Na segunda parte da resenha do livro The Myth of Rational Voter, vou seguir escrevendo sobre o livro a partir do capítulo 4.
A ignorância racional foi abordada na primeira
parte da resenha e volta no começo do quarto capítulo. O votante ideal
seria plenamente informado, conhecendo as propostas dos candidatos e tendo o
conhecimento econômico, político, sociológico, filosófico para saber ponderar
qual candidato possui as melhores propostas. O votante real está muitíssimo
longe desse ideal. A verdade é que se informar tem custo, não apenas
financeiro, mas também em termos de tempo. Para piorar, o seu voto é apenas um
em milhões, talvez dezenas de milhões, ou ainda centena de milhões. Ou seja, o
valor marginal do voto é próximo de zero. Embora a maioria das pessoas não
raciocinem nesses termos, é exatamente assim que pensam. O voto ignorante é uma
externalidade negativa, que causa um prejuízo mínimo para o votante na
comparação com o custo para tomar uma decisão consciente, mas traz um prejuízo
considerável para a sociedade.
Dessa forma, o votante não tem incentivos para
investir na aquisição de conhecimentos sobre os candidatos. O que não quer
dizer que ele vota aleatoriamente, e sim que carregará para a urna as suas
crenças já estabelecidas e o conhecimento, mesmo que superficial, dos
candidatos.
Nesse ponto, os votantes têm a tendência de saber
de coisas absolutamente irrelevantes e esquecer o que importa. Nos Estados
Unidos, poucas pessoas sabem o nome dos dois senadores de seu estado e poucos
sabem que são dois senadores em cada estado. No Brasil, são recorrentes a
pesquisa sobre a ignorância do eleitorado sobre em quem eles votaram para
deputado ou vereador nas últimas eleições. Como Caplan colocou, muita gente
sabia do nome do cachorro de George Bush, mas poucos que os dois candidatos em
1992 apoiavam a pena de morte. Entre investir em conhecimento sobre assuntos
vitais e assuntos irrelevantes, o eleitorado costuma optar pelo segundo.
O quarto
capítulo do livro é basicamente uma análise da teoria da Escolha Pública e
como definir os eleitores como ignorantes, ou mesmo racionalmente ignorantes,
não ajuda a entender o comportamento do eleitor.
Mais importante é verificar as ideias de Caplan, o
que retoma no capítulo 5. O
argumento básico é que os eleitores são racionalmente irracionais. Agentes
econômicos racionais agiriam de acordo com suas preferências e com os preços.
Caplan argumenta que há um terceiro elemento no processo de decisão do eleitor,
que são as suas crenças. O eleitor opta por apoiar um candidato não de acordo com
o que ele prefere racionalmente, mas com relação ao que acredita ser melhor
para a sociedade. Não no sentido religioso, mas guiado pelos vieses apontados
anteriormente no livro. Seria diferente, por exemplo, a pessoa optar por mais
bem-estar ou mais progresso, desemprego ou inflação, entre outras escolhas
guiadas por suas preferências. O eleitor pode optar por políticas que terminam
por prejudicar a ele e ao país, mas que satisfazem as suas crenças.
Isso só é possível porque o custo privado de agir
assim é baixo, embora o custo social possa ser alto. Em outros campos da vida,
agir irracionalmente de acordo com suas crenças ao invés de preferências ou
preços pode ter consequências desastrosas para a pessoa. Na política, isso pode
ocorrer, mas o custo social é diluído na sociedade e o benefício privado de
agir de acordo com suas crenças é maior do que o custo privado. A ignorância
racional diz que as pessoas não querem procurar a verdade; a irracionalidade
racional diz que as pessoas evitam procurar a verdade. As pessoas pesam o
benefício psicológico de abraçar a sua crença contra as perdas materiais que
isso pode causar. A racionalidade fica em “stand-by” a espera de ser necessária
em assuntos mais delicados onde o custo privado da irracionalidade seja maior.
Dessa forma, as pessoas escolhem quando utilizar a
racionalidade, o decisivo sendo o custo privado do erro de não usar a
racionalidade. Na política, irracionalmente cedem às suas crenças em um
contexto que, na prática, é de pouca importância (no voto), mas agem
racionalmente em questões mais cotidianas. Pouca gente leva em conta seus
vieses antimercado, antiestrangeiro e a favor de criação de empregos na hora de
comprar um iPhone.
Uma explicação adicional é o “benefício expressivo”
do voto, onde o eleitor pode expressar seus sentimentos na hora do voto, que
vão de nacionalismo até racismo e xenofobia. Os votantes não têm incentivos
para serem racionais.
Caplan analisa a hipótese do voto egoísta, que
economicamente poderia ser traduzido como “votar com o bolso”.
Surpreendentemente, as pesquisas de opinião indicam vários fatos anômalos, com
pessoas se mostrando favoráveis a políticas que os prejudicariam em várias
questões, do aborto ao seguro desemprego. O argumento de Caplan é que as
pessoas não votam de maneira egoísta, mas de maneira altruísta justamente
porque o custo é baixo e o benefício psicológico é significativo. Uma pessoa
pode votar a favor de um aumento de impostos que a atinja se isso for para o
“bem comum”. Isso não ocorre porque o benefício psicológico de agir
altruisticamente é maior do que o custo (o aumento de imposto), mas porque esse
benefício é maior do que o custo multiplicado pela chance da pessoa decidir a
eleição (uma em milhões).
