Aproveitando o lançamento recente da pesquisa 2011 da Exame e da Você S/A, duas pesquisas sobre o efeito do relacionamento com funcionários em uma variável financeira em dois textos: no primeiro (este) com relação à estrutura de capital e no próximo com o retorno das ações.
Bae et al. (2011) analisaram a relação entre tratamento dispensado aos funcionários e alavancagem financeira, sob a hipótese de haver relação negativa, ou seja, empresas que melhor tratam seus funcionários são menos endividadas. Se melhores relações com os funcionários fazem parte da estratégia da empresa para obter maior comprometimento, manifestado no que chamam de “investimentos específicos na firma” por parte dos trabalhadores, a empresa deve manter baixo endividamento para oferecer incentivos a esses investimentos específicos. Além disso, a empresa mais endividada pode passar a ter dificuldades financeiras e isso poderia levar à decisão de demitir ou cortar benefícios para aliviar esses problemas no curto prazo. Para manter reputação de boa empregadora, a empresa deveria ser menos alavancada. Outra explicação é a de que empresas muito endividadas podem ter que abrir mão de alguns bons projetos de investimento, incluindo em capital humano. Se a dívida serve como disciplinadora da administração, evitando investimentos excessivos, firmas mais alavancadas poderiam investir menos em relacionamento com funcionários porque esse não seria um bom investimento nesse caso. A primeira explicação (sinalização de comprometimento) prevê que a estrutura de capital é consequência do relacionamento com empregados, enquanto as outras duas mostram que a estrutura de capital determina o relacionamento, sendo que uma prevê subinvestimento e a outra prevenção a investimentos excessivos.
Os autores analisaram empresas americanas no período 2003-2007 utilizando a base de dados KLD-SOCRATES. Essa base atribui uma série de notas para as práticas das empresas, o indicador utilizado pelos autores sendo a soma de cinco notas (de 0 a 1) nas seguintes áreas: Relação com sindicatos; Compartilhamento de lucros; Incentivos à participação acionária por parte dos funcionários; Benefícios previdenciários; benefícios de saúde e programas de segurança.
Na análise univariada, empresas com nota superior a 0 são menos alavancadas do que as com nota igual a zero, sendo que não há diferença significativa de tamanho (um dos fatores que poderiam explicar a diferença no endividamento), confirmando a hipótese inicial. Na análise multivariada que estuda a alavancagem utilizando dados de mercado ou contábeis, controlando por outros determinantes da alavancagem (tamanho, P/VPA, rentabilidade, gastos em P&D etc.), o indicador de tratamento dos funcionários tem coeficiente negativo e estatisticamente significativo, mostrando a relação negativa entre tratamento dos funcionários e endividamento.
A forma como a análise foi feita pode indicar que a alavancagem varia entre as empresa ou das empresas ao longo do tempo (ou seja, as empresas mudam seu relacionamento com os funcionários e também a estrutura de capital). Análises adicionais mostram que é mais forte o impacto das variações entre as empresas, embora mudanças temporais também sejam significativas. A análise original também não deixa claro que a variação entre empresas ocorre dentro dos setores ou entre os setores, ou seja, se as empresas se diferenciam de seus pares ou se a indústria acaba determinando o relacionamento com empregados e a alavancagem. Os resultados indicam que diferenças ao longo dos setores são um pouco mais importantes.
Em seguida, os autores examinam qual das explicações fornecidas inicialmente determinam os resultados observados. O primeiro passado é determinar se o relacionamento com os funcionários é causa ou consequência. Utilizam as mudanças na alavancagem e as mudanças no índice de relacionamento como variáveis dependentes em duas análises separadas, utilizando como variáveis independentes uma série de variáveis, incluindo mudanças passadas na outra variável. Encontram que mudanças na alavancagem têm relação com mudanças no índice de relacionamento, mas não vice-versa, indicando que a estrutura de capital é consequência do tratamento dispensado aos funcionários, não causa.
Em seguida, escolhem variáveis que indicam as diferentes explicações e separam as empresas em um grupo com as 30% empresas com mais e as 30% com menos dessa característica. Por exemplo, escolhem as 30% empresas com maior P/VPA e as 30% com menor P/VPA. Em seguida, repetem as análises multivariadas e encontram o coeficiente do indicador de relacionamento para os dois grupos, comparando esses coeficientes e determinando se a diferença entre eles é significativa e se a magnitude dos coeficientes é compatível com a hipótese adotada. Para o P/VPA, encontram diferenças significativas, mas diferente do esperado. Espera-se que empresas com alto P/VPA sejam de maior crescimento, o que aumentaria a redução na dívida por conta do relacionamento com funcionários (o coeficiente é mais negativo). Porém, encontrou-se o contrário, com empresas de menor P/VPA tendo coeficiente mais negativo. Para crescimento de vendas, os coeficientes não são estatisticamente diferentes, o que indica que a relação encontrada não se deve a empresas com maiores oportunidades de investimento (incluindo em capital humano) se alavancando menos. A outra explicação, a de que a dívida impede investimentos excessivos, é testada com quatro variáveis diferentes, nenhuma gerando coeficientes diferentes nos dois grupos.
A explicação da possibilidade de dificuldades financeiras é testada separando as firmas em termos de tamanho, utilizando a mediana dessa vez, e a proporção de empresas com EBIT negativo dentro do setor. O efeito do relacionamento com funcionários na dívida é maior nas empresas menores e a diferença do coeficiente entre os dois grupos é significativa, confirmando que empresas com maior probabilidade de enfrentarem dificuldades financeiras (as menores) diminuem a alavancagem por conta de melhor tratamento com os funcionários.
Quanto aos investimentos específicos, gastos maiores em P&D (em relação ao número de funcionários) representam maiores investimentos específicos, assim como a existência de grandes clientes (responsáveis por 10% ou mais da receita). Essas empresas têm menos usos alternativos para os ativos e seus funcionários tendem a se especializar mais. As análises confirmam que empresas que gastam mais em P&D e tem clientes grandes reduzem mais a dívida por terem melhor relacionamento com os funcionários.
Por fim, há a explicação de que as empresas devem manter reputação de boa empregadora para atrair e reter talentos, o baixo endividamento sendo um sinal positivo. Isso é testado separando as empresas em termos de índice de rotatividade da indústria e competição no setor. A hipótese é a de que em setores de baixa rotatividade os funcionários são mais importantes, fazem mais investimentos específicos e é mais difícil contratar outra pessoa dentro da indústria, o que aumenta o incentivo para ser boa empregadora. Quando a competição no mercado de produtos é elevada (medida pelo índice de Herfindahl), é provável que a competição no mercado de trabalho também seja alta e os funcionários tem mais facilidade em mudar de empregador, tornando-se essencial reter os funcionários atuais. Os resultados confirmam as duas hipóteses.
Em suma, a menor alavancagem por melhor relacionamento com funcionários é explicada por receio de problemas financeiros, menor disponibilidade de uso alternativo dos ativos e maior importância dos funcionários, o baixo endividamento servindo para sinalizar reputação de boa empregadora.
Os autores realizam uma série de outros testes, utilizando a lista da Fortune de melhores empresas para se trabalhar, resolvendo problemas de endogeneidade, analisando o efeito da mudança no índice de tratamento e adicionando outras possíveis explicações, as conclusões não se alterando.
Os resultados da pesquisa mostram que empresas com melhor relacionamento com funcionários possuem uma estrutura de capital com menos dívida, isso se devendo à necessidade de manter uma reputação de boa empregadora.
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