domingo, 24 de julho de 2011

Retornos e alocação de ativos

Roger G. Ibbotson e Paul D. Kaplan
Financial Analysts Journal. Janeiro/Fevereiro. 2000

No processo de gestão de carteiras, a alocação de ativos se refere á escolha de classes de ativos que irão compor a carteira, processo anterior ao da seleção de ativos. A decisão mais clássica de alocação de ativos é entre ações e renda fixa, 60% em renda fixa e 40% em ações, por exemplo. Mas há muitas outras classes de ativos, separando ações em diferentes tipos (alta capitalização de mercado, baixa capitalização, ações estrangeiras), renda fixa em diferentes tipos (títulos públicos, títulos privados etc.) e havendo ainda o caixa (dinheiro em caixa ou mesmo em títulos de curto prazo).

Brinson et. al. (1986) concluem que a alocação de ativos explica mais de 90% da variação dos retornos de um fundo típico ao longo do tempo. Essa explicação da variação dos retornos nada mais é do que o r-quadrado da regressão entre retornos da política e retornos do fundo. Retornos da política é o desempenho de uma carteira com a mesma alocação de ativos, mas posicionada no índice de referência. Segundo os autores do artigo a ser analisado aqui (Ibbotson e Kaplan), muitas pessoas confundem essas conclusões com outras relacionadas com a alocação de ativos.

Os autores formulam três questões diferentes:
1) Quanto da variabilidade dos retornos de uma carteira ao longo do tempo é explicada pela alocação de ativos?
2) Quanto da variabilidade dos retornos de diferentes fundos é explicada pelas suas alocações de ativos?
3) Quanto o nível de retornos é explicado pela alocação de ativos?

Para examinar essas questões, os autores desmembravam o retorno total em retorno da política e retorno de estratégia ativa.

(1+Retorno Total) = (1+Retorno da Política)*(1+Retorno de estratégia ativa).

O retorno da política nada mais é do que o retorno médio dos índices de referência:

Retorno da política = w1*R1 + w2*R2...wn*Rn

Onde:
wi = Peso da classe de ativos i
Ri = Retorno da classe de ativos i

A primeira pergunta foi respondida com uma regressão de série temporal entre o retorno da política e o retorno total para cada fundo. Em linha com Brinson et. al., encontram r-quadrados próximos de 90%. Esse resultado depende muito do grau de gestão ativa dos fundos, os mais ativos tendo menos de seu resultado explicado pela sua alocação de ativos do que os menos ativos. Porém, fazendo a regressão do retorno total do fundo com o retorno do S&P 500, chega-se a um r-quadrado médio apenas um pouco inferior ao r-quadrado da análise anterior, de forma que os retornos são mais explicados pela participação dos fundos no mercado em geral do que por sua política de alocação de ativos.

A segunda questão é respondida com a regressão dos retornos totais médios de cada fundo com os retornos da política médios de cada fundo. O r-quadrado médio é próximo de 40%. A resposta à segunda pergunta também é influenciada pelo grau de gestão ativa. O r-quadrado dessa segunda análise poderia ser de apenas 14% se os fundos fosse 1,5 vez mais ativos do que eram ou 81% se fossem 50% menos ativos. A grande variabilidade das políticas de alocação de ativos indica que o grau de gestão ativa é alto.

A terceira pergunta mistura-se com a análise dos retornos anormais de fundos ativos. Na primeira análise, os autores já tinham chegado a retornos de estratégia ativa (o segundo fator do desmembramento do retorno total) negativos. A terceira pergunta é respondida dividindo 1 + o retorno da política com 1+ o retorno total do fundo. Se o resultado for igual a 1, o fundo teve desempenho idêntico à média de suas referências, enquanto que resultados inferiores a 1 indicam desempenho superior e superiores a 1 indicam que o fundo foi superado pelos índices. O resultado mediano foi de 1 e na média foi um pouco superior a 1, indicando que os fundos não agregaram valor sobre seus referenciais. Logo, a política de alocação de ativos explica algo próximo de 100% do nível de retornos dos fundos.

Essas diferentes análises sobre o mesmo tema indicam a necessidade de se entender exatamente se está analisando. Dizer que a alocação de ativos explica X% da variabilidade dos retornos não é um enunciado autoexplicativo. Para melhor entender as três respostas, vou deixar de usar o termo “alocação de ativos”. 1) 90% do retorno de uma carteira ao longo do tempo é explicado pela decisão a respeito das classes de ativos onde se investe. Outras questões como a seleção de ativos e o momento em que os investimentos são feitos têm peso menor muito por conta de não variarem tanto ao longo do tempo. 2) 40% dos retornos de diferentes carteiras é explicado pela maneira como os fundos escolhem as classes de ativos onde investem. Mesmo que dois fundos deem pesos iguais para as mesmas classes, os retornos serão bastante diferentes porque os fundos escolherão ativos específicos diferentes. 3) Os fundos na média não conseguem retornos muito diferentes de seus referenciais. Para explicar o retorno de um fundo, basta descobrir o peso das diferentes classes de ativos e calcular o retorno médio de uma carteira de referência. Esse retorno médio da referência será parecido com o retorno do fundo, na média e na maioria dos casos.

E essas três perguntas são afetadas pelo grau de gestão ativa. Se todos os fundos fossem de gestão passiva, a resposta para todas as perguntas seria 100%. Na primeira pergunta, o desempenho ao longo do tempo de carteiras mais ativas será mais afetado por questões como a seleção de ativos do que carteiras que buscam apenas acompanhar uma referência. Mas mesmo investidores ativos terão boa parte de seus retornos ao longo do tempo explicado pela alocação de ativos, a não ser que façam mudanças muito radicais da composição da carteira em curtos intervalos de tempo. Na segunda pergunta, a gestão ativa baseia-se principalmente em afastar-se do referencial e envolve muita discordância de opiniões. Fundos com mesma alocação de ativos terão retornos muito diferentes se o grau de gestão ativa for alta, como é, no caso dos fundos analisados. A terceira pergunta nada mais é do que a mesma que se faz na análise de desempenho de fundos, não encontrando resultado muito diferente do que a referência, em linha com outros estudos, o que indica que a gestão ativa não agrega valor.

Uma última explicação para entender melhor a diferença das perguntas: a variação ao longo do tempo é muito explicada pela alocação de ativos porque ativos dentro de uma mesma classe podem ter correlação altas. Ainda, carteiras de ativos de mesma classe possuirão uma correlação alta com sua referência. Não por outro motivo o r-quadrado (a correlação ao quadrado) será alto. A não ser que o gestor selecione com frequência ativos que se movam em direção oposta à média de sua classe, o retorno da parte da carteira investida em uma classe de ativos terá muita relação com outros ativos semelhantes. Porém, os gestores irão tomar decisões que serão diferentes das de outros gestores. Seu retorno médio dependerá da alocação de ativos, mas também dependerá muito da seleção de ativos e do momento de investimento. Dois gestores com mesma alocação de ativos que tomem outras decisões diferentes terão retornos diferentes, por isso o r-quadrado de apenas 40% na segunda pergunta. Por último, as duas perguntas não diziam sobre o nível de retornos. Mesmo que a correlação entre retornos da política e do fundo fosse alta, o nível dos retornos poderia ser muito diferente (correlação alta não indica que a troca de um pelo outro seja de 1 para 1). A única pergunta que faz referência ao nível de retornos é a última.

No site HC Investimentos, o artigo de Ibbotson e Kaplan (na verdade, seu resumo) é mencionado. O texto do site e outros do mesmo tema são bons, mas o autor usa a afirmação de que a alocação de ativos explica 90% dos retornos como uma forma de mostrar a importância da alocação de ativos. Nenhuma das três perguntas passa pela análise da importância do tema. Além do mais, como visto, esse grau de explicação depende do grau de gestão ativa. Se o investidor utilizar-se da indexação, 100% de seu retorno será explicado pela alocação de ativos, independente de qual seja. Se eu investir 100% em BOVA11, 100% da variabilidade dos retornos de minha carteira seja explicada pelos retornos do BOVA11. Nem por isso essa alocação é boa ou ruim.
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Acréscimo nov/17: Para saber mais sobre o tema, consultem um e-book sobre o tema nesse site.

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