quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Mais pesquisas sobre literacia financeira

Anteriormente, escrevi sobre três artigos que tratavam da relação entre literacia financeira e planejamento de aposentadoria em três países dferentes. Retomo o assunto com outros artigos sobre literacia financeira.

Literacia Financeira
No texto anterior, havia traduzido “financial literacy” como “educação financeira”. “Literacy” é traduzido como alfabetização. Não quis usar o termo “alfabetização financeira” porque, apesar de fazer sentido, parece juntar duas coisas diferentes (habilidade com palavras e habilidades com conceitos financeiros). O termo “literacia financeira” é utilizado, conforme buscas na internet mostram, na maioria dos casos em Portugal. Pensei que literacia financeira e educação financeira fossem usados como sinônimos. Talvez sejam, mas a OCDE diferencia os dois (ver aqui).

Educação Financeira: “É o processo pelo qual indivíduos melhoram seu entendimento de produtos e de conceitos financeiros e através de informação, instrução e/ou conselhos objetivos desenvolvem habilidades e confiança para se tornarem mais cientes dos riscos e das oportunidades financeiras, para fazer escolhas mais informadas sobre onde buscar ajuda e para fazer outras escolhas efetivas para melhorar seu bem-estar e proteção financeira”.

Literacia (ou alfabetização) financeira: “Combinação de consciência, conhecimento, habilidades, atitudes e comportamentos necessários para tomar decisões financeiras sensatas e em última instância alcançar o bem-estar financeiro”.

Por essas definições, educação é o processo e literacia o seu fim. Irei utilizar o termo “literacia financeira” neste texto.

Outros países
No primeiro texto, as pesquisas foram feitas na Alemanha, Holanda e Estados unidos. Foram feitas as seguintes perguntas a respondentes de cada país:

1) Suponha que você vá investir $ 100,00 e as taxas de juros sejam de 2% ao ano. Daqui a cinco anos, você terá: a) Mais do que $ 102; b) Menos do que $ 102; c) Exatamente $ 102,00; d) Não sei.

2) Suponha que você tenha $ 100,00 na conta e que esse dinheiro renda 1% ao ano. A inflação do ano foi de 2%. Em um ano, você poderá comprar: a) Mais do que hoje; b) Menos do que hoje; c) A mesma quantia que hoje; d) Não sei.

3) Verdadeiro ou falso: Comprar a ação de apenas uma empresa geralmente produz um risco menor do que investir em um fundo de investimento em ações.

O gabarito é: 1) Mais do que $ 102; 2) Menos do que hoje; 3) Falso

Nesse site, há outras pesquisas realizadas com metodologias parecidas, em outros países. As perguntas parecem fáceis, porém, o grau de acerto não é lá essas coisas. Abaixo, os resultados sobre o grau de acerto das três perguntas e para as duas primeiras (mais fáceis e mais importantes).

País; Três Respostas Certas; Respostas certas para as duas primeiras perguntas
Alemanha; 53,2%; 71,9%
Holanda; 44,83%; 73,36%
Estados Unidos; 30,2%; 46,2%
Nova Zelândia; 24%; 73%
Japão; 27%; 49,2%
Suécia; 21,4%; 26,7%
Itália; 24,88%; 31,51%
Rússia; 3,07%; 21,82%

No caso da Suécia, a primeira pergunta era diferente e mais difícil, exigindo que a pessoa soubesse que $ 200 aplicado por dois anos à taxa de 10% a.a. são exatamente $ 242 (sim, para mim a conta também não é complicada mesmo de cabeça, mas a outra formulação é mais simples). No caso da Itália, a pergunta sobre mercado acionário foi bem mais fácil, perguntando se uma pessoa que invista apenas em ações estaria melhor ou pior depois de uma queda do mercado, e mesmo assim os resultados italianos foram ruins. Na Rússia, a pergunta básica de juros envolve também conhecimento de juros compostos e a pergunta sobre inflação é diferente. Os resultados da Suécia, Itália e Rússia não são comparáveis com os demais.

Literacia Financeira e Participação no mercado acionário
Van Rooji et. al. (2011a) analisaram a relação entre literacia financeira e a participação da pessoa no mercado acionário. A pesquisa foi realizada na Holanda em 2005 e 2006. A educação financeira é medida através das respostas a perguntas parecidas com aquelas citadas na seção anterior. As perguntas são de dois tipos, o primeiro de nível básico e o segundo de nível avançado.

De nível básico:
1) (Cálculos básicos) Suponha que você vá investir $ 100,00 e as taxas de juros sejam de 2% ao ano. Daqui a cinco anos, você terá: a) Mais do que $ 102; b) Menos do que $ 102; c) Exatamente $ 102,00;

2) (Juros compostos) Suponha que você vá investir $ 100,00, as taxas de juros sejam de 20% ao ano e você nunca realize resgates. Daqui a cinco anos, você terá: a) Mais de $ 200,00; b) Exatamente $ 200,00; c) Menos do que $ 200,00;

3) (Inflação) Suponha que você tenha $ 100,00 na conta e que esse dinheiro renda 1% ao ano. A inflação do ano foi de 2%. Em um ano, você poderá comprar: a) Mais do que hoje; b) Menos do que hoje; c) A mesma quantia que hoje;

4) (Valor do dinheiro no tempo) Suponha que um amigo irá receber $ 100,00 de herança e o irmão desse amigo também receberá $ 100,00, mas daqui a três anos. Quem é mais rico, por conta da herança. a) Seu amigo; b) O irmão; c) Eles são igualmente ricos

5) (Ilusão monetária) Suponha que no ano que vem seu salário dobre e os preços de todos os bens e serviços também dobre. Você poderá: a) Comprar mais do que hoje; b) Comprar o mesmo; c) Comprar menos do que hoje.

