Já havia publicado um texto com dados sobre retornos de IPOs no primeiro dia de negociações, no Brasil, nos Estados Unidos e no resto do mundo. Na ocasião, não tratei nem de explicar porque há retornos tão expressivos quanto 4% em um dia e nem quais fatores influenciam esses retornos. Volto a esse tema com análises que fiz para meu trabalho de conclusão de curso. O retorno no primeiro dia (diferença do preço de fechamento no primeiro dia e o preço de lançamento) será referido aqui também como retorno inicial ou “subprecificação”.
A primeira explicação possível é a de que esse retorno seria uma compensação pelo risco. É difícil dizer que esse retorno seja fruto de um prêmio por risco. Atualmente, o retorno inicial médio é de 4,56% em um dia, o que representa 7.664.987% a.a.. Dizer que o expressivo retorno médio no primeiro dia é compensação pelo risco é atribuir um prêmio por risco de, digamos, 7.664.977% a.a., o que não faz sentido algum. Além do mais, se assim fosse, porque só investidores do primeiro dia exigiriam tal prêmio, e não os investidores nos demais dias resultando em altas expressivas para além do primeiro dia?
Embora não seja possível testar isso, também é difícil atribuir esses retornos a um erro acidental de precificação por parte dos coordenadores. O “fenômeno de underpricing” vem sendo documentado desde pelo menos a década de 1970 e, embora não sejam as mesmas pessoas que trabalhem nessas ofertas, 40 anos é tempo suficiente para não cometer mais erros de precificação. Ao invés de um acidente, é mais plausível que os preços sejam propositalmente colocados a um preço inferior à avaliação do mercado no primeiro dia.
Há diversas teorias sobre essa prática, muitas analisando a subprecificação do ponto de vista das assimetrias de informação. Uma teoria (Baron e Holmström (1980)) diz haver assimetria informacional entre bancos coordenadores e demais participantes, com a empresa delegando aos coordenadores a decisão de definir o preço e os bancos subprecificando para ganharem negócios com os seus clientes, a empresa aceitando isso por ter pouco conhecimento sobre o preço que o mercado aceitaria. Outra teoria (Benveniste e Spindt (1989)), é a de que os investidores são mais bem informados do que a empresa emissora, e a subprecificação seria uma compensação para investidores mais bem informados revelaram suas informações e assim aumentarem o preço em relação ao que poderia ser, sob pena de ficarem fora da oferta. Segundo Allen e Faulhaber (1989), pode ocorrer da empresa emissora ser mais bem informada, podendo ocorrer o problema dos “lemon cars”, resolvido pela empresa por meio da sinalização de maior qualidade, a subprecificação (um sinal custoso) sendo um desses sinais. Por fim, segundo Rock (1986), há assimetria de informações entre os investidores, havendo os bem e os mal informados, e havendo ofertas boas e ruins. Se os preços forem definidos sem subprecificação, apenas investidores bem informados participariam das ofertas e as ofertas ruins não seriam realizadas. A subprecificação geral seria uma maneira de atrair investidores mal informados e assim viabilizar mais ofertas.
Há outras explicações que não partem da premissa de assimetria de informações. Conforme Booth e Booth (2010), pode haver divergência de opinião entre investidores, com alguns atribuindo elevado preço e outros um preço inferior. Sem rateio ou necessidade de dispersão acionária, os investidores mais otimistas levariam toda a oferta e poderia não haver subprecificação. Porém, para dispersar a base acionária (por desejo da empresa ou requisito da bolsa), um número maior de investidores devem participar da oferta, o que pode acabar rateando os pedidos dos investidores mais otimistas. No mercado secundário, esses investidores comprariam o que não conseguiram na oferta inicial, elevando o preço da ação. Pode haver também não só uma avaliação diferente por parte dos investidores, mas um excesso de otimismo irracional que levaria a preços maiores no mercado secundário. A divergência de opiniões e o excesso de otimismo são maiores quando há mais incerteza sobre a empresa, de forma que quanto mais incerta a empresa emissora for, maior deveria ser o retorno inicial. A incerteza também influencia outras teorias, como a de assimetria entre os investidores, de forma que espera-se que empresas mais incertas (que tenham prejuízos, mais jovens, menores etc.) gerem maiores retornos iniciais. Segundo Brennan e Frank (1997), a empresa emissora pode desejar maior dispersão acionária, de forma a evitar que novos acionistas assumam parte relevante do capital social, a subprecificação sendo um meio de atrair mais investidores e, com isso, aumentar o rateio.
Outra explicação seria a de que os coordenadores subprecificam para evitar litígios futuros com investidores insatisfeitos, porém, essa hipótese não se comprovou quando testada. A subprecificação pode também servir para que os coordenadores atraiam novos investidores para novas ofertas, o que os beneficiaria. Também poderia servir como forma de reduzir os custos de divulgação da oferta, poderia “comprar” cobertura de analistas e poderia servir para gerar negócios no mercado secundário, principalmente nos dias seguintes à oferta. Por fim, as empresas e os acionistas vendedores podem não se importar com a subprecificação, pois descobrem que as ações valem mais do que esperavam inicialmente, de forma que um retorno expressivo no primeiro dia é algo mais a se comemorar do que lamentar. Como é conveniente para os coordenadores a subprecificação, ficaria tudo por isso mesmo.
