Uma história comum que nunca deixa de circular na mídia (imprensa e meios de comunicações mais tendenciosos) é a de que, no longo prazo, as ações sempre terão rendimento superior ao da renda fixa e, portanto, no longo prazo o risco é zero (comparado com renda fixa). No momento em que o Dow Jones alcançou o menor nível desde Set/96 (mínima de 03/03/09), é tempo de rever essa história.
A evidência apresentada é que em períodos de 10 anos, em apenas 26 dos períodos entre 1871 e 2002 o rendimento de renda fixa foi superior ao das ações (isso nos Estados Unidos). De 1945 até 2002, foram 13 os períodos com rendimento baixo de ações. Incluindo 2003 a 2008, imagino que mais dois períodos (2007 e 2008) seriam incluídos (2009 não porque ainda não terminou). Essas estatísticas foram apresentadas no livro Investment Fables de Aswath Damodaran com dados de Robert Shiller (não consegui reproduzir o estudo).
Alguns problemas com essa história (alguns pegos do livro supracitado):
1) 28 períodos de um total de 136 são 20,59%. De 1945 para frente, são 15 períodos de um total de 64 (23,44%). Não é muito confortável imaginar que em 20% do tempo (arredondando para baixo) estaremos com menos do que teríamos em uma alternativa de baixo risco em um período de 10 anos (que é bastante tempo, 12,5%, 16,13% da idade adulta para quem espera viver até os 80, sendo otimista).
2) Mesmo que pudéssemos comprovar que nunca em um dado período (20, 30, 40 anos) as ações perderam da renda fixa, e mesmo que pudéssemos ter a confiança que ficaríamos “comprados” até lá, o risco não se anularia. Diversos fatores podem encurtar o horizonte de tempo: a pessoa pode precisar do dinheiro por questões familiares, de saúde, para um projeto, para subsistência... e quando precisar, pode ter menos do que teria se investisse em renda fixa (ou pusesse debaixo do colchão).
3) Por essa lógica, se eu garantir que em 30 anos as ações nunca perderam da renda fixa e esperasse me aposentar aos 65 anos, teria que parar de investir em ações aos 35, sob risco de ter menos do que teria em renda fixa aos 65 anos.
4) Há um viés de sobrevivência na análise, que é feita tomando como base os Estados Unidos, a nação capitalista mais bem sucedida da história (apesar da atual crise). Seria possível generalizar esses resultados para nações menos desenvolvidas? Provavelmente, em alguns sim, em outros não.
5) Para quem monta uma carteira que não seja a de mercado e que não seja bem diversificada (especula, em outras palavras), pode acontecer de uma das empresas em que se investe quebrar ou tenha um desempenho paupérrimo, prejudicando o resultado da carteira (pois pouco diversificada).
6) O argumento de quem investe em uma carteira pouco diversificada é que o critério adotado é de investir em empresas “sólidas e bem administradas”, “de bons fundamentos”, “com boas perspectivas”, “boa pagadora de dividendos”, “que Buffett compraria” e outros jargões a gosto do cliente. Primeiro, é preciso saber e definir bem o que é isso (em muitos casos, quem precisa se expressar com jargões não sabe bem do que fala). Segundo que empresas hoje nessas condições podem não se mostrar como tal no futuro não muito distante, como mostram casos recentes (AIG, Citigroup, GM, GE, etc.). Terceiro que, mesmo que a empresa não quebre, o risco macroeconômico pode prejudicar a empresa, tenha “bons fundamentos” ou não. Nesse caso, nem diversificação salva.
7) “Ah, mas antes da coisa piorar, eu saio”. Mas, o que garante que a pessoa saiba a hora de sair? E que, quando decidir fazê-lo, saia com rendimentos acima da renda fixa?
8) Se o investimento for em um fundo de investimentos, há o risco do gestor do fundo falir, levando o investimento junto. Se o fundo for alavancado, o investidor pode ter prejuízo que supera os 100%.
9) Pergunte a um islandês, um japonês ou um tailandês “das antigas” (o islandês pode ser mais moço) o que a pessoa acha dessa história. Leve um segurança junto, pergunte em grupo, vá armado ou vá sozinho e desarmado por sua conta e risco.
10) Foi tratado risco como retorno acima da taxa livre de risco (prêmio por risco). Pôs-se em dúvida que no longo prazo as ações sempre ganham da renda fixa. Mas, a despeito disso, o investidor aplicou em ações. Mesmo que em 30 anos o investidor tenha mais investindo em ações do que teria em renda fixa, ele passou 30 anos, passando por uma ou duas crises, na dúvida de se teria ganhos acima da renda fixa ou não. As quedas do mercado alimentaram sua dúvida sobre seus retornos. Poderia inclusive perder tudo. Os fortes movimentos (alta e baixa) deixaram tudo muito mais imprevisível. Esse “pôr em dúvida” é o risco, a incerteza inerente ao investimento. O investidor em renda passou esses 30 anos tranqüilos, tendo aceitado um retorno fixo e abaixo do retorno esperado pelas ações, podendo, com baixa chance, ter mais do que o teria com ações. O investidor em ações passou 30 anos com preocupação, com a bem fundamentada expectativa de ter um retorno acima da renda fixa que remunere a incerteza que passou ao longo do tempo, mas sem saber se será bem sucedido em seu intento. Essa é a vida do investidor em ações.
Não argumento aqui que investir em ações não seja um bom investimento com horizonte de longo prazo ou que manter uma carteira diferente do índice de mercado e pouco diversificada seja errado (diga-se de passagem, faço as duas coisas). Nem que gestão ativa é melhor do que gestão passiva. O que não se pode fazer é dar como certo o rendimento das ações acima da renda fixa.
O meu argumento geral sobre gestão de investimentos é que, seja lá o que se faça, seja indexação, comprar e segurar, operações de curto prazo com Análise Técnica, arbitragem, operar com base em notícias, investimento em valor, investimento em empresas em crescimento, investimento em valor contrário, alocação tática de ativos, comprar ações aleatoriamente, comprar empresas de capital fechado, abrir o próprio negócio, investir em um fundo mútuo ativo, investir em ouro, investir em moeda estrangeira, investir em commodities, apostar em loterias, investir em títulos públicos, investir em títulos privados, investir em fundos imobiliários, comprar imóveis, seguir os especialistas, seguir o que os jornais e revistas recomendam, seguir dicas de fórum, deixar o dinheiro com um amigo, deixar o dinheiro parado no banco, dar o golpe do baú, engravidar de homem rico (só serve para mulheres), virar jogador de futebol, comprar passe de jogadores de futebol... (esqueci algo?), seja lá o que se faça, pode dar errado. Muito errado, em alguns casos. Pode dar errado a despeito da inteligência, estudo, talento ou diligência do investidor. Deixai toda certeza, ó vós que investis (nem que seja no colchão). Todas as alternativas possuem um risco e um retorno, nem sempre fáceis de mensurar, na maioria dos casos risco e retorno esperados, não garantidos. Investir consiste em aceitar o risco que se corre, esperando determinado retorno.
Um texto que desmonta com maior propriedade essa história do que eu é o “O Longo Prazo para Ações” (The Long-Term Case for Equities) de Paul Samuelson. Tratarei desse texto no futuro.
quinta-feira, 5 de março de 2009
Ações nem sempre são melhores no longo prazo
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