segunda-feira, 18 de agosto de 2014

O Mito do Votante Racional

Mito do Votante Racional

Na segunda parte da resenha do livro The Myth of Rational Voter, vou seguir escrevendo sobre o livro a partir do capítulo 4.


A ignorância racional foi abordada na primeira parte da resenha e volta no começo do quarto capítulo. O votante ideal seria plenamente informado, conhecendo as propostas dos candidatos e tendo o conhecimento econômico, político, sociológico, filosófico para saber ponderar qual candidato possui as melhores propostas. O votante real está muitíssimo longe desse ideal. A verdade é que se informar tem custo, não apenas financeiro, mas também em termos de tempo. Para piorar, o seu voto é apenas um em milhões, talvez dezenas de milhões, ou ainda centena de milhões. Ou seja, o valor marginal do voto é próximo de zero. Embora a maioria das pessoas não raciocinem nesses termos, é exatamente assim que pensam. O voto ignorante é uma externalidade negativa, que causa um prejuízo mínimo para o votante na comparação com o custo para tomar uma decisão consciente, mas traz um prejuízo considerável para a sociedade.

Dessa forma, o votante não tem incentivos para investir na aquisição de conhecimentos sobre os candidatos. O que não quer dizer que ele vota aleatoriamente, e sim que carregará para a urna as suas crenças já estabelecidas e o conhecimento, mesmo que superficial, dos candidatos.

Nesse ponto, os votantes têm a tendência de saber de coisas absolutamente irrelevantes e esquecer o que importa. Nos Estados Unidos, poucas pessoas sabem o nome dos dois senadores de seu estado e poucos sabem que são dois senadores em cada estado. No Brasil, são recorrentes a pesquisa sobre a ignorância do eleitorado sobre em quem eles votaram para deputado ou vereador nas últimas eleições. Como Caplan colocou, muita gente sabia do nome do cachorro de George Bush, mas poucos que os dois candidatos em 1992 apoiavam a pena de morte. Entre investir em conhecimento sobre assuntos vitais e assuntos irrelevantes, o eleitorado costuma optar pelo segundo.

O quarto capítulo do livro é basicamente uma análise da teoria da Escolha Pública e como definir os eleitores como ignorantes, ou mesmo racionalmente ignorantes, não ajuda a entender o comportamento do eleitor.

Mais importante é verificar as ideias de Caplan, o que retoma no capítulo 5. O argumento básico é que os eleitores são racionalmente irracionais. Agentes econômicos racionais agiriam de acordo com suas preferências e com os preços. Caplan argumenta que há um terceiro elemento no processo de decisão do eleitor, que são as suas crenças. O eleitor opta por apoiar um candidato não de acordo com o que ele prefere racionalmente, mas com relação ao que acredita ser melhor para a sociedade. Não no sentido religioso, mas guiado pelos vieses apontados anteriormente no livro. Seria diferente, por exemplo, a pessoa optar por mais bem-estar ou mais progresso, desemprego ou inflação, entre outras escolhas guiadas por suas preferências. O eleitor pode optar por políticas que terminam por prejudicar a ele e ao país, mas que satisfazem as suas crenças.

Isso só é possível porque o custo privado de agir assim é baixo, embora o custo social possa ser alto. Em outros campos da vida, agir irracionalmente de acordo com suas crenças ao invés de preferências ou preços pode ter consequências desastrosas para a pessoa. Na política, isso pode ocorrer, mas o custo social é diluído na sociedade e o benefício privado de agir de acordo com suas crenças é maior do que o custo privado. A ignorância racional diz que as pessoas não querem procurar a verdade; a irracionalidade racional diz que as pessoas evitam procurar a verdade. As pessoas pesam o benefício psicológico de abraçar a sua crença contra as perdas materiais que isso pode causar. A racionalidade fica em “stand-by” a espera de ser necessária em assuntos mais delicados onde o custo privado da irracionalidade seja maior.

Dessa forma, as pessoas escolhem quando utilizar a racionalidade, o decisivo sendo o custo privado do erro de não usar a racionalidade. Na política, irracionalmente cedem às suas crenças em um contexto que, na prática, é de pouca importância (no voto), mas agem racionalmente em questões mais cotidianas. Pouca gente leva em conta seus vieses antimercado, antiestrangeiro e a favor de criação de empregos na hora de comprar um iPhone.

Uma explicação adicional é o “benefício expressivo” do voto, onde o eleitor pode expressar seus sentimentos na hora do voto, que vão de nacionalismo até racismo e xenofobia. Os votantes não têm incentivos para serem racionais.

Caplan analisa a hipótese do voto egoísta, que economicamente poderia ser traduzido como “votar com o bolso”. Surpreendentemente, as pesquisas de opinião indicam vários fatos anômalos, com pessoas se mostrando favoráveis a políticas que os prejudicariam em várias questões, do aborto ao seguro desemprego. O argumento de Caplan é que as pessoas não votam de maneira egoísta, mas de maneira altruísta justamente porque o custo é baixo e o benefício psicológico é significativo. Uma pessoa pode votar a favor de um aumento de impostos que a atinja se isso for para o “bem comum”. Isso não ocorre porque o benefício psicológico de agir altruisticamente é maior do que o custo (o aumento de imposto), mas porque esse benefício é maior do que o custo multiplicado pela chance da pessoa decidir a eleição (uma em milhões).