Resumindo, a subprecificação pode ser explicada pela incerteza (juntamente com a assimetria de informações) que cerca as ofertas iniciais (o retorno inicial aumentando com a incerteza), pelo desejo da empresa emissora em dispersar a base acionária e por relações entre o banco coordenador e as empresas emissoras.
Essas teorias são testadas empiricamente (às vezes, no mesmo artigo que apresenta a teoria), geralmente por meio de regressões múltiplas. O principal resultado de meu TCC foi uma regressão múltipla desse gênero. Fiz análises com dados esperados (conhecidos até o final do período de reservas, indicando as informações conhecidas por um eventual investidor) e com dados efetivos. O primeiro tipo de análise indica se os retornos iniciais são previsíveis e o segundo tipo procura explicar os retornos. Os resultados estão resumidos na tabela abaixo:
A principal diferença entre os resultados da análise (1), com dados esperados, e os demais, com dados efetivos, é a significância do volume efetivo, insignificante com dados esperados e tendo efeito positivo e significativo com dados efetivos. A variável que indica as BDRs é marginalmente significante no modelo (2) e insignificante nos demais.
Resumindo, afetam positivamente os retornos iniciais: Revisão de preço para cima em relação à faixa de inicial de preços, idade da empresa, retorno do Ibovespa três dias antes do encerramento das reservas, retorno do Ibovespa entre o primeiro dia de negociações e o último dia do período de reservas, o fato da empresa fazer novos investimentos e o retorno das três últimas ofertas realizadas. Afetam negativamente: Porcentagem de oferta primária e a revisão de preço para baixo em relação à faixa inicial.
A análise foi diferente da apresentada em meu TCC. Atualizei os dados incluindo algumas ofertas, corrigi alguns dados errados e modifiquei o modelo de regressão, excluindo algumas variáveis e mudando outras. O r-quadrado piorou, mas julgo que a análise faz mais sentido agora, além de estar mais correta. Continua não sendo nenhum primor estatístico, mas tem resultados interessantes.
A análise não confirma haver relação entre incerteza e retornos iniciais. Ofertas maiores, com menor porcentagem de oferta primária e de empresas mais velhas são menos incertas e tiveram maior retorno no mercado brasileiro. A variável NOVOS_INV tem sinal positivo, sendo coerente com a hipótese da incerteza, mas, além de ser só uma variável, me parece agora que apenas contrabalança a porcentagem de oferta primária. Algumas variáveis indicam haver a incorporação de novas informações com os sinais esperados, como a revisão de preços (para cima ou para baixo), o retorno do Ibovespa antes do início da oferta e o retorno das últimas ofertas.
Minha análise não resulta em um modelo para prever retornos de IPOs e, com isso, escolher as que irão ter melhor desempenho inicial e ignorar as demais. Apesar de haver um bom número de variáveis significativas, o erro-padrão é de 8,2%, grande demais se comparado com a média de pouco menos de 5%.
Não consigo explicar porque incerteza e retornos não se relacionam no mercado brasileiro. Talvez isso se deva ao perfil das empresas que foram a mercado entre 2004 e 2011. Como havia muitas empresas grandes e bem estabelecidas indo à mercado, talvez o mercado demandasse mais nessas ofertas e menos nas menores. Apesar de se dizer que houve um “boom” de IPOs, o número ainda é ridiculamente baixo se comparado com outros mercados. Talvez isso mude quando empresas pequenas comecem a ir à mercado em ondas, repetindo 2007 quanto ao número de ofertas. Havendo uma série de empresas pequenas e médias indo a mercado, talvez o retorno inicial das mais incertas seja maior. Outra hipótese é a de que os juros brasileiros sendo altos tiram espaço das ações e, principalmente, das novas emissões, havendo maior interesse nas empresas menos incertas. Sem maiores análises, só posso fazer hipóteses.
Semanalmente, vou discutir aqui uma variável de interesse no estudo de retornos no primeiro dia, revisando a teoria subjacente, as evidências (inclusive de meu TCC) e mostrando alguns dados interessantes das ofertas brasileiras.
É possível ler meu TCC no Scribd, em duas versões. Na primeira, é o trabalho exatamente da forma como entreguei. Na segunda, com algumas correções de erros ortográficos, complemento de trechos que ficaram indevidamente vazios e reescrita de algumas partes. Talvez faça uma terceira versão, com as análises atualizadas, mas isso leva mais tempo. No começo do trabalho, há uma revisão teórica sobre muitos temas acessórios. Lá pela página 40 começa o conteúdo mais relevante sobre o tema do trabalho.Pretendo ainda transformar o trabalho em artigo, que tornaria mais interessante de ler (115 páginas é um exagero que até pretendia ter evitado). Os comentários no blog sobre a minha pesquisa levarão em conta as análises atualizadas.
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