No texto anterior, tratei do reajuste de cotações por eventos de custódia como dividendos e juros sobre capital próprio, que, após a sua distribuição, reduzem o preço e o valor de mercado da empresa. Isso não representa uma perda patrimonial para o investidor, mas a distribuição de proventos em dinheiro representam um desinvestimento da empresa e o não reinvestimento dos proventos um desinvestimento por parte do acionista. Nesse texto, argumento porque dividendo é desinvestimento e discuto a estratégia de “viver de dividendos”.
A empresa poderia utilizar os recursos empregados na distribuição de dividendos para realizar investimentos em capital fixo ou em capital de giro. Se não o faz, é porque a rentabilidade desses investimentos é inferior ao custo de capital, de outra forma, seria do melhor interesse dos acionistas reter o capital e utilizá-lo em investimentos. A legislação que exige o estabelecimento de uma porcentagem mínima do lucro líquido a ser distribuído em dividendos no estatuto social atrapalha um pouco essa lógica, de forma que as empresas não podem reter todo o lucro líquido. Não poderia distribuir todo o lucro em dividendos, já que precisa constituir algumas reservas (porém, se o limite das reservas for atingido, distribuir 100% do lucro se torna possível). A não retenção de lucros e a distribuição aos acionistas significa, portanto, um desinvestimento, a liberação de recursos que poderiam ser investimentos nas operações.
Para o acionista, utilizar o dividendo recebido para qualquer outra finalidade a não ser a compra de mais ações da empresa significa também um desinvestimento na empresa. Por exemplo, antes da distribuição, a ação era cotada a R$ 100, houve a distribuição de R$ 5,00 em dividendos e o preço foi reajustada para R$ 95,00. No líquido, é óbvio que não é possível todos os investidores manterem o mesmo investimento havendo a distribuição de dividendos. O reinvestimento dos proventos não é um aumento no investimento, e sim a manutenção do mesmo valor investido. Reinvestindo, o investidor manterá R$ 100,00 expostos à variação do preço da ação; sem reinvestir, terá R$ 95,00 expostos na ação. Se a ação se valorizar 10% em um período futuro, o ganho porcentual do investidor é o mesmo reinvestindo ou não os dividendos, mas a base do ganho é, no primeiro caso, o mesmo patrimônio que o investidor tinha antes da distribuição de dividendos (R$ 100) e, no segundo caso, a base é um patrimônio menor (R$ 95,00), resultando em carteira de R$ 110, no primeiro caso e R$ 104,50 no segundo.
Logo, a estratégia de viver de dividendos utilizando os dividendos como fonte de renda implica necessariamente no desinvestimento em ações. Há duas formas possíveis de se desinvestir: recebendo os proventos ou vendendo ações. Ao invés de receber os dividendos, um investidor poderia vender as ações às vésperas da distribuição de proventos, recomprar a mesma quantidade no dia seguinte e (supondo que o preço de abertura seja o preço de fechamento reajustado) sua situação seria a mesma, supondo (por um instante) ausência de custos de transação e impostos.
Outra possibilidade, mais hipotética, seria o investidor escolher entre duas ações, uma que pague dividendos e outra que não pague dividendos. Considere que o retorno total (proventos + ganho de capital) das duas ações seja o mesmo, 10%, e que a ação que pague dividendos pague à taxa de 5% do valor da ação. O investidor da ação que não paga dividendos poderia ter o mesmo rendimento vendendo 5% de suas ações, supondo (novamente, por um instante) ausência de custos de transação e impostos. A primeira reação é dizer que a segunda situação representa um desinvestimento e a segunda não. Isso já foi tratado nos parágrafos anteriores. A segunda situação poderia parecer insustentável, já que, se você ficar vendendo 5% das ações, um dia não terá nenhuma. Ora, eleve 0,95 por qualquer número que você nunca chegará a 0. Juntando as duas reações, poderia parecer que vender 5% das ações ficaria progressivamente menos efetivo para gerar a mesma renda. Não é o que ocorre. Considere que as duas ações comecem valendo R$ 100,00. Ao final do período, as duas ações valerão R$ 110,00 por terem o mesmo retorno total. Após o dividendo, a ação que paga 5% de seu valor em dividendos valerá R$ 104,50 e o investidor terá a renda de R$ 5,50. Se o investidor vender 5% de suas ações, terá 0,95 ação que vale R$ 110,00, resultando em R$ 104,50 em patrimônio e renda de R$ 5,50. No próximo período, a ação que não paga dividendos valerá R$ 109,2025 e gerará renda de R$ 5,48625. Vender mais 5% das ações que não paga dividendos resultará em 0,9025 ação que valem R$ 121,00 resultando em patrimônio de R$ 109,2025 e renda de R$ 5,4825. Os resultados das duas situações é a mesma.
Foi pedido para que se supusesse a ausência de custos de transação e impostos por um instante. Esse instante acabou. Pelo descrito nos dois parágrafos anteriores, intrinsecamente receber dividendos ou vender ações têm o mesmo resultado, um desinvestimento que resulta no mesmo patrimônio e na mesma renda. Porém, vender as ações gera custos de transação (corretagens e emolumentos, por exemplo) que o recebimento de dividendos não gera. Quanto ao imposto, se as alienações forem inferiores a R$ 20 mil ou a operação gerar prejuízo, não há o pagamento de impostos. Com vendas superiores e lucro, a venda de ações para gerar renda diminui a renda obtida, o que não ocorre com o recebimento de dividendos.
Os resultados das situações descritas também não são tão exatos porque o preço só pode ter duas casas decimais e as quantidades também devem ser números inteiros. Isso não invalida que gerar renda com dividendos ou venda de ações deveria ter o mesmo resultado, até porque não é possível determinar qual das duas situações é favorecida ou prejudica pelas duas casas decimais e quantidades inteiras.
Logo, receber renda com o recebimento de dividendos não é uma má sugestão se o investidor deseja reduzir o seu investimento. Se desejar manter o mesmo investimento, deveria reinvestir os dividendos. Nesse sentido, deixar de reinvestir e vender ações são situações análogas, resultando em redução no investimento nas ações da empresa. Mas o recebimento de dividendos é mais eficiente em termos de custos, por isso que comprar ações (de preferência, as que pagam mais dividendos) visando gerar renda com dividendos com vistas a reduzir o investimento (na aposentadoria, quando se costuma realizar o desinvestimento do patrimônio acumulado) é uma boa ideia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário