quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Conflitos de interesses e retornos iniciais

Na série sobre os retornos no primeiro dia das ofertas iniciais, já tratei de todas as variáveis que se mostraram significativas em minha análise. Passarei a escrever sobre os demais fatores que foram testados, mas não se mostraram significativos.

O primeiro fator é o conflito de interesses na relação entre coordenadores e empresas emissoras em detrimento dos investidores. Aqui a questão não é tanto se há situações de potencial conflito de interesses, e sim em como isso afeta o retorno inicial. A minha única referência em testes específicos desse tipo é Santos et. al. (2010) referente ao mercado brasileiro. Os autores não estudam apenas o curto, mas também o longo prazo, e analisam se as condições de mercado aceleram as operações com potenciais conflitos de interesses. O presente texto é tanto uma descrição dos resultados obtidos em meu TCC quanto uma leitura do texto de referência.

Há duas práticas que foram consideradas como de potencial conflito de interesses: empréstimos à empresa emissora feitos pelos coordenadores e participação acionária dos coordenadores na emissora. Ambas as práticas podem fazer com que empresas pouco preparadas para a “vida” de uma companhia aberta venham a mercado precipitadamente. Os bancos coordenadores emprestam recursos para fazer com que a empresa pareça mais atrativa aumentando seu ativo e seriam pagos de volta com os recursos obtidos na oferta. Os coordenadores ganham dois negócios no processo, o empréstimo e a coordenação da oferta e o mercado “quente” de ofertas iniciais aceleraria esse ciclo. O mercado “quente” também incentivaria os coordenadores a abrir o capital de empresas em que possuem participação acionária, a segunda prática de potencial conflito mencionada. Os autores esperam que essas relações afetem negativamente os retornos no curto e principalmente no longo prazo.

Os autores analisaram essa questão através de variáveis dummies. Caso a empresa tenha recebido empréstimos (diretamente ou como empréstimo aos acionistas) acima de US$ 150 milhões dos coordenadores (não necessariamente o líder), a variável vale 1, 0 do contrário. Essa informação pode ser obtida no prospecto, ou nas demonstrações contábeis, ou na seção de fatores de risco ou (principalmente) na seção “Relacionamento entre a companhia e os coordenadores”. Na minha análise, utilizei o valor de R$ 100 milhões. Pelo que constatei, utilizar esse critério acaba por resultar em algumas injustiças, mas é necessário um critério objetivo. A variável de participação acionária vale 1 caso um dos coordenadores tenha 5% ou mais do capital da empresa antes da oferta, 0 do contrário. Essa informação pode ser encontrada na parte do prospecto em que é mostrada a participação dos principais acionistas antes e depois da oferta.

A análise dos autores abrangeu as ofertas entre 2004 e 2007, enquanto que a minha (a mais atualizada, não a do TCC) entre 2004 e 2011. Os autores contaram cinco ofertas a mais do que a minha base, uma dessas provavelmente sendo a Cosan Limited, outra a Tam e as demais não sei. Na base dos autores, 28% das empresas receberam empréstimos e 16% tiveram participação acionária do coordenador; na minha, 21,64% e 11,19% respectivamente. Dentre as ofertas que tiveram participação acionária do coordenador, os autores consideraram sete a mais do que eu e dentre as que receberam empréstimos nove a mais (considerando o período 2004-2007). Futuramente, irei revisar essas informações.

Na análise univariada dos autores, as empresas que possuem um coordenador-acionista tiveram maior retorno inicial (11,6% x 4,4%), mas não na minha análise. Na divergência das bases, é possível que os autores tenham considerado a Bovespa Holding e a BM&F no grupo das que tinham participação acionária dos coordenadores. Individualmente, nenhum coordenador possui 5%, mas em conjunto possuem. Se os autores assim o fizeram, explica-se a grande diferença. Analisando as empresas que receberam empréstimos, a diferença de médias do retorno inicial não é significativa nas duas análises. Na minha, a diferença aparentemente é maior em favor das que não receberam (2,44% sim contra 5,19% não), mas a diferença não é significativa. No longo prazo, o retorno total médio das empresas que não receberam empréstimos é maior (a média das que receberam é negativa).

Na análise multivariada, as variáveis que indicam o empréstimo dos coordenadores e a participação não são significativas em nenhuma das análises, ao menos no curto prazo. No meu último modelo de regressão, eu exclui a variável de empréstimos, por conta do elevado risco de erro de especificação (não é simples definir o que é ou não um empréstimo pré-IPO em alguns casos). Separando em quatro tipos de coordenadores (UBS, Credit Suisse, brasileiros e estrangeiros não UBS ou CS), os autores até encontraram relação negativa entre retorno inicial e o fato de um banco brasileiro ou do UBS concederem empréstimos antes da oferta, mas não me parece haver uma justificativa boa para fazer essa separação. O resultado é até surpreendente já que a Agrenco, o caso mais flagrante de conflito de interesses (segundo os próprios autores), envolveu o Credit Suisse, não o UBS ou bancos brasileiros. Fazendo a mesma separação para a participação acionária, os autores encontram efeito significativo apenas quando o coordenador é brasileiro, mas ressaltam que só houve uma oferta com coordenador-acionista brasileiro (Redecard) entre 2004 e 2007.

No longo prazo, até que há um efeito negativo dos empréstimos no retorno total ao acionista. Porém, os autores não utilizaram um modelo de precificação de ativos (como o de três fatores, por exemplo) para testar esses retornos, de forma que eu acho que não é possível tirar maiores conclusões.

Outra referência é Ljungqvist e Wilhelm (2003), que estudaram, entre outros fatores, a participação acionária do coordenador nos retornos iniciais. Encontraram uma relação negativa entre a participação dos coordenadores no capital da empresa e os retornos iniciais. Mas a análise dos autores não é a de que isso seja reflexo de conflitos de interesse. Isso ocorreria pelo maior monitoramento por parte dos bancos de investimento, o que reduz a subprecificação por motivos como a dispersão acionária e poderia aumentar o valor das ações em uma futura venda por parte dos bancos.

No curto prazo, nem empréstimos por parte dos coordenadores nem participação acionária dos coordenadores parece afetar os retornos, em geral. Porém, isso pode ocorrer porque é difícil separar o que é empréstimo normal e o que é empréstimo conflituoso e as intenções do coordenador que é acionista da emissora. O mais recomendável é que o investidor analise caso a caso procurando por conflitos de interesse e julgando se trata-se ou não de uma situação danosa, sendo um bom começo procurar por “Relacionamento entre a companhia e os coordenadores” (a redação pode variar de prospecto em prospecto).

Dentre as ofertas coordenadas por um acionista, há cinco altas expressivas (GVT, Redecard, Equatorial, Fleury e Visanet) e duas quedas expressivas (Cetip e a hors concour Agrenco). Dentre as que receberam empréstimos, outras cinco altas expressivas (GVT, Qualicorp, Natura, Energias do Brasil e Vivax) e duas baixas expressivas (OSX e vocês-sabem-quem).

Para terminar o artigo de Santos et. al., os autores analisaram a probabilidade da oferta ter empréstimo ou participação acionário do coordenador de acordo com algumas variáveis. Os resultados da análise não foram muito bons para a participação acionária, mas para empréstimos descobriram que o retorno do mercado antes da oferta (especificamente, entre os três e os seis meses antes da oferta) afeta positivamente, enquanto que o retorno sobre ativos e a idade afetam negativamente. Ou seja, em mercados em alta, os bancos recorrem mais ao “fuelling” e as empresas que mais se envolvem nessas operações são menos rentáveis e mais novas, em suma, empresas despreparadas.

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