Na segunda parte da série sobre retornos inicia de IPOs, vou tratar da porcentagem de oferta primária, um fator que se mostrou bastante significativo para explicar os retornos das ofertas iniciais. Começo com as hipóteses sobre seu efeito (positivo ou negativo) e depois os dados para o mercado brasileiro. Parte do texto é tirada de meu TCC.
As ofertas de ações (incluindo as iniciais) podem ser primárias (com a emissão de novas ações e venda aos investidores como forma de captar recursos), secundária (com a venda de ações já existentes por parte de atuais acionistas) ou mista (combinação de primária com secundária). Uma variável frequente no estudo do efeito da emissão ou não de ações nos retornos é a porcentagem de oferta primária, 100% para ofertas primárias, 0% para secundárias e entre os dois valores nas mistas.
Maior porcentagem de oferta primária poderia ser visto como um sinal positivo, um bom indicativo das perspectivas futuras das empresas, e uma menor porcentagem como um sinal negativo, com os atuais acionistas agindo oportunisticamente para vender caro as ações que possuem.
Na imprensa especializada, há o senso comum de que os investidores deveriam preferir ofertas primárias a ofertas secundárias. O motivo seria que “o investidor quer aplicar seu dinheiro na empresa para fazê-lo render, não pagar a saída do sócio” (ver aqui) ou seja, os investidores preferem ofertas que “agreguem valor”. Quando ofertas secundárias ou com parcela de oferta secundária sobem no primeiro dia, diz-se que as ações subiram apesar da parcela secundária (ver aqui sobre a Brasil Insurance). Quando caem, atribui-se ao fato dos recursos da oferta estarem indo para os acionistas vendedores, não para a empresa (ver aqui como exemplo no caso da Tivit). A consequência é o conselho de investir preferencialmente em ofertas primárias ou com maior proporção de oferta primária (ver aqui e aqui).
Empresas que realizam ofertas secundárias permanecerão parecidas com o que eram antes da IPO (fora o fato de agora ser uma companhia aberta), enquanto que empresas que realizam ofertas primárias podem sofrer grandes transformações, por isso sendo mais incertas. Uma interpretação da teoria das opiniões divergentes levaria à conclusão de que ofertas primárias, por serem mais incertas, deveriam ter maiores retornos no curto prazo. Beatty e Ritter (1986) encontraram uma relação positiva entre o número de usos dos recursos da oferta (o valor nulo sendo atribuído às ofertas secundárias) e retornos iniciais. Ljungqvist e Wilhelm (2003) encontraram tímidas evidências de que maior proporção de secundária diminui os retornos. Prasad (1994), porém, não encontrou diferenças de retornos de ofertas mistas e puramente primárias no primeiro dia de negociações, mas encontrou evidências de maior subprecificação nas ofertas mistas no prazo de um mês. A pequena amostra restringida territorialmente a uma parte dos Estados Unidos e restrita ao mercado de balcão torna essas evidências menos fortes. Brau et. al. (2007) também não encontraram relações significativas. Zierth (2008) encontrou algumas evidências de que uma maior participação da oferta primária na oferta total tem efeito negativo no retorno no primeiro dia no mercado brasileiro. Porém, isso ocorre apenas em uma das oito regressões realizadas pelo autor.
No mercado brasileiro, segundo meus cálculos, para as ofertas realizadas entre 2004 e 2011 (Natura-Abril Educação), o retorno médio das ofertas 100% primárias foi de 0,55%, para as mistas 5,87% e para as 100% secundárias 11,59%. A média das primárias é estatisticamente diferente das demais, mas, devido à alta variância do retorno das ofertas secundárias (2,32%), não é possível descartar que a diferença de retorno médio das mistas e secundárias seja nula. Ou seja, ofertas 100% primárias têm desempenho pior do que as demais. Também não há diferença significativa entre as ofertas mistas com mais de 50% de oferta primária e com menos de 50%. Separando a população em duas partes baseado na porcentagem de oferta primária, a metade de cima (com mais primária) teve retorno médio de 2,11% contra a metade inferior de 7,08%, a diferença sendo estatisticamente significativa.
Na análise multivariada, o coeficiente da variável que indica a porcentagem de oferta primária é sempre negativo, por volta de 8% utilizando dados esperados ou efetivos. A análise multivariada inclui variáveis que indicam a destinação dos recursos (exclusivamente para ofertas primárias e mistas). Algum tempo depois de fazer a análise, me preocupei com a variável “Novos investimentos”, que indica a intenção da empresa utilizar os recursos para novos investimentos (contrariamente a financiar investimentos em curso), com coeficiente de 4,5% e estatisticamente significativo. 61,2% das ofertas (excluindo as secundárias) tem essa intenção. Futuramente, vou excluir as variáveis de destinação de recursos e verificar como isso muda os resultados.
Apenas duas das treze ofertas secundárias tiveram queda no primeiro dia (as mais recentes, Tivit e Cetip) e uma (Localiza) teve variação neutra. A oferta que mais subiu no primeiro dia (Bovespa Holding, +52,13%) era secundária e a que mais caiu (Le Lis Blanc, -20,00%) era primária.
Esses resultados não estão de acordo com a hipótese de que maior incerteza leva a maiores retornos (ver primeira parte da série). Semana que vem, trato de outra variável, o volume da oferta, que mostrará conclusão semelhante ao terem relação positiva com o retorno inicial.
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