Pretendo de tempos em tempos dedicar um texto para comentar uma certa edição de alguma revista. Não pretendo fazer isso regularmente para todas as revistas que leio, só de vez em quando.
A primeira revista que comentarei é a Valor Investe nº. 25, que veio junto com a edição do dia 05/02/2009 do Valor Econômico (para assinantes). Três reportagens que chamaram a atenção.
Empresas recompram bilhões em ações – Derivativos, de novo
A primeira é sobre os programas de recompra de ações e a segunda sobre empréstimos com taxas atreladas ao rendimento das ações (como o Total Return Swap).
Em Finanças Corporativas, existem três tipos de decisões a serem tomadas: de investimentos, de financiamento e de distribuição de resultados. O texto fala um pouco de cada decisão, nem sempre em bons contextos.
Investimentos: Basicamente, a empresa deve investir em projetos que tenham Valor Presente Líquido (VPL) positivo, que tenham rendimento acima do custo de capital. Comprar ações da própria empresa a um preço abaixo de seu valor é fazer um investimento de VPL positivo. A empresa está certa em recomprar ações com esse objetivo? Na minha opinião, não. Se a empresa fizer isso, irá acrescentar um outro componente ao lucro ou prejuízo da empresa, as suas operações com ações. Se a empresa acertar, isso aumenta o lucro; se errar, gera uma despesa que reduz o lucro. Ao fazer isso, adiciona riscos que os investidores não gostariam de correr. Os administradores da empresa conhecem bem o negócio da empresa e a empresa (como organização) dispõe de recursos e competências para operar de forma a aproveitar as oportunidades de seu mercado de uma forma que os acionistas, sozinhos, não podem fazer. O risco que os acionistas aceitam correr é o risco do negócio, os riscos da competência do administrador e da eficiência da empresa. Esse risco se reflete nas variações das ações e na classificação de crédito da empresa. Mas nada disso diz que a empresa ou seus administradores são competentes como operadores de mercado financeiro. Se o acionista quiser correr esse tipo de risco (volatilidade das ações) além do que já corre, seria mais eficiente procurar um especialista (um banco ou uma empresa de fundos de investimento, por exemplo) ou ele mesmo aumentar a exposição de seu patrimônio às ações da empresa. Apesar dos administradores terem melhores condições de julgarem se a empresa está subavaliada (por terem mais informações), há outras maneiras de beneficiar os acionistas com isso.
Financiamento: O Total Return Swap é um financiamento que paga juros mais a desvalorização das ações da empresa (ou,se as ações subirem, desconta-se dos juros a valorização, a empresa podendo lucrar se as ações subirem muito). Não me parece ser uma boa opção de financiamento. Os argumentos contrários são parecidos com os usados há pouco: esse derivativo aumenta o risco da empresa (a variabilidade dos resultados) de uma forma que não beneficia os acionistas. Se alguém desejar aumentar a sua exposição às ações, pode comprar mais, não precisa que os resultados variem com a variação no resultado das ações. Só faria sentido fazer tal operação se a empresa estivesse perto da falência, pois, nesse caso, o risco de perdas não aumentaria (o máximo a se perder ainda é 100%), mas aumenta o risco de ganhos. Se a empresa melhorar, ganha duplamente; se piorar, quebra de qualquer jeito. Porém, é muito difícil o banco aceitar fazer tal operação. A CSN, que usou por 5 anos esse financiamento, está bem longe de estar à beira da falência.
Esses argumentos também servem para os derivativos cambiais que empresas como a Sadia e a Aracruz utilizaram. Essas empresas são competentes no processamento de alimentos e na produção de celulose, respectivamente. Mas não há motivos para acreditar que sejam bons em antecipar os movimentos do dólar. Ao se exporem desnecessariamente ao câmbio, não fazem nada que os acionistas não poderiam fazer. Se eu acho que o dólar vai continuar baixo, eu mesmo faço uma operação vendida de dólar, não preciso que as empresas onde tenho participações façam isso.
Distribuição de Resultados: É essa a melhor maneira de encarar a recompra de ações. A empresa obteve lucro e aumentou o seu caixa. Pode distribuir os seus resultados na forma de dividendos ou na forma de recompra de ações. A recompra de ações é especialmente boa quando a ação está subavaliada e quando há o posterior cancelamento das ações recompradas. Usa-se o caixa para diminuir o número de ações em circulação e gerar um ganho para os acionistas que permaneceram (se as ações realmente estiveram subavaliadas). Essa operação é neutra no resultado da empresa, não gera lucro ou prejuízo. Mas se a empresa tiver bons projetos de investimento, não deveria distribuir resultados de forma alguma, sendo melhor para os acionistas guardar esse dinheiro para futuros investimentos. No atual momento, é ainda mais recomendável guardar o caixa para investimentos, já que os mercados primários de dívida e de ações não são boas opções de financiamento, nas condições vigentes.
