Keith H. Black
Journal of Investing. Outono, 2009
De alguns anos para cá (desde 2003, segundo esse gráfico), o preço das commodities vem subindo de forma impressionante. Esse fenômeno em muito beneficiou o Brasil e suas maiores empresas (Petrobras e Vale), mas há algumas preocupações já que o aumento de preço de commodities alimentícias eleva o custo de vida no mundo, com impactos adversos sobre a distribuição de renda.
Os investidores institucionais que aplicam em commodities, principalmente em derivativos que têm como ativo-objeto as commodities, foram apontados como um dos culpados por essa escalada de preços. Segundo o autor do artigo, a aplicação de investidores institucionais em commodities dobrou entre 2004 e 2005 e voltou a dobrar entre 2005 e 2007, o valor aplicado por esses investidores chegando a US$ 240 bilhões em 2008. Correlação nem sempre é casualidade. Seria esse o caso?
Primeiro, um parênteses sobre investimento em futuros de commodities. Há diversas razões para a atratividade das commodities. Gorton e Rouwenhorst (2006) analisaram o desempenho de investimento em commodities utilizando dados da LME e do CRB no período entre 1959 e 2004. Os autores construíram uma carteira de pesos iguais com os contratos disponíveis na base de dados e utilizou esse índice para as análises. A carteira consiste na aquisição de US$ 1 de cada contrato e a aplicação de US$ 1 em letras do tesouro americano de 3 meses (ou seja, há garantia de 100% dos contratos futuros). O retorno de uma carteira composta por contratos futuros de commodities foi superior do que o retorno das próprias mercadorias, mas a correlação entre os retornos é alta. Na comparação com ações, o retorno das ações é um pouco maior do que o de futuros de commodities, o risco (desvio-padrão) das ações é um pouco maior e o índice de Sharpe dos futuros de commodities um pouco maior. Ou seja, no período analisado, com a metodologia empregada, o desempenho das duas classes de ativos foi parecido. Correlações em diferentes intervalos de tempo entre ações e futuros de commodities são ou positivas e baixas ou negativas, sendo que em cinco anos o coeficiente de correlação é de -42% e estatisticamente significativo. A correlação entre futuros de commodities e títulos de renda fixa é sempre negativa e com a inflação é sempre positiva.
Futuros de commodities serviram de hedge para ações na maioria do período analisado pelos autores (pelo gráfico mencionado acima, na crise de 2008 não parece ter funcionado tão bem). Nos cinco por centos piores meses para ações, com desempenho médio negativo de 8,98% a.m., os futuros subiram 1,03% a.m, o que é também acima do desempenho médio dos contratos. Nos um por cento piores meses, quando as ações caíram 13,87% a.m., o desempenho das commodities foi de 2,38% a.m. Examinando os piores meses para commodities, o desempenho das ações também foi negativo, mas menos negativo. Os contratos futuros também são hedge contra a inflação por conta da correlação positiva entre os retornos dos futuros e a inflação, principalmente para períodos maiores de tempo e para inflação inesperada, sendo que ações e renda fixa têm correlação negativa. A inflação explica parte do comportamento oposto de ações e commodities. As variações ao longo dos ciclos econômicos também são diferentes, já que futuros de commodities têm desempenho melhor no final das expansões e no começo das recessões, o oposto ocorrendo no começo das expansões e fim das recessões.
Esses resultados são relativos aos Estados Unidos, mas, pelo menos no que se refere ao desempenho dos ativos, futuros de commodities e ações tiveram desempenho semelhante no Reino Unido e no Japão. Investir em ações de empresas que atuam no setor de commodities não produz os mesmos resultados de investir em contratos futuros, a correlação entre essas empresas e os futuros sendo de 40% contra 57% de correlação entre empresas de commodities e o S&P 500.
Portanto, há uma série de atrativos em se investir em futuros de commodities. Estabelecido isso, voltemos à questão do efeito dos investidores institucionais no mercado. O primeiro ponto é que os investidores institucionais investem principalmente nos contratos futuros e muito pouco na mercadoria em si. Os investidores compram o contrato mais curto ou o próximo e o liquidam financeiramente antes do vencimento. E o que está em alta é o preço das próprias mercadorias e o preço dos contratos futuros apenas acompanha essa tendência. Derivativo, por definição, deriva seu valor do ativo-objeto, não o contrário. O segundo ponto é que o valor de US$ 240 bilhões mencionado anteriormente é baixo perto da produção de US$ 4,84 trilhões das commodities constituintes do GSCI. Separando por grupo de contratos e dividindo pelo valor da produção, vê-se que os institucionais participam de 3,7% dos contratos de energia (como petróleo, um dos mercados mais supostamente afetados pela atividade dos investidores institucionais) e 15,1% dos contratos de metais preciosos, metais industriais, comida e fibras ficando entre esses dois valores.
Além da baixa participação de mercado, outra questão é a oferta e demanda de commodities. Apesar do consumo mundial de commodities energéticas ter crescido apenas um pouco mais do que a produção entre 2002 e 2006, o consumo nos mercados emergentes cresceu muito mais do que a produção dessas mercadorias. Nesse mercado, ocorreu o mesmo nos Estados Unidos, não tanto pelo aumento no consumo, mas pela queda na produção. Na parte “Resto do Mundo” há maior produção do que consumo, o Brasil fazendo parte desse “