quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Vieses Eleitorais


Nesse texto, começarei a resenha do livro The Myth of Rational Voter, de Bryan Caplan.

Nas palavras de Winston Churchill, a democracia é o pior regime, depois de todos os outros. O que está por trás dessa frase é que a democracia tem as suas falhas, mas qualquer outra alternativa testada se mostrou pior, como o autor de modo algum nega, apenas pondera as falhas da democracia. O debate não é se a democracia é melhor do que tirania. Essa questão já está resolvida e o que nos resta é melhorar a democracia. De forma parecida, dispensar críticas ao capitalismo dizendo que é melhor do que o socialismo é simplista e pode fechar espaço para melhorias.

O livro The Myth of Rational Voter expõe algumas das falhas da democracia no que se refere à política econômica. O argumento básico é que a maioria das pessoas defendem políticas econômicas insensatas e que terminam justamente por prejudica-los. O motivo para esse comportamento, segundo o autor, é que os votantes agem de forma irracional. A democracia é falha, segundo o autor, porque os políticos fazem o que os votantes querem; o problema é o que a população quer.

O primeiro capítulo começa com o milagre da agregação, que diz que votantes racionalmente ignorantes (não se informam sobre política pois sabem que seu voto vale pouco) agem de forma aleatória, mas que mesmo que apenas 1% dos votantes fossem esclarecidos eles é que decidiram o resultado da eleição. Porém, os votantes não agem de maneira aleatória e geram erros sistemáticos. O restante do livro é justamente julgar os erros sistemáticos no campo da economia. Os vieses sistemáticos apontados por Caplan são: o eleitorado é antimercado, “antiestrangeiro”, pró geração de emprego e pessimistas.

Esses vieses são frutos do desconhecimento sobre Economia e em crenças enraizadas nas pessoas e geram políticas que prejudicam quem deveriam beneficiar (os votantes). A racionalidade irracional é que as pessoas valorizam tanto os ganhos das políticas que obtém quanto a lealdade para com as suas ideologias. O preço de satisfazer os seus preconceitos e crenças políticas é economicamente zero, então vale a pena votar de acordo com eles. Votar errado é uma externalidade negativa que a maioria das pessoas simplesmente ignora.

A chave para vencer uma eleição é demagogia, definida como o uso de preconceitos e falsas afirmações para obter ganho de poder. O político demagogo sequer precisa ser falso, basta compartilhar os mesmos preconceitos de seu eleitorado. Em alguns pontos onde as pessoas possuem fortes opiniões (no Brasil, pense no aborto) de forma que um posicionamento favorável ou contra causa grande aversão no eleitorado sem igualmente forte aprovação, o político tende a tomar o posicionamento menos arriscado. Em áreas “chatas” como regulação bancária, o eleitorado simplesmente ignora e esse espaço pode ser capturado por grupos com “interesses especiais” nessa questão que atuam na “margem da indiferença” do eleitorado.

Vieses
O autor aponta quatro vieses do eleitorado, já mencionados anteriormente. O primeiro é o viés antimercado, a subestimação dos efeitos positivos do mecanismo de mercado. Esse viés se manifesta no apoio a mecanismos de controle de preços, a condenação do lucro e o desprezo por juros e bancos. Cada um desses pontos merece um texto próprio, mas basicamente o controle de preços causa escassez, lucros são incentivos para aumentar a eficiência econômica e assim melhoram as condições de vida de todos e juros são uma justa compensação pelo tempo que um agente econômico fica sem o dinheiro emprestado. As pessoas condenam a ganância de empresários e banqueiros sem entender muito bem como a economia funciona.

O segundo é o viés antiestrangeiro de subestimar o valor da interação com estrangeiros. Isso vale tanto para o comércio exterior quanto para a imigração e o argumento para os dois casos é o mesmo: vantagem comparativa e valor da especialização. Um argumento interessante utilizado, citando Steven Landsburg, é: há duas maneiras de fazer carros, uma em Detroit e outra em Iowa. Em Detroit você faz o carro. Alternativamente, em Iowa você planta trigo, faz uma troca com os japoneses e consegue um Toyota.

