricamente desacreditado e não deveria ser utilizado para
utilidades práticas, como a estimação do custo de capital ou análise de
desempenho de fundos.
O
CAPM continua sendo um modelo importante para ser estudado, foi altamente
influente e avançou o nosso conhecimento sobre os preços dos ativos. É bom entender o modelo e depois continuar seguindo em frente
na busca por uma melhor compreensão dos determinantes dos retornos dos ativos,
tarefa que o modelo alternativo mais utilizado, o de três fatores, ainda deixa
em aberto.
(The Capital Asset Pricing Model: Theory and
Evidence)
Eugene Fama e Kenneth French.
Journal of Economic Perspectives. Vol 18. Nº 3.
2004
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