Suman Banerjee, Lili Daí e Keshab Shrestha
Journal of Corporate Finance. Volume 17. 2011
Já tratei em outras ocasiões dos retornos elevados no primeiro dia de negociações das ofertas iniciais, um tema muito discutido nas últimas décadas. Nesse artigo, os autores analisam ofertas em diferentes países e procuram determinar quais características desses países afetam os retornos. Foram estudadas quase 9 mil ofertas de 36 países. Aqui, “Retorno inicial”, “retorno no primeiro dia” e “subprecificação” são utilizados como sinônimos.
As principais hipóteses dos autores são:
Assimetria de Informações: Assimetria de informações envolvendo os mais diversos participantes é uma explicação recorrente para a subprecificação (ver aqui). Especificamente, os autores analisam a assimetria entre agentes internos e externos (insider-outsider) e entre os investidores (outsider-outsider). O primeiro tipo de assimetria é analisado por meio da cobertura de analistas. Em países em que há maior cobertura de analistas das empresas que abrem capital, haveria mais informação sobre as emissoras (ou expectativa de maior nível de informações após a oferta) o que reduziria a subprecificação. Para o cálculo dessa variável, os autores determinaram quantos analistas seguem cada empresa, de cada país e a cada ano e calculam a mediana do país, essa mediana sendo a variável de cobertura de analistas. A segunda assimetria indica, à lá Rock (1986), que alguns investidores são mais bem informados do que outros e quanto maior for essa assimetria maior deveria ser a subprecificação para que investidores desinformados participem da oferta. A assimetria é medida pela sincronia entre o movimento das ações conforme Morck et. al. (2000), um alto nível de sincronia indicando que os preços costumam se mover na mesma direção e a relação com a subprecificação sendo positiva. Pode haver relação positiva entre sincronia e assimetria se houver pouca informação específica sobre a empresa (logo, assimetria) e o preço sendo, dessa forma, movido mais por informações do mercado do que por informações da empresa. A explicação dos autores é confusa, mas essa explicação minha parece estar em linha com o que eles tentaram colocar.
Viés Local: A terceira hipótese é a de que a existência de alguns investidores com parcela considerável do capital da empresa levaria a menor subprecificação ao reduzir os custos de agência relativos ao monitoramento da gestão. Caso esse custo seja alto, investidores exigiram maiores retornos iniciais para aceitarem participar da oferta. Os autores ligam a subprecificação à criação de blocos de controle, mas me parece que subprecificação dificultaria a concentração acionária ao atrair mais investidores e reduzir a participação individual (algumas teorias sobre a subprecificação são de que é essa a intenção da empresa emissora). O viés local, a preferência dos investidores por investimentos no próprio país, é medido como a porcentagem de investimentos dos fundos de investimento no próprio país e entra nessa história na medida em que maior viés local reduziria o custo para atrair esses investidores por meio da subprecificação (supondo que haja a relação entre subprecificação e criação de blocos de controle), criando relação negativa entre subprecificação e viés local. Outra explicação (a minha) é a de que investidores locais podem monitorar mais a empresa do que estrangeiros, e a relação negativa entre as variáveis viria disso.
Receio de expropriação: Empresas com má governança podem tomar decisões que beneficiem ou a alta administração ou os acionistas controladores em detrimento dos minoritários. Em ofertas iniciais, há duas soluções: criar mecanismos que evitem essa expropriação ou oferecer uma compensação adiantada por meio da subprecificação. A hipótese é a de que em países onde há mecanismos menos fortes contra a expropriação os retornos iniciais devem ser maiores. Esse fator é medido através de um indicador criado por Djankov et. al. (2008).
Facilidade de entrar com processos por falhas no prospecto: O emissor e os bancos coordenadores podem ser processados por falhar no prospecto. A subprecificação reduziria o incentivo e a lucratividade desses processos e a última hipótese é a de que quanto mais fácil for entrar com processos, maior deverá ser o retorno inicial. Essa facilidade é medida por um indicador criado por LaPorta et. al. (2006)
Cada hipótese é testada através de uma variável (explicada nos parágrafos anteriores) que é constante para todas as ofertas de um mesmo país. O que se estuda é como as características de um país, não das empresas individualmente, afetam os retornos. Isso ajuda a entender a hipótese da cobertura de analistas. Pesquisas anteriores mostram que empresas que recebem maior cobertura de analistas tiveram maior alta no primeiro dia (ver aqui), contrariamente à hipótese desse artigo, mas as situações são diferentes. Nessa análise, a cobertura de analistas varia entre os países, não entre as empresas. O que se estuda é o efeito da cobertura de analistas no mercado como um todo e sua relação com os retornos iniciais, não a relação entre subprecificação e posterior cobertura.
O teste é realizado por meio de regressões múltiplas que contam ainda com variáveis de controle como o tamanho da oferta (variável negativamente relacionada com o retorno inicial) e o retorno do mercado (positivamente relacionada). Testando uma de cada vez, todas as hipóteses são corroboradas, apenas a significância estatística do viés local sendo baixo (ao nível de 10%). Juntando todas em uma única regressão, as hipóteses continuam sendo confirmadas. Dessa forma, quanto mais analistas cobrem as empresas menor o retorno inicial, quanto maior a sincronia (e a assimetria, por consequência) maior o retorno, quanto maior o viés local menor o retorno, quanto maior o índice de proteção de minoritários menor deve ser a subprecificação e quanto mais fácil for entrar com processo relativo à oferta maior o retorno como forma de seguro contra processos.
Os autores realizam os seguintes testes de robustez: 1) Excluem as ofertas dos Estados Unidos e do Canadá (quase 30% do total); 2) Excluem ofertas asiáticas, para controlar por diferenças regulatórias; 3) Excluem países com poucas ofertas; 4) Excluem países com mais de 5% de ofertas tendo preços no “mercado cinza” (espécie de pré-mercado para ofertas). A única diferença importante causada por essas mudanças é a perda da significância estatística da sincronia quando se exclui as ofertas asiáticas, o que indica que a assimetria “outsider-outsider” é mais importante na Ásia e irrelevante nos demais países.
Mencionei a existência desse artigo anteriormente como possível resposta para o fato das ofertas brasileiras terem um comportamento diferente do resto do mundo em termos de fatores que influenciam os retornos iniciais. Esperava que esse artigo jogasse alguma luz nesse problema, mas não é o que ocorre.
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