A pessoa pode responder que não sabe ou se recusar a responder.

O gabarito é: 1) Mais do que $ 102; 2) Mais de $ 200; 3) Menos do que hoje; 4) Seu amigo; 5) Compra o mesmo

Como ocorre com o grupo de três perguntas, parecem fáceis, mas o grau de acerto é baixo. Apenas 40,2% acertaram as cinco questões, 32,8% quatro e 15,1% três.

Outras onze questões mais avançadas foram feitas. Ocuparia muito espaço colocar aqui todas, mas são perguntas sobre diversificação, conceito de ação e de bônus e função do mercado acionário. As perguntas não são tão simples quanto as anteriores, mas também não são muito difíceis, de forma que dá para “tolerar” uma ou duas questões erradas (opinião minha, não dos autores). 25,4% dos respondentes acertaram ao menos 9 questões.

Com base nessas respostas, os autores criam índices de literacia financeira através da análise fatorial, um índice básico e outro avançado. Separando em quartis e comparando com outras variáveis de controle, percebe-se que os índices são bem construídos. A porcentagem de respondentes com alto grau de literacia financeira aumenta com a educação formal e faz uma curva em U invertido com a idade (pessoas mais jovens ainda estão aprendendo, as mais idosas talvez tenham aprendido menos e entre os dois grupos estão os com maior literacia, principalmente no que se refere às questões avançadas). Por fim, há alta correlação entre esses índices e literacia auto-declarada (foi perguntado aos respondentes qual nota dariam de 1 a 7 para seu conhecimento sobre economia). Outro dado é que pessoas com menos conhecimento financeiro são as que mais confiam em conselhos de parentes, amigos e conhecidos e a porcentagem de pessoas que procuram fontes mais especializadas cresce junto com o conhecimento financeiro. Não sei se há motivo a priori para isso, mas homens possuem maior grau de literacia financeira (isso não confirma nem refuta que o índice é bem construído).

O próximo passo é relacionar literacia com participação no mercado acionário. Apenas 23,8% dos respondentes investe em ações diretamente ou por meio de fundos (23,8% é uma porcentagem relativamente alta, mas não deixa de ser absolutamente baixa). Olhando uma variável de cada vez, o investimento em ações aumenta com a escolaridade, com a renda, com a idade (o grupo que mais investe em ações é o com mais de 71 anos) e com o patrimônio (excluído ações). A porcentagem de homens que investe em ações é aproximadamente 1,8 vezes da porcentagem de mulheres (30,3% x 16,7%) e pessoas casadas investem mais em ações (26,8% x 19,8%). O mais importante, o investimento em ações aumenta com a literacia financeira, tanto básica quanto avançada. A análise multivariada, que analisa a probabilidade da pessoa investir em ações através de diversas variáveis, incluindo a literacia financeira básica e avançada. Os resultados mostram que a literacia avançada influencia a decisão de investir em ações. Em testes adicionais, os autores primeiro estimaram a literacia e depois como ela influencia o comportamento. Foram incluídas duas variáveis, a situação financeira dos irmãos e o conhecimento financeiro dos pais para estimar a literacia. Pessoas que têm irmãos em situação financeira pior e cujos pais possuem menor literacia financeira estão mais propensos a terem maior grau de literacia, talvez por sentirem na pele a sua necessidade. Na segunda parte desse teste, a participação no mercado continua sendo influenciada pela literacia.

Literacia Financeira e patrimônio
Os mesmos autores prepararam outra pesquisa sobre a relação entre literacia financeira e patrimônio. Separando por quartis, o patrimônio cresce com a literacia (básica ou avançada). Na análise multivariada, a literacia básica afeta positivamente o nível de patrimônio, controlando por outros fatores que também espera-se que determinem a riqueza da pessoa. Os autores falam de dois canais através do qual a literacia afeta o patrimônio. O primeiro é a participação no mercado acionário, conforme a seção anterior, e a outra o planejamento da aposentadoria, conforme estudos anteriores e reforçados por novas análises no artigo. A educação financeira reduziria o custo de coletar informações e de se planejar, permitindo que a pessoa execute melhor um planejamento financeiro e derrubando os impedimentos psicológicos para investir em ações ou planejar a aposentadoria. O investimento em ações aumentará a riqueza se as ações de fato subirem (esse anônimo discordará) e o planejamento previdenciário certamente aumentará o patrimônio, porque levará a pessoa a poupar.

Conclusão
Os resultados dos estudos não são muito surpreendentes: maior conhecimento de conceitos financeiros e dos produtos de investimento levam as pessoas a investirem mais em ações, a terem alguma motivação para planejar a aposentadoria e isso levaria à maior acumulação de riqueza. O importante é confirmar o que parece óbvio e também fornecer uma maneira de medir a literacia financeira que poderia ser utilizada para testar outras hipóteses. Seria interessante ver um estudo para o caso brasileiro.

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