segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Retorno das melhores empresas para se trabalhar

Alex Edmans
Journal of Financial Economics. Volume 101. Ed. 3. 2011

O artigo analisa o retorno de longo prazo de uma carteira composta pelas ações que fazem parte da lista de 100 melhores empresas para se trabalhar nos Estados Unidos, lista que é publicada desde 1998 pela Fortune, sendo atualizada anualmente, mas que já existia anteriormente na forma de livro lançado em 1984 e atualizado em 1993.

Se classificar para essa lista não é algo sem custo (pensando apenas em gastos legítimos...), e há duas hipóteses contrárias a respeito desse custo. A primeira é que é se trata de uma transferência de renda dos acionistas para os trabalhadores, ou seja, a empresa oferece uma série de benefícios sem que isso gere um retorno econômico para a empresa. A segunda hipótese é que, sendo o capital humano é um ativo intangível importante, gastos com a satisfação dos funcionários pode ser um investimento que gere valor, aumentando a satisfação, reduzindo a rotatividade ou influenciando outro fator que aumente a produtividade dos empregados. O estudo de retornos de longo prazo permite determinar se elevada satisfação dos funcionários cria ou destrói valor e se o mercado avalia corretamente esse fator intangível.

O autor estudou os retornos entre 1984 e 2009 das ações que compunham a lista das melhores empresas para se trabalhar formando o que chamou de Carteira I (haverá outras ao longo do estudo). No período anterior a 1998, as carteiras foram formadas em abril de 1984 (quando do lançamento do livro) e atualizada em março de 1993. Para o período posterior a 1998, como a lista da Fortune sai na primeira edição do mês, em meados de janeiro, as carteiras mudam de composição no começo de fevereiro, o que daria tempo para o mercado incorporar essa informação nos preços. A análise utiliza o modelo de três fatores adicionado do fator momentum de Carhart.

No período completo (1984-2009), a carteira de boas empregadoras gerou alfas positivos com ponderação igual ou por valor de mercado. Isso confirmaria que o capital humano é um fator importante para o desempenho da empresa e que não é precificado corretamente pelo mercado.

No período 1998-2009, a carteira ponderada igualmente obteve um alfa até maior do que no outro período, porém, ponderando por valor de mercado, o alfa não é significativo nem ao nível de 10%. O autor ressalta que o alfa da carteira ponderada por valor é maior, mas sequer cita a questão significância. Na minha opinião, isso muda algumas conclusões. Não dá para descartar que os resultados do período completo se dê por falta de informação (a lista sendo publicada na Fortune tem muito mais divulgação do que em um livro), como faz o autor.

Como teste de robustez, o autor modifica a metodologia das análises do período completo, excluindo as ações de maior e de menor retorno e estudando os retornos individuais das ações com base em uma série de características, os resultados se mantendo.

Satisfação dos funcionários é um fator intangível, que gera valor para a empresa na medida em que, em algum momento, gerará resultados tangíveis. O autor estuda essa questão analisando os anúncios de resultados das empresas, mais especificamente, surpresas com relação aos lucros, ou seja, a diferença entre o resultado efetivo e o esperado pelos analistas (com base no I/B/E/S). Analisando a surpresa nos lucros de longo prazo (cinco anos), encontra que as empresas da lista têm resultados maiores do que eram previstos. Analisando a reação às divulgações de resultados na janela de tempo de três dias (-1 e +1 em torno do anúncio), encontram que a reação positiva é bem mais acentuada para as empresas da lista do que para as demais.

A próxima questão é a longevidade dos retornos anormais. Se o período de retornos anormais for muito grande, é possível que os resultados se deem mais pela não consideração de um fator de risco do que por erro de precificação. O retorno da carteira com as boas empregadoras é comparado com o retorno do mercado, ou de empresas similares (criando-se outra carteira com empresas do mesmo setor ou com características similares, mas fora da lista). O autor utiliza tanto o retorno acumulado quando o de carteiras “comprar e segurar” (ver aqui um pouco sobre os dois métodos). Os resultados indicam que o retorno acumulado para de crescer no mês 54 após a inclusão na lista e o retorno anormal utilizando carteiras “comprar e segurar” vai se tornando insignificante entre os anos 3 e 5 (dependendo do índice de referência empregado) , indicando que o desempenho superior dessas ações eventualmente chega ao fim, o que acaba reforçando que havia um erro de precificação inicial que em algum momento é corrigido. Analisando apenas empresas que ficaram cinco anos consecutivos na lista, os resultados se mantêm basicamente os mesmos, indicando que essa queda no desempenho não se deve às saídas das empresas da lista.

Para melhor entender os resultados, o autor cria novas carteiras. A Carteira II inclui apenas as empresas listadas originalmente em 1984 e 1998 (em testes separados) e a Carteira III inclui apenas as empresas que saíram da lista. A Carteira II deve ainda mostrar alfas positivos porque inclui empresas que em algum momento estavam entre as melhores empregadoras e caso tenha desempenho inferior à Carteira I mostraria que a não persistência de retornos superiores não se deve ao fato das empresas deixarem de ser consideradas boas empregadoras. A Carteira III deve ter desempenho inferior às demais e ter retornos piores do que as referências, indicando que o mercado leva em conta esse intangível e a piora em seu capital humano se reflete nos preços.

As previsões sobre a Carteira II se confirmam. Para a Carteira III, quando se pondera igualmente, há desempenho superior à Carteira II no período 1984-1998, mas não em 1998-2009, e o alfa é positivo nos dois períodos, o que indicaria que o mercado não leva em avalia corretamente a satisfação dos funcionários. Ponderando por valor de mercado, o único resultado significativo é desempenho abaixo do referencial de setores. Para o período 1998-2009, se a ponderação por valor de mercado for a mais adequada, não é possível descartar que o mercado leve em conta o intangível do capital humano, o que resultaria em desempenho inferior para as empresas que saíram da lista

Dessa forma, o ativo intangível da satisfação dos funcionários (medida pela inclusão na lista das melhores empresas para se trabalhar) é um fator que influencia o valor da empresa, mas esse efeito só é incorporado nos preços no momento em que se materializa em resultados (em divulgações de resultados acima do esperado. O autor analisa hipóteses alternativas que poderiam explicar melhor os resultados encontrados. Uma é a de que fundos socialmente responsáveis compram ações das empresas que são incluídas na lista, o que levaria a maiores retornos, mesmo que satisfação não gere valor. O autor até identifica que fundos que têm em sua política de investimentos aplicar em empresas preocupadas com seus funcionários investem uma parcela grande nessas empresas, mas esse movimento é insuficiente para explicar parte substancial do retorno anormal. Outra hipótese é a de que o mercado subprecifica as empresas da lista por encarar isso como um mal sinal, sob a hipótese de satisfação dos funcionários destruir valor. O autor estuda o nível de avaliação das empresas (com indicadores como o Preço/Lucro), e encontra que a inclusão na lista aumenta o valor da empresa, ou seja, até incorpora o ativo intangível, mas apenas parcialmente.

Na análise de retorno de ativos, os resultados do artigo mostram uma potencial anomalia à hipótese de mercados eficientes, na medida em que o resultado esperados seria alfas não distinguíveis de zero. A esse respeito, algumas observações minhas. A primeira é que, como o próprio autor coloca, a maioria das empresas listadas são grandes, de forma que, diferente de anomalias concentradas em empresas pequenas, essa poderia ser explorada gerando retorno anormal utilizando-se informações públicas. Porém, não sei se alguém chegou a explorar essa anomalia. Falar hoje que um investidor devesse comprar as empresas listadas como boas empregadoras é uma coisa; estar em 1984 em adotar essa política é outra. Isso vai ser uma anomalia mais considerável se investir nessas ações continuar a gerar retornos anormais porque o mercado continua não precificando corretamente esse fator, algo a se observar. Como o alfa do período 1998-2009 não é significativo, é possível que não tenhamos mais uma clara oportunidade de ganhos. A redução do retorno anormal ao longo do tempo também indica que não estamos diante de uma anomalia muito consistente.

Mas os resultados são interessantes também para estratégias de investimento. A satisfação dos funcionários se mostrou um ativo intangível subvalorizado pelo mercado e que teria propiciado um excelente ganho para quem tivesse identificado isso. Incontáveis fatores podem influenciar os resultados e o valor da empresa e podem potencialmente ser usados para definir estratégias de investimento. Se a HME estiver correta, nenhuma estratégia amplamente divulgada deve ter muito sucesso, se seus resultados forem corretamente analisados. Mas uma possível fonte de alfa seria procurar algum intangível difícil de se avaliar financeiramente (como a satisfação dos funcionários) e investir com base nisso. Não deu certo no que se refere às empresas “excelentes”, mas quem sabe algum outro filtro, talvez de ISR (Investimento Socialmente Responsável), como a emissão de carbono, possa se mostrar efetivo.

Mas o artigo não era tanto sobre eficiência de mercado ou estratégias de investimento, e mais sobre o valor dos intangíveis. A conclusão é a de que a satisfação dos funcionários é um intangível valioso, mas que só tem (ou tinha) seu valor reconhecido quando se materializa(va) em lucros acima do esperado e a maior contribuição do artigo é para o estudo de ativos intangíveis.

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