segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Índice de Governança

Em um já clássico artigo publicado em 2003 no Quarterly Journal of Economics, Paul Gompers, Joy Ishii e Andrew Metrick analisam a relação entre governança corporativa e retorno de ações.


Empresas são que nem países, com os acionistas sendo os eleitores que escolhem os agentes que irão representar seus interesses, o presidente e sua diretoria. Algumas empresas se parecem mais como ditaduras e outras como democracias, não apenas pela concentração de poder de voto, mas também pelas regras de governança que seguem. Economicamente, será que há uma relação entre direitos dos acionistas e desempenho da empresa?

Essa discussão nos Estados Unidos, onde o estudo de Gompers, Ishii e Metrick foi realizado, é bem diferente em relação ao Brasil. Lá, a base acionária é mais dispersa, mas há um ativo mercado de fusões e aquisições, guerras de procurações e ativismo acionário que não se vê tanto no Brasil. Por conta desses fatores, muitas empresas adotam restrições ao voto acionário, o que pode acabar entrincheirando a diretoria atual da mesma forma que uma base acionária concentrada faria.

Os autores analisam a questão da governança com uma perspectiva de longo prazo, não recorrendo a estudo de eventos que são bastante utilizados em estudos desse tipo. A grande inovação é a criação de um índice de governança que procura medir a proteção aos direitos dos acionistas em uma companhia.  Os autores utilizam informações da Investor Responsibility Research Center (IRRC) que coleta informações nos demonstrativos e informes enviados à SEC pelas empresas. Os indicadores utilizados foram divididos em grupos pelos autores e são:

Grupo “atraso” – Disposições do estatuto social que procuram atrasar uma oferta hostil.
                Cheque em branco – O conselho de administração tem amplos poderes para decidir sobre direitos de voto, dividendos e conversão, entre outros. Mais importante, tem poder para incluir pílulas de veneno (poison pill) contra tomadas de controle.
                Composição do conselho – Alguns estatutos permitem reeleições indefinidas, mandatos longos ou outras regras para o conselho que fazem com que seja difícil para um novo controlador mudar o conselho.
                Reunião especial – Aumento na porcentagem de acionistas necessários para convocar uma assembleia de acionistas.
                Consentimento escrito – Requisitos especiais e burocráticos para adiar decisões da assembleia de acionistas.

Grupo “direito a voto” – Disposições que afetam o direito a voto dos acionistas.
                Estatuto social – Dificuldades criadas para a modificação do estatuto social
                Carta patente – Dificuldades criadas para a modificação a carta patente (charter)
                Voto cumulativo – Permite o acionista alocar os votos da maneira que quiser, o que permite que acionistas minoritários possam escolher um membro do conselho. Essa é uma prática considerada positiva.
                Votação secreta – Esconde como os votantes agiram, o que melhora a governança ao permitir que alguns acionistas (como empregados) possam tomar decisões independentemente sem temer futuras retaliações. Essa é uma prática considerada positiva.
                Supermaioria – Exigência de uma maioria superior a 50% mais 1 voto, como 67% dos votos.
                Votação desigual – Disposições que diminuem o poder de voto de alguns acionistas e reduzem de outros.

Grupo “proteção” – Disposições incluídas para proteger os diretores e conselheiros da empresa.
                Planos de remuneração – Regras que permitem que os diretores exerçam os seus planos de remuneração no caso de uma mudança de controle.
                Contratos –Proteção sob contrato dos diretores no caso de serem processados.
                Paraquedas dourados – Compensação para os diretores no caso de demissão após mudança de controle.
                Indenização – Disposição do próprio estatuto social ou outro documento da empresa que protege os diretores no caso de processos.
                Responsabilidade – Limitação da responsabilidade do diretor para fins de processos judiciais.
                Demissão – Compensação para os diretores no caso de demissão que não depende de mudança de controle.

Outros – Nesse grupo, as demais disposições que foram listadas.
                AntigreenmailGreenmail é a prática de um grande acionista de vender as suas ações com um prêmio de volta para a empresa com a promessa de não buscar tomar o controle. Impedir essa prática pode evitar que os acionistas acumulem posições muito grandes, sem ter uma porta de saída no caso de precisarem, o que ajuda a manter o controle da empresa intacto.
                Deveres dos diretores – Disposições que ampliam o dever dos diretores para além dos acionistas, podendo protegê-los de uma tomada de controle ao se apoiar em outros grupos, como os empregados da empresa.
                Preço justo – Exigência de que os tomadores do controle ofereçam o maior preço pago nas ações durante um período, de forma a encarecer a tomada de controle.
                Paraquedas pensionário – Impedimento do uso do caixa do fundo de pensão para financiar a aquisição da empresa.
                Pílula de veneno – Pílulas envenenadas são grupos de disposições estatutárias que impõem uma série de condições para a tomada hostil de controle, a dificultando.
                Paraquedas prateados – O mesmo que para quedas dourados, mas aplicados para os empregados da empresa em caso de tomada de controle.

Além desses fatores, há alguns outros relacionados com leis estaduais que impõem automaticamente algumas regras. Quatro dessas já foram mencionadas (antigreenmail, dever dos diretores, preço justo e supermaioria), mas há outras duas. Algumas leis proíbem algumas transações entre acionistas e empresas por um período de tempo, exceto se a transação for aprovada pelo conselho. Leis de desembolso (cash-out laws) onde os acionistas minoritários podem vender ao acionista comprador as suas ações ao maior preço pago.

Os autores utilizaram a base de dados da IRRC e criaram o índice de governança (ou índice G), que aumenta em 1 sempre que a companhia adota uma das práticas listadas acima. As duas exceções são o voto cumulativo e o voto secreto, que contam quando ausentes. Dessa forma, quanto maior o índice, pior são os direitos dos acionistas. Algumas medidas podem variar de intensidade (a supermaioria, por exemplo), mas por questão de simplicidade dos autores preferiram manter os dados simplesmente como questão de 0 ou 1. Os grupos constituíram sub-índices a serem utilizados em análises adicionais. Para o caso de um prática ser lei estadual, o valor aumenta em 1 no índice e nos sub-índices, mas não são cumulativos. O valor varia entre 0 e 24.

Os autores consideraram que uma empresa é uma democracia se o valor do índice for até 5 e ditadura se for igual ou superior a 14. A média e a mediana giram em torno de 9. As notas são relativamente estáveis ao longo do tempo e não há concentração em indústrias específicas.


Nesse texto, eu pretendia apenas explicar sobre o índice G criado pelos autores nesse artigo e que foram utilizados em outros estudos (esse aqui, por exemplo). Esse índice poderia ser replicado no Brasil com algumas modificações para refletir as particularidades do mercado brasileiro de capitais.

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