Sobre a questão do “votar com o bolso”, isso não deixa de ser verdadeiro, no entanto, tem mais a ver com outra questão, a culpabilidade do incumbente quando a economia vai mal. O interessante é que esse fator pode acabar por pressionar os políticos a adotarem boas políticas econômicas que irão ter bons resultados econômicos mesmo que contrariando os vieses dos eleitores.

Parênteses para uma análise político-econônica amadora. Após as eleições de 2002 no Brasil, o novo presidente seguiu a politicamente econômica do antecessor não por convicção e não porque foi eleito para isso (do contrário, o sucessor do antigo presidente seria eleito), mas porque sua equipe econômica sabia que isso era o melhor para o país e que renderia (como rendeu) dividendos políticos (segundo mandato e em parte a sucessão). O problema é que, pelo mesmo raciocínio, no segundo mandato adotaria políticas econômicas que dão certo por um tempo, mas que depois têm graves consequências. Isso deu certo na sucessão, mas pode ter o efeito contrário na reeleição. Outra consequência dessa tendência de culpar o incumbente é a busca por inimigos externos ou o cenário externo pelos problemas do país. O pior é que dá certo! Quando um presidente culpa inimigos externos pelo fracasso do país, não adianta argumentar que isso está errado ou que o presidente está louco. Acho que o que resta é lamentar que tanta gente possa realmente acreditar nisso.

Ou seja, há um dilema entre seguir o que o povo quer e depois parecer incompetente e fazer o contrário e depois ser responsabilizado pelo bom momento da economia. Uma consequência é que um congresso desfavorável ao executivo pode forçar políticas populistas ao executivo e força-lo ou a vetar ou a aceitar e posteriormente sofrer suas consequências negativas. As pessoas atribuem ao Poder Executivo a responsabilidade pelo bom ou mau momento da economia, não ao Legislativo.

O capítulo 7 do livro é sobre o lado da oferta. Do que vimos até agora, podemos imaginar que o político não irá buscar o que é melhor para a sociedade, e sim o que ele acredita que as pessoas acreditam que é melhor. Isso pode levar à hipocrisia de defender algo que eles não defenderiam. Mas o pior é que eles não precisam mentir: muitas vezes, acreditam nas mesmas falácias que seu eleitorado. Obviamente que deve tomar cuidado com os resultados de suas políticas, por isso que não é em todo lugar que reina o populismo.

Ou seja, o político precisa misturar populismo ingênuo com realismo cínico, nas palavras de Caplan. Se o líder for carismático ou conseguir usar a seu favor uma situação de comoção nacional (como o 11 de setembro), então ele ganha poderes para utilizar a opinião pública da maneira que quiser. Por outro lado, poderia adotar uma política impopular, mas eficiente, justamente por saber que isso não o afetará a não ser que dê errado.

Outra questão é a da culpabilidade. As pessoas se preocupam com a política e seus resultados e podem ter esperanças irrealistas quanto a ambos simultaneamente. Se a política não der resultado, vai procurar um culpado. O político pode buscar então se eximir da culpa encontrando algum bode expiatório.

Na questão dos “interesses especiais”, os políticos podem favorecer doadores de campanha, mas sempre tomando cuidado para isso não dar muito na cara. No fim, o critério é fazer o que o povo quer em assuntos de interesse da população e atender interesses especiais em assuntos que as pessoas não têm interesse.

No último capítulo, Caplan fala sobre o “fundamentalismo de mercado”, a acusação de que os economistas têm uma fé cega no mercado. O grande problema é que há toda uma literatura sobre falhas de mercado criada pelos próprios economistas, não por teóricos de outras áreas. Há quem se negue a discutir as falhas de mercado, mas esses verdadeiramente fundamentalistas estão longe de ser mainstream e discutem apenas entre si. Porém, Caplan aponta para os “fundamentalistas da democracia”. Um ponto interessante é: quem dissesse que a solução para os problemas do mercado é mais mercado seria chamado de fundamentalista, mas quem diz que a solução dos problemas da democracia é mais democracia não é. O fundamentalismo da democracia é até visto como algo bom e é muitíssimo mais disseminado, popular e influente do que o fundamentalismo de mercado.

No restante do capítulo, Caplan aborda correções possíveis para a democracia baseado no que foi discutido, como aumentar a educação. Mais conhecimento econômico seria desejável, mas difícil de se conseguir na prática, em parte culpa dos próprios economistas.


Em suma, achei um livro interessante, abordando a política do prisma econômico, não apenas no que se refere à política econômica, mas também enquadrando a escolha eleitoral como análises de custo e benefício econômicos.

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