terça-feira, 2 de setembro de 2014

Dividendos obrigatórios

No Brasil, segundo a lei das Sociedades Anônimas (lei 6.404, artigo 202), as sociedades anônimas devem estabelecer um dividendo mínimo obrigatório não inferior a 25%, havendo a possibilidade da distribuição de dividendos em quantia inferior ou até nula dadas algumas condições. A questão é: qual é real efeito dessa regulação?


Em artigo publicado no Journal of Corporate Finance, Theo Cotrim Martins e Walter Novaes analisaram essa questão para o mercado brasileiro entre 2005 e 2009. Essa discussão está no contexto das leis que protegem o acionista minoritário e a ligação desse tema com o desenvolvimento financeiro do país. O dividendo mínimo obrigatório impediria que os acionistas controladores deixassem de pagar dividendos para utilizar os recursos como bem entendessem, mas pode ter o efeito negativo de reduzir os recursos livres para serem investidos. Apenas cinco países adotam essa regra, Chile, Colômbia, Grécia e Venezuela, além do Brasil.

Como mencionado, as sociedades anônimas brasileiras precisam pagar 25% do lucro em dividendos, mas há maneiras legais de pagar menos dividendos. Uma delas é através da constituição de reservas. Os autores interpretaram isso como uma manobra, mas esse também é um ponto obrigatório pela mesma lei 6.404 (artigo 193). A sociedade deve provisionar 5% do lucro líquido, antes de qualquer outra destinação, em reservas legais, que não podem exceder 20% do capital social. Logo, empresas com reservas legais abaixo de seu limite devem fazer essa reserva. O dividendo mínimo obrigatório é pago em cima do lucro após reserva legal, de forma que o mínimo passaria a 23,75% nesse caso (ou seja, 25% sobre 95% do lucro). Em média, 41,49% das empresas pagaram dividendos abaixo do obrigatório, mas muito por conta desse fator.

Em média, 21% das empresas lucrativas não pagam dividendos, aproveitando-se da brecha deixada pela lei para reterem dividendos se a administração considerar que isso é do interesse da companhia. Porém, o comportamento não é persistente, justamente pelo artigo 111 da lei das S/As, que estabelece o direito a voto para as ações preferenciais caso a companhia não pague dividendos por três anos consecutivos (ou menos, se assim estabelecer o estatuto), direito que permanece até que a empresa pague cumulativamente os dividendos devidos.

A atuação da CVM pode coibir a retenção indevida de dividendos, já que essas situações passam pelo crivo da autarquia e pode resultar em punições aos administradores caso a retenção seja injustificada. Nesse ponto, há ainda em curso um polêmico (e complexo) caso que envolve a Eletrobras, que reteve dividendos por décadas e que está sendo alvo de um processo administrativo na CVM para que pague o que deve.

Dessa forma, as empresas procuram brechas na lei para distribuir dividendos menores, mas encontram restrições na lei. E qual é o seu efeito? As empresas de capital aberto no Brasil pagaram, no período de análise, retorno sobre dividendos de 2,29% contra 1,38% nos Estados Unidos, onde não há essa regra (me pergunto se não seria melhor comparar com um país mais parecido com o Brasil). Mesmo estimando que as empresas americanas recompram mais ações, o retorno seria de apenas 1,9%, ainda abaixo das empresas brasileiras. Apesar da lei, menos empresas pagam dividendos no Brasil na comparação com os Estados Unidos, 57% contra 67%. Diferenças no tamanho das empresas não explica essa diferença de comportamento.

Empresas mais lucrativas são mais propensas a distribuir dividendos tanto aqui quanto nos Estados Unidos. No Brasil, porém, a distribuição de dividendos cai mais do que nos Estados Unidos considerando os grupos com menor rentabilidade.

Outra questão é sobre se os dividendos obrigatórios reduzem os investimentos das companhias abertas. Para analisar essa questão, os autores utilizam uma regressão em dois estágios, no primeiro procurando determinar a probabilidade da empresa pagar dividendos e no segundo utilizando esse fator para analisar o investimento realizado pela empresa. A conclusão dessa análise é a de que o pagamento de dividendos não afeta a capacidade de investimento, logo, a obrigatoriedade de pagamento não parece afetar as decisões financeiras da empresa.

Dessa forma, a regra brasileira de dividendos aumenta a distribuição de dividendos para empresas lucrativas, reduziu o dividendos das empresas menos lucrativas e não mostrou efeito negativo no investimento corporativo.

Theo Cotrim Martins e Walter Novaes.

Journal of Corporate Finance. Volume 18. Ed. 4. 2012

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