quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Reajuste de cotações.

Esta é a segunda parte da série de três textos sobre dividendos e tratará do reajuste de cotações (ver aqui a primeira parte). Já tratei de alguns desses tópicos anteriormente e vou juntá-los todos aqui.

Por que reajustar?
Sempre que ocorre um evento de custódia, as cotações anteriores a esse evento devem ser reajustadas para fins de cálculo de rentabilidade. Em um exemplo simples, se a ação fechou cotada a R$ 100 e ficou “ex-dividendo” com os detentores de ações nesse dia tendo direito ao recebimento de dividendos, mas não mais os detentores de ações no dia seguinte, a cotação do dia é reajustada para R$ 95 por não dar mais direito ao recebimento do dividendo. As cotações dos dias anteriores também são reajustadas de forma semelhante. Nesse caso, o reajuste se dá pela multiplicação por (95/100).

Por que as cotações devem ser reajustadas? Porque as ações valem menos após a distribuição de dividendos. Contabilmente, o patrimônio líquido é reduzido pela distribuição de dividendos. Quanto a valores de mercado, se o preço é o valor presente dos fluxos de caixa futuros, deve haver mesmo uma queda no preço. Retomando o exemplo, o valor presente do primeiro dividendo na data 0 é R$ 5,00 e o valor presente dos próximos dividendos é de R$ 95,00. A ação não dando mais direito ao valor dividendo de R$ 5,00, a ação valerá apenas R$ 95,00. Note que isso independe do preço estar “correto”: o preço sem o dividendo deve excluir o valor do dividendo independente de qualquer coisa.

Não é o caso de haver uma desvalorização, já que isso não implica perda patrimonial por parte do investidor. Após a distribuição de dividendos, o patrimônio do investidor continua o mesmo, só que composto por (supondo que o investidor possua apenas uma ação) R$ 95,00 em ações e R$ 5,00 em dinheiro. Logo, atribuir uma queda de 5% no valor da ação por conta da distribuição de dividendos não é algo que reflita o que de fato ocorreu. Por isso, a variação de preço no dia seguinte ao da distribuição de dividendo é calculada como a divisão do preço do dia seguinte por 95 (100 menos o dividendo de 5). Se a ação terminar o dia seguinte cotada a R$ 95,00, a variação foi de 0%.

Há uma questão recorrente sobre quem realiza o ajuste, o mercado ou a bolsa, e a resposta é ambos. O que a bolsa faz é o reajuste de cotação para cálculos do retorno da ação no primeiro dia sem direito ao recebimento do provento. No caso acima, a cotação do dia anterior é ajustada para R$ 95,00 e essa é a base para o cálculo do retorno entre a última data “com” e o pregão seguinte. Mas a bolsa não faz nada para impedir que o preço volte à R$ 100,00. Se houver compradores dispostos a pagar R$ 100,00 pela ação e vendedores apenas dispostos a aceitar esse preço ou preços superiores, então o preço da ação será de R$ 100,00 e será registrada alta de 5,26%. Embora não possa comprovar isso de maneira mais rigorosa, o que vejo é que isso não costuma ocorrer. O suposto “gap” entre o último preço “com” e o preço “sem” não é fechado no primeiro dia e não sei nem como avaliar quando se fecha esse “gap”. Provavelmente a ação voltará à R$ 100,00 algum dia, mas, a priori, nada obriga que isso seja no curto, médio ou longo prazo.

Ver para crer
Vendo algumas discussões na internet, percebo que alguns ainda duvidam de que haja um reajuste de proventos mesmo que se explique o processo à pessoa. É bem fácil verificar sua existência. O primeiro passo é consultar o Boletim Diário de Informações da bolsa em qualquer data (ver aqui, bastando mudar a data no link no formato Ano-Mês-Dia). Procurar por “Alterações para o pregão de” onde se informa quais ativos sofrerão algum ajuste. Se não encontrar, talvez não haja alterações (ou o documento está com problema, como já vi acontecer). Caso isso ocorra, utilize outra data. No dia 13/09/11, O Bic Banco (BICB4) foi negociado “ex-JSCP”, não mais dando direito ao recebimento do provento a partir daquele pregão. Seu preço de fechamento foi de R$ 8,40 com variação de +0,23%. Quem tinha ações no dia 12/09 iria ter direito a receber JSCP bruto de 0,105429126 (para reajusta de preços, o que conta é o valor bruto do JSCP). O valor dos proventos podem ser consultados no site da bolsa. Vá em Empresas Listadas, busque a empresa desejada, selecione a empresa e vá em Eventos Corporativos. Alternativamente, vá no menu Mercados e escolha Ações. Em seguida, Empresas – Consultas – Proventos em dinheiro. Haverá a possibilidade de baixar uma planilha. A desvantagem é que a planilha só tem proventos em dinheiro e é atualizada mensalmente, de forma que os eventos mais recentes não estarão na planilha.

No dia 12/09, o preço de fechamento foi de R$ 8,49. A variação de preço entre dia 13/09 e 12/09 foi de -1,06% (8,4/8,49-1), mas o que está registrado no BDI do dia 13 é variação de +0,23%. Se você reajustar o preço do dia 12/09, chegará ao valor de 8,384570874. A bolsa adota o truncamento na segunda casa decimal, de forma que o valor reajustado é de R$ 8,38 para fins de cálculo da variação. E de fato: 8,4/8,38-1 truncado na segunda casa é +0,23% (arredondando ao invés de truncar seria +0,24%). Sem truncar em momento algum, o retorno foi de 0,18%, que é a real rentabilidade do ativo BICB4 no dia 13/09. Não precisa acreditar em mim: faça você mesmo o teste com outro ativo em outra situação (de preferência com dividendos ou JSCP, que é mais fácil de fazer).

Claro que alguém poderia achar que o valor de +0,23% registrado no BDI está errado, o certo devendo ser -1,06% ou que o cálculo com reajuste de cotações é uma mera coincidência. Ou que um caso não prova nada. Pois bem: repita o procedimento quantas vezes achar necessário até se convencer de que as coisas são assim. Não é tão difícil: ajustei a série completa de BBDC4 desde dezembro de 1995 totalizando 241 ajustes e fiz o mesmo para diversos outros papéis. Leva algum tempo, mas é até divertido.

O que significam as cotações reajustadas?
Séries de dados mais longas mostrarão que o preço da VALE5 era de aproximadamente R$ 1,00 em junho de 1998. Ora, a ação não era negociada a esse preço (na época, com outro código, VAL4). No site da bolsa, é possível pesquisar e descobrir que o preço de negociação era de R$ 23,00. Esse preço de R$ 1,00 é justamente a cotação reajustada pelos eventos de custódia.

Ficou entendido porque reajustar a cotação do último dia “com”. Reajustar todas as cotações anteriores é a consequência necessária disso, para que os preços mantenham a comparabilidade. Se na véspera do último dia “com”, o preço era de R$ 98,00, houve alta de 2,04% no último dia com. Reajustando o preço para R$ 95,00, 95/98-1 é diferente de 2,04%. Multiplicando 98 por (95/100), chega-se a R$ 93,10 e 95/93,1-1 é 2,04%.

Comparar o preço atual da VALE5 (R$ 40,60 ao final de agosto de 2011) com o preço reajustado em data pretérita indica a rentabilidade da ação supondo o reinvestimento dos proventos e considerando outros eventos que não chegam a poder ser chamados de proventos (bonificação, desdobramento etc.). Ou seja, o retorno entre agosto de 2011 e junho de 1998 foi de 3.983,81%. Para comprovar isso, basta encontrar uma série diária não ajustada, adotar uma quantidade inicial de ações qualquer e sempre que houver algum evento ajustar essa quantidade simulando a reaplicação dos proventos em dinheiro. O retorno dessa carteira será parecido com a rentabilidade teórica, mas não idêntico. Um investidor que tenha reaplicado todos os proventos em dinheiro teria certamente uma rentabilidade diferente e provavelmente menor. O primeiro problema é que em muitos casos a ação fica “ex” em uma data e o recebimento ocorre apenas em outra data. O segundo é que a simulação deve ter como base o preço de abertura da ação, que pode ser diferente do preço de fechamento ajustado do dia anterior (se o dividendo for fracionário, certamente será). O terceiro é que há custos de transação (corretagem, emolumentos etc.) para o reinvestimento.

Outra maneira de entender é que o retorno utilizando cotações ajustadas mostra o retorno diário acumulado entre as datas, sem precisar supor o reinvestimento de dividendos. Porém, isso não vai significar que o patrimônio de quem investiu em VAL4 em junho de 1998 subiu 3.983,81% até agosto de 2011. O ganho patrimonial será menor porque o investimento foi reduzido com a não reaplicação dos dividendos. Mas a rentabilidade teórica do ativo foi de quase 4.000%

Como reajustar?
Resta agora explicar como o reajuste é feito. Partirei logo para o que chamo de “fator de reajuste”, número pelo qual todas as cotações anteriores ao evento devem ser multiplicadas para realizar o reajuste. Esse fator depende do evento em questão:

a) Para dividendos, JSCP e restituição de capital: Proventos em dinheiro
(Preço no dia ex-dividendos (com negócios até) – Dividendo por ação)/Preço no dia ex-dividendo
O dia ex-provento é denominado “Último dia ‘com’” no site da Bovespa.

b) Para subscrição:
(Preço no dia ex-subscrição + (% de subscrição x Preço de subscrição)) / (1+ % de subscrição) / Preço ex-subscrição

c) Para bonificação, desdobramento e agrupamento: Eventos que alteram a quantidade
(1/Fator de bonificação ou desdobramento) (ex: se é 1:2, é 1/2; se é 2:1, é 2/1).

Há ainda a subscrição de debêntures, que confesso ainda não ter deslindado como proceder com o reajuste.

Caso haja mais de um evento, é possível combinar todos em um só fator. Para mais de um tipo de proventos em dinheiro, basta incluir todos na conta (a). Quando envolve subscrição, basta alterar o preço no dia ex considerando o provento em dinheiro ou a alteração na quantidade de ações no cálculo do fato de subscrição. Quando há provento em dinheiro e alteração na quantidade, é possível criar dois fatores distintos. Alternativamente, é possível considerar a alteração na quantidade como se fosse um provento em dinheiro. Se o preço era de R$ 50,00 e sofreu desdobramento 1:2, é como se tivesse havido um provento em dinheiro de R$ 25,00, por exemplo.

Para reajustar a série, basta multiplicar a cotação nominal por todos os fatores. Continuando o exemplo da VALE5, para reajustar o preço de 03/01/2000, basta multiplicar o preço (R$ 48,60) pelos fatores de reajuste dos eventos ocorridos após essa data (26, no total). Fácil de falar, muito chato de fazer. É possível criar uma coluna para cada evento e colocar o fator de reajuste nas datas anteriores ao primeiro dia “sem”. A função SE pode ajudar, mas continua chato de se fazer.

Uma alternativa é utilizar a função MULT.SE. Essa função não existe no Excel, mas pode ser criada juntando a função MULT com a SE da seguinte forma:

{=MULT(SE(Série das datas dos proventos>=Data desejada;Série dos fatores))}

O resultado dessa função é o fator de reajuste acumulado para determinada data. É necessário teclar Ctrl + Alt + Enter para digitar a função. Também é necessário ter na planilha os fatores de reajuste com seus respectivas “último dia ‘com’”.

No próximo texto, chegarei a um dos pontos que queria chegar originalmente, mostrar como dividendos (e JSCP e restituição de capital) significam um desinvestimento.

6 comentários:

  1. Thiago Tessarolo Souza, CFA4 de agosto de 2015 às 17:17

    Este post é excelente. Muito útil. Não sei por qual motivo ninguém o havia comentado. Parabéns pelo artigo! Thiago Tessarolo Souza, CFA.

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  2. Um execelente post! Praticamente em nenhum lugar as fórmulas são passadas dessa forma clara, principalmente a de bonificações e subscrições, parabéns! Roberto Ushisima essas informações foram baseadas de que bibliografia? Apenas por curiosidade.

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    1. O raciocínio para o ajuste de subscrições eu encontrei em um site (não lembro qual), mas o resto eu tive que ir descobrindo sozinho.

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  3. Por favor, preciso da quantidade de ações nos finais dos períodos dos anos. Mesmo em Eventos Corporativos, não obtenho o dos anos anteriores, o historico do que ocorreu. Como eu poderia obte-lo? Por exemplo, para a RUMO3, houve grupamento, mas teve a aquisição da ALLL3, mas as informações desse historico não constam facilmente. Como posso fazer? Como poderia obter o total de ações do final de cada ano, partindo desse questionamento? Gostaria de saber o P/L dos anos anteriores. Grato

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  4. Isso explica mas não justifica. Basicamente descontam do valor da ação o valor que o acionista obteve com o risco que correu. O mercado no Brasil é realmente patético.

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