Ainda há o uso da recompra de ações para cobrir os lançamentos de opções como forma de remuneração de executivos (stock options). A empresa poderia emitir ações para cobrir essas opções, mas isso diluiria o valor da empresa, prejudicando os acionistas. Com a recompra, não há essa diluição. O texto abordou essa questão.
Nem tudo é o que parece
Outra reportagem é sobre o filão de livros de autoajuda financeira.
Pretendo, como escrevi no primeiro texto deste blog, falar sobre livros dos temas aqui abordados, só não consegui escrever sobre isso ainda. Escreverei sobre muitos livros que julgo bons, mas escreverei um texto, e apenas um, para falar, de forma genérica, dos livros ruins.
Alguns aspectos dos livros que julgo ruim foram abordados pela reportagem. Um erro é o de apelar para as emoções do leitor. É muito curioso tentar tornar argumentos mais críveis apelando para as emoções do leitor, como no primeiro parágrafo da reportagem. Outro erro é o da obviedade rasteira. Certas obviedades não são ruins. Dizer que a empresa ganha dinheiro ao gerar mais receitas do que custos e despesas é uma obviedade, mas é uma frase boa por explicitar os dois componentes do lucro, a receita e os custos (nem todos têm isso bem claro na cabeça). Já dizer que o primeiro passo para poupar é fazer sobrar dinheiro é uma obviedade rasteira. Equivale dizer que para esquiar na neve é obrigatório que exista neve. Poupar é praticamente sinônimo de “fazer sobrar dinheiro” (alguém pode poupar fazendo dívida, como pretendo o fundo soberano brasileiro, mas isso não é recomendável). Também, há os erros técnicos, como na explicação sobre o day trade, como relatou a reportagem. E, só para deixar claro, escrever de forma que um leigo possa entender não é uma característica ruim (nem no meu texto nem na reportagem há menções sobre isso, comentei só para evitar um mal entendido). Existem bons livros para leigos e maus livros para leigos.
Por último, um comentário sobre a capa. Por mais que possa ter mulheres que leiam a revista, a revista não é uma revista feminina (de assuntos feminino). Escolher uma cor eminentemente feminina (rosa) para colocar na capa me parece totalmente inadequado. Ainda bem que não tive que circular por ai com essa revista em mãos!
A primeira revista que comentarei é a Valor Investe nº. 25, que veio junto com a edição do dia 05/02/2009 do Valor Econômico (para assinantes). Três reportagens que chamaram a atenção.
Empresas recompram bilhões em ações – Derivativos, de novo
A primeira é sobre os programas de recompra de ações e a segunda sobre empréstimos com taxas atreladas ao rendimento das ações (como o Total Return Swap).
Em Finanças Corporativas, existem três tipos de decisões a serem tomadas: de investimentos, de financiamento e de distribuição de resultados. O texto fala um pouco de cada decisão, nem sempre em bons contextos.
Investimentos: Basicamente, a empresa deve investir em projetos que tenham Valor Presente Líquido (VPL) positivo, que tenham rendimento acima do custo de capital. Comprar ações da própria empresa a um preço abaixo de seu valor é fazer um investimento de VPL positivo. A empresa está certa em recomprar ações com esse objetivo? Na minha opinião, não. Se a empresa fizer isso, irá acrescentar um outro componente ao lucro ou prejuízo da empresa, as suas operações com ações. Se a empresa acertar, isso aumenta o lucro; se errar, gera uma despesa que reduz o lucro. Ao fazer isso, adiciona riscos que os investidores não gostariam de correr. Os administradores da empresa conhecem bem o negócio da empresa e a empresa (como organização) dispõe de recursos e competências para operar de forma a aproveitar as oportunidades de seu mercado de uma forma que os acionistas, sozinhos, não podem fazer. O risco que os acionistas aceitam correr é o risco do negócio, os riscos da competência do administrador e da eficiência da empresa. Esse risco se reflete nas variações das ações e na classificação de crédito da empresa. Mas nada disso diz que a empresa ou seus administradores são competentes como operadores de mercado financeiro. Se o acionista quiser correr esse tipo de risco (volatilidade das ações) além do que já corre, seria mais eficiente procurar um especialista (um banco ou uma empresa de fundos de investimento, por exemplo) ou ele mesmo aumentar a exposição de seu patrimônio às ações da empresa. Apesar dos administradores terem melhores condições de julgarem se a empresa está subavaliada (por terem mais informações), há outras maneiras de beneficiar os acionistas com isso.
Financiamento: O Total Return Swap é um financiamento que paga juros mais a desvalorização das ações da empresa (ou,se as ações subirem, desconta-se dos juros a valorização, a empresa podendo lucrar se as ações subirem muito). Não me parece ser uma boa opção de financiamento. Os argumentos contrários são parecidos com os usados há pouco: esse derivativo aumenta o risco da empresa (a variabilidade dos resultados) de uma forma que não beneficia os acionistas. Se alguém desejar aumentar a sua exposição às ações, pode comprar mais, não precisa que os resultados variem com a variação no resultado das ações. Só faria sentido fazer tal operação se a empresa estivesse perto da falência, pois, nesse caso, o risco de perdas não aumentaria (o máximo a se perder ainda é 100%), mas aumenta o risco de ganhos. Se a empresa melhorar, ganha duplamente; se piorar, quebra de qualquer jeito. Porém, é muito difícil o banco aceitar fazer tal operação. A CSN, que usou por 5 anos esse financiamento, está bem longe de estar à beira da falência.
Esses argumentos também servem para os derivativos cambiais que empresas como a Sadia e a Aracruz utilizaram. Essas empresas são competentes no processamento de alimentos e na produção de celulose, respectivamente. Mas não há motivos para acreditar que sejam bons em antecipar os movimentos do dólar. Ao se exporem desnecessariamente ao câmbio, não fazem nada que os acionistas não poderiam fazer. Se eu acho que o dólar vai continuar baixo, eu mesmo faço uma operação vendida de dólar, não preciso que as empresas onde tenho participações façam isso.
Distribuição de Resultados: É essa a melhor maneira de encarar a recompra de ações. A empresa obteve lucro e aumentou o seu caixa. Pode distribuir os seus resultados na forma de dividendos ou na forma de recompra de ações. A recompra de ações é especialmente boa quando a ação está subavaliada e quando há o posterior cancelamento das ações recompradas. Usa-se o caixa para diminuir o número de ações em circulação e gerar um ganho para os acionistas que permaneceram (se as ações realmente estiveram subavaliadas). Essa operação é neutra no resultado da empresa, não gera lucro ou prejuízo. Mas se a empresa tiver bons projetos de investimento, não deveria distribuir resultados de forma alguma, sendo melhor para os acionistas guardar esse dinheiro para futuros investimentos. No atual momento, é ainda mais recomendável guardar o caixa para investimentos, já que os mercados primários de dívida e de ações não são boas opções de financiamento, nas condições vigentes.
Ainda há o uso da recompra de ações para cobrir os lançamentos de opções como forma de remuneração de executivos (stock options). A empresa poderia emitir ações para cobrir essas opções, mas isso diluiria o valor da empresa, prejudicando os acionistas. Com a recompra, não há essa diluição. O texto abordou essa questão.
Nem tudo é o que parece
Outra reportagem é sobre o filão de livros de autoajuda financeira.
Pretendo, como escrevi no primeiro texto deste blog, falar sobre livros dos temas aqui abordados, só não consegui escrever sobre isso ainda. Escreverei sobre muitos livros que julgo bons, mas escreverei um texto, e apenas um, para falar, de forma genérica, dos livros ruins.
Alguns aspectos dos livros que julgo ruim foram abordados pela reportagem. Um erro é o de apelar para as emoções do leitor. É muito curioso tentar tornar argumentos mais críveis apelando para as emoções do leitor, como no primeiro parágrafo da reportagem. Outro erro é o da obviedade rasteira. Certas obviedades não são ruins. Dizer que a empresa ganha dinheiro ao gerar mais receitas do que custos e despesas é uma obviedade, mas é uma frase boa por explicitar os dois componentes do lucro, a receita e os custos (nem todos têm isso bem claro na cabeça). Já dizer que o primeiro passo para poupar é fazer sobrar dinheiro é uma obviedade rasteira. Equivale dizer que para esquiar na neve é obrigatório que exista neve. Poupar é praticamente sinônimo de “fazer sobrar dinheiro” (alguém pode poupar fazendo dívida, como pretendo o fundo soberano brasileiro, mas isso não é recomendável). Também, há os erros técnicos, como na explicação sobre o day trade, como relatou a reportagem. E, só para deixar claro, escrever de forma que um leigo possa entender não é uma característica ruim (nem no meu texto nem na reportagem há menções sobre isso, comentei só para evitar um mal entendido). Existem bons livros para leigos e maus livros para leigos.
Por último, um comentário sobre a capa. Por mais que possa ter mulheres que leiam a revista, a revista não é uma revista feminina (de assuntos feminino). Escolher uma cor eminentemente feminina (rosa) para colocar na capa me parece totalmente inadequado. Ainda bem que não tive que circular por ai com essa revista em mãos!
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