Sobre a questão do “votar com o bolso”, isso não deixa
de ser verdadeiro, no entanto, tem mais a ver com outra questão, a
culpabilidade do incumbente quando a economia vai mal. O interessante é que
esse fator pode acabar por pressionar os políticos a adotarem boas políticas
econômicas que irão ter bons resultados econômicos mesmo que contrariando os
vieses dos eleitores.
Parênteses para uma análise político-econônica
amadora. Após as eleições de 2002 no Brasil, o novo presidente seguiu a
politicamente econômica do antecessor não por convicção e não porque foi eleito
para isso (do contrário, o sucessor do antigo presidente seria eleito), mas
porque sua equipe econômica sabia que isso era o melhor para o país e que
renderia (como rendeu) dividendos políticos (segundo mandato e em parte a
sucessão). O problema é que, pelo mesmo raciocínio, no segundo mandato adotaria
políticas econômicas que dão certo por um tempo, mas que depois têm graves
consequências. Isso deu certo na sucessão, mas pode ter o efeito contrário na
reeleição. Outra consequência dessa tendência de culpar o incumbente é a busca
por inimigos externos ou o cenário externo pelos problemas do país. O pior é
que dá certo! Quando um presidente culpa inimigos externos pelo fracasso do
país, não adianta argumentar que isso está errado ou que o presidente está
louco. Acho que o que resta é lamentar que tanta gente possa realmente
acreditar nisso.
Ou seja, há um dilema entre seguir o que o povo
quer e depois parecer incompetente e fazer o contrário e depois ser
responsabilizado pelo bom momento da economia. Uma consequência é que um
congresso desfavorável ao executivo pode forçar políticas populistas ao
executivo e força-lo ou a vetar ou a aceitar e posteriormente sofrer suas
consequências negativas. As pessoas atribuem ao Poder Executivo a responsabilidade
pelo bom ou mau momento da economia, não ao Legislativo.
O capítulo 7 do livro é sobre o lado da oferta. Do
que vimos até agora, podemos imaginar que o político não irá buscar o que é
melhor para a sociedade, e sim o que ele acredita que as pessoas acreditam que
é melhor. Isso pode levar à hipocrisia de defender algo que eles não
defenderiam. Mas o pior é que eles não precisam mentir: muitas vezes, acreditam
nas mesmas falácias que seu eleitorado. Obviamente que deve tomar cuidado com
os resultados de suas políticas, por isso que não é em todo lugar que reina o
populismo.
Ou seja, o político precisa misturar populismo
ingênuo com realismo cínico, nas palavras de Caplan. Se o líder for carismático
ou conseguir usar a seu favor uma situação de comoção nacional (como o 11 de
setembro), então ele ganha poderes para utilizar a opinião pública da maneira
que quiser. Por outro lado, poderia adotar uma política impopular, mas
eficiente, justamente por saber que isso não o afetará a não ser que dê errado.
Outra questão é a da culpabilidade. As pessoas se
preocupam com a política e seus resultados e podem ter esperanças irrealistas
quanto a ambos simultaneamente. Se a política não der resultado, vai procurar
um culpado. O político pode buscar então se eximir da culpa encontrando algum
bode expiatório.
Na questão dos “interesses especiais”, os políticos
podem favorecer doadores de campanha, mas sempre tomando cuidado para isso não
dar muito na cara. No fim, o critério é fazer o que o povo quer em assuntos de
interesse da população e atender interesses especiais em assuntos que as
pessoas não têm interesse.
No último
capítulo, Caplan fala sobre o “fundamentalismo de mercado”, a acusação de
que os economistas têm uma fé cega no mercado. O grande problema é que há toda
uma literatura sobre falhas de mercado criada pelos próprios economistas, não
por teóricos de outras áreas. Há quem se negue a discutir as falhas de mercado,
mas esses verdadeiramente fundamentalistas estão longe de ser mainstream e discutem apenas entre si.
Porém, Caplan aponta para os “fundamentalistas da democracia”. Um ponto
interessante é: quem dissesse que a solução para os problemas do mercado é mais
mercado seria chamado de fundamentalista, mas quem diz que a solução dos
problemas da democracia é mais democracia não é. O fundamentalismo da democracia
é até visto como algo bom e é muitíssimo mais disseminado, popular e influente
do que o fundamentalismo de mercado.
No restante do capítulo, Caplan aborda correções
possíveis para a democracia baseado no que foi discutido, como aumentar a
educação. Mais conhecimento econômico seria desejável, mas difícil de se
conseguir na prática, em parte culpa dos próprios economistas.
Em suma, achei um livro interessante, abordando a
política do prisma econômico, não apenas no que se refere à política econômica,
mas também enquadrando a escolha eleitoral como análises de custo e benefício
econômicos.
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