sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Ouro

Em momentos de crises (pequenas, médias ou grandes) é muito comum exaltar a maravilha que é investir em ouro (também em renda fixa e ações “defensivas”). O argumento mais comum é comparar a rentabilidade do ouro e de um índice acionário. Em 2008, por exemplo, o ouro subiu 32,13% enquanto o Ibovespa caiu 41,22%. Mas isso só nos diz parte da história. Para analisar esse investimento, devemos abranger um período de tempo maior e levar em conta também o risco do investimento.

Algumas características financeiras do ouro. O risco de crédito (de inadimplência) é quase zero. É difícil imaginar que a humanidade deixe de valorizar o ouro e este passe a ter valor zero, ao contrário de uma empresa, que por mais história e por melhor que pareça estar, pode vir a se tornar inadimplente e quebrar. Ouro como uma categoria tem risco praticamente zero de inadimplência, mas uma certa quantidade de ouro possui risco maior. Ativos reais podem ser danificados (uma casa pode pegar fogo, por exemplo) e também podem ser perdidos (roubados, furtados, esquecidos, etc.). O investidor pode se proteger desses riscos contratando um seguro e custodiando o ativo em algum lugar. Porém, isso aumenta os custos de possuir ouro.

Mesmo utilizando-se um seguro, o ouro não passa a ser um ativo isento de risco. Para que um ativo seja considerado livre de risco, a possibilidade de inadimplência deve ser praticamente nula e não deve haver incerteza sobre o reinvestimento dos fluxos de caixa. Como ouro não gera fluxo de caixa, essa segunda condição também é satisfeita. Porém, há o risco de mercado, o risco da volatilidade do preço (já tratado aqui).

Para estudar a volatilidade e o retorno, vou usar uma série longa de retornos mensais do ouro, de Agosto de 1994 até Janeiro de 2009. A fonte é o Banco Central do Brasil. Usarei quatro períodos: Total, 5 anos, 10 anos e 5 anos antes de 2008.

Comparação do desvio padrão do ouro e do Ibovespa:


Em todos os períodos, o ouro é menos volátil do que o Ibovespa. Quanto ao retorno



Em todos os períodos, o Ibovespa tem um rendimento superior. O que é natural, já que é um investimento de maior risco. No período de 5 anos, essa vantagem ficou praticamente nula. O motivo é óbvio e já citado: ouro subiu em 2008 e o Ibovespa caiu. O período 2003-2007 é bastante ilustrativo: até Dezembro de 2007, o ouro estava em ampla desvantagem frente ao Ibovespa e 2008 mudou totalmente esse quadro.

Em termos de prêmios por risco (diferença dos rendimentos anuais):



Outras informações úteis que as séries históricas podem fornecer são as correlações entre os dois ativos.


A correlação varia de baixa para negativa, passando por muito baixa. A implicação disso (seguindo ideias que eu já havia explicado antes, sem muito destaque para essa questão) é que é possível montar uma carteira que combine esses dois ativos com uma boa redução no risco sem redução proporcional do retorno.

Farei a simulação de uma carteira composta apenas por ouro e pelo índice Ibovespa. Não serão levados em conta os custos de transação, por questão de simplicidade. A composição será de 25% de ouro e 75% de Ibovespa, com balanceamento anual ao final de Dezembro (ou seja, depois de Dezembro, a proporção 25%-75% é restaurada).

Os resultados da carteira:



O retorno da carteira é superior ao retorno do Ibovespa na série completa e nos últimos 5 anos, mas inferior nos últimos 10 anos e no período 2003-2007. O risco, exceto na periodicidade total, é significativamente menor do que o risco do ouro.

Por fim, o retorno da carteira em determinados períodos. Primeiro, exemplos a favor:

Em Setembro de 1998, a carteira montada caiu 24,31% em relação a Dezembro de 1997 contra -35,34% do Ibovespa.

De Março de 2000 a Novembro de 2003 (ciclo mais longo de baixa, como defini antes), a carteira subiu 51,27% contra +13,26% do Ibovespa.

Em 2008, a carteira se desvalorizou 22,89% contra -41,22% do Ibovespa.

Agora, exemplos contra:

De Dezembro de 1998 até Março de 2000, o rendimento da carteira foi de 131,52% contra 162,68% do Ibovespa.

Em 2003, o rendimento da carteira foi 72,81% contra 97,34% do Ibovespa.

Além do período já mostrado, 2003-2007.

O que se nota é uma queda menos acentuada nos períodos de baixa e uma alta menor nos períodos de alta (comparando com o Ibovespa). Essa é uma definição quase perfeita de um ativo com menor risco do que outro.

A conclusão é que a baixa correlação entre os ativos abre uma oportunidade para redução do risco de uma carteira de ações, ao custo de redução no retorno esperado (mas, como visto, nem sempre com redução no risco efetivo). A baixa correlação também pode possibilitar que alguém operando no curto prazo ganhe com os movimentos do ouro com posições compradas (algo mais difícil de fazer com ações no momento). Para a composição de uma carteira de longo prazo, o que o investidor deve considerar é a possibilidade de redução no risco em troca de parte do retorno.

Estou ainda trabalhando na melhor forma de considerar os custos de transação nessa simulação. Os resultados parciais (que não mostrarei agora) indicam que os rendimentos caem (óbvio), com queda mais acentuada para ouro (que possui maiores custos), mas que as conclusões feitas permanecem as mesmas, apenas diminuindo a atratividade da estratégia de combinar ouro e ações.

Preparei uma planilha sobre o tema. Tem uma série histórica das cotações do ouro, do rendimento do Ibovespa, das análises aqui feitas e da composição da carteira. É possível inclusive mudar os pesos para verificar os efeitos no risco e no retorno.

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