O viés de criação de trabalho é a tendência de subestimar a conservação de trabalho. Um exemplo é a dispensa de soldados em grande número, que terão que ser incorporados ao mercado de trabalho. Bastiat em seu Aquilo que se vê e aquilo que não se vê aborda isso em um de seus capítulos. Outro ponto interessante é que o progresso não ocorre quando as pessoas têm trabalho, e sim quando fazem trabalho. Se esse trabalho não é produtivo (soldado ocioso, por exemplo), então não cria riqueza. O ludismo é outro exemplo desse viés. As tecnologias destroem empregos em um lugar, mas criam mais em outro. Computador destruiu alguns trabalhos por ser mais eficiente, mas criou outros no desenvolvimento de tecnologia da informação. Na agricultura, em 1800 era necessário que 95% dos americanos trabalhassem para fazer comida. Em 1900, era 40% e hoje 3%. Vários empregos foram destruídos, e outros criados por toda a economia. O mesmo ocorre quando uma empresa reduz o seu quadro de empregados. É chato dizer que fechar vagas de trabalho é bom, mas a verdade é que novas vagas serão criadas no futuro.

O último viés é o pessimismo, a tendência de superestimar os problemas econômicos e subestimar o desempenho da economia olhando para o passado, presente e futuro. As pessoas costumam exagerar no pessimismo de forma geral e glorificam o passado. Porém, vivemos (nós, humanos) hoje muitíssimo melhor do que há cinquenta, cem anos atrás. Aliado à falsa nostalgia, as pessoas parecem ter a tendência a acreditar em previsões catastróficas, como um certo relatório que chegou a aparecer em meus AdSenses algum pouco tempo atrás. Além desse caso, temos degradação do meio ambiente, fim do mundo, mundo dominado por máquinas, Malthusianismo etc.

O capítulo 3 do livro procura examinar se realmente há um viés na prática, se economistas pensam em algo e o público geral pensa outra coisa. Caplan cita pesquisas nas quais os respondentes defendiam tarifas de importação e discordavam que a redução ou eliminação nas tarifas aumentaria o bem-estar geral. A maioria das pessoas defendem controle de preços. Mas uma das principais referências utilizadas é da Survey of Americans and Economists on the Economy (SAEE), realizada através de pesquisa com 1510 pessoas e 250 economistas.

Economistas também podem sofrer de vieses de algumas fontes, como o benefício próprio (economistas defendem o que os favorecem) e a ideologia (economistas defendem aquilo que eles ideologicamente preferem). É possível verificar se isso é válido examinando as diferenças entre o público, economistas e a “crença esclarecida”. O “público esclarecido” é uma estimativa estatística que procura determinar quais seriam as respostas caso uma pessoa tivesse as mesmas características do público geral, mas que fosse economista. Basicamente, os resultados mostram que a “crença esclarecida” está mais próxima dos economistas do que do público geral, o que indica que os economistas não sofrem dos vieses apontados. Ou seja, os economistas pensam de forma mais parecida com o público geral na suposição de que eles tivessem mais conhecimento econômico. Se o público geral e o “esclarecido” pensassem igual, seriam os economistas que estavam enviesados.

Não vou detalhar todos os resultados da SAEE, mas em geral eles mostram que o público sofre dos vieses apontados e que os economistas discordam do público na maioria das questões. Inclusive, possuem opiniões diferente do esperado pela maioria das pessoas, como não se importar muito com o déficit e não achar os impostos altos.


Nos três primeiros capítulos, Caplan procurou mostrar como os economistas e o público em geral pensam de maneira diferente, apontando os vieses sistemáticos do eleitorado que afetam o seu julgamento das questões econômicas.

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