Fonte da imagem: Investment Juan
Artigos de Annamaria Lusardi já apareceram anteriormente no blog. Ela volta ao tema em artigo publicado no Journal of Economic Perspective em 2014 em co-autoria de Olivia Mitchell.
Literacia financeira é definida como a capacidade
das pessoas processarem informações econômicas e tomar decisões informadas
sobre planejamento financeiro, acumulação de patrimônio, dívidas e pensões.
Conhecimento financeiro pode ser entendido como um capital humano e o objetivo
do artigo é revisar a literatura em busca de determinar os retornos auferidos
com esse conhecimento.
Os estudos recentes sobre literacia financeira
suprem duas lacunas. Primeiro, há muitas teorias sobre investimentos e
planejamento de aposentadoria que supõem que as pessoas conseguem se planejar e
executar esse planejamento, o que sabemos que não é verdade. Além disso, muito
já se escreveu sobre a economia da educação, mas o conhecimento financeiro
necessário para a aquisição de produtos financeiros só agora começou a ser mais
estudado.
O problema era unificar em um modelo teórico
manejável a questão da aquisição de conhecimento financeiro. As duas autoras do
artigo mais Pierre-Carl Michaud escreveram um artigo onde procuravam modelar
essa questão. A pessoa pode utilizar uma “tecnologia” simples (sem conhecimento
financeiro) recebendo uma baixa taxa de retorno ou investir em conhecimento
pagando custos diretos e indiretos (tempo). Essa pessoa recebe rendas no
mercado de trabalho e está sujeita a riscos vindos do mercado de trabalho, da
longevidade e do custo da medicina. Usando a tecnologia mais avançada (com
conhecimento financeiro) pode receber rendas maiores, mas está sujeita a mais
risco. A cada período, a pessoa toma uma decisão sobre quanto consumir e quanto
investir, podendo inclusive investir em conhecimento financeiro.
O modelo tem algumas implicações. Uma delas é que as
pessoas decidirão quanto investir em conhecimento financeiro em função do custo
de aquisição desse conhecimento. Pode parecer trivial, mas não basta tocar no
assunto, é necessário reduzir o custo financeiro e psíquico, facilitando a
abordagem do assunto. Implicações mais complexas incluem a previsão de que o
conhecimento financeiro pode ser uma das fontes da desigualdade.
Mais interessante do que as previsões teóricas do
modelo são as evidências empíricas. Antes de chegar nessa parte, o artigo
mostra como a literacia é medida. Já expliquei isso alhures
e não vou me repetir aqui. Nesse mesmo texto, também falei sobre o estado do
conhecimento da população em diversos países a respeito da literacia
financeira, com resultados bem pobres, a maioria das pessoas desconhecendo
conceitos financeiros básicos. Os resultados ocorrem em todas as faixas etárias
e nos diversos países examinados em diversos estudos. O pior de tudo é que,
quando perguntados sobre o nível de conhecimento que as pessoas achavam que
tinham, boa parte acreditava que conhecia sobre o assunto. Ou seja, o nível de literacia é baixo, mas a maioria
das pessoas não se dá conta disso.
Pessoas mais velhas possuem um nível menor de
literacia financeira, mas são os que mais acreditam que possuem os
conhecimentos necessários. Mulheres possuem menor nível de literacia, mas
também são mais conscientes dessa deficiência. Esse resultado é bem
generalizado, afetando mulheres casadas e solteiras, com alta ou baixa
instrução. As autoras levantam a hipótese de que as mulheres aprendem sobre
Finanças de uma maneira diferente dos homens, mas o fato é que ainda não há uma
conclusão sobre porque as mulheres têm um nível inferior de literacia
financeira.
Grau de escolaridade está positivamente relacionado
com literacia e algumas habilidades como a numeracia também estão relacionados
com literacia, mas habilidades cognitivas por si só não explicam a variação do
nível de literacia entre as pessoas.
O nível de conhecimento financeiro dos pais e o
fato deles investirem em ações influenciam o nível de literacia dos filhos.
Pessoas vivendo nas cidades possuem maior conhecimento financeiro do que os que
moram no campo. Ou seja, família e comunidade também são fatores que
influenciam o conhecimento financeiro das pessoas.
Desconhecimento sobre conceitos básicos de Finanças
é bem disseminado, mas está concentrado em alguns grupos demográficos (pobres,
mulheres, idosos, principalmente). E esse é um tema importante porque traz
consequências econômicas. Com base em evidências mais robustas (não meras
correlações), sabemos que a literacia financeira está positivamente relacionada
com o investimento em ações e com a poupança por motivos de precaução, além do
planejamento da aposentadoria. Pessoas com menos conhecimento financeiros estão
mais sujeitas a contratarem hipotecas mais caras, a se endividarem mais (e a
custos maiores), usarem errado o cartão de crédito e poupar menos. Em todos
esses casos, o conhecimento financeiro possui um papel importante distinto da
educação geral.
A ignorância financeira tem custos. Como pessoas
com baixa literacia financeira investem menos, principalmente em ações, isso
leva ao aumento na desigualdade. Mesmo que invistam, essas pessoas ignoram os
custos das aplicações, acabando por pagar elevadas taxas de administração.
Literacia financeira é importante também na aposentadoria, pessoas com mais
conhecimento financeiro não apenas se planejando melhor, mas também investindo
em produtos com menores custos.
A respeito de programas de educação financeira, as
autoras fazem mais alertas do que revisão das evidências. Primeiro, programas
curtos ou breves exposições a aulas sobre conceitos financeiros podem não ser o
suficiente para mudar o comportamento financeiro das pessoas. Segundo que o
ideal seria ter diferentes programas de educação financeira, uma solução única
sendo ineficaz para se comunicar com públicos diferentes com necessidades
financeiras diferentes. Por isso, iniciativas de educação financeira segregadas
para jovens, mulheres, idosos e trabalhadores podem ser o melhor caminho, não
apenas pelo estilo de comunicação, mas também por enfoques diferentes. No fim
das contas, ainda não se pode afirmar muito sobre o real impacto dos programas
de educação financeira no comportamento dos alunos.
Resumindo, a pesquisa empírica sobre o tema mostrou
o baixo nível do conhecimento financeiro em diversos países e que a literacia
financeira influencia de forma positiva a vida das pessoas em diversos aspectos
econômicos. Porém, não está tão claro como aumentar o conhecimento econômico,
uma vez que as pesquisas sobre o assunto não são conclusivas e faltam chegar no
ponto da relação custo-benefício. Como um campo de estudos, há ainda muito a
ser estudado. No Brasil, desconheço uma pesquisa abrangente sobre a literacia
financeira.
Annamaria Lusardi e Olivia Mitchell.
Journal of Economic Literature. Volume 52. Ed. 1.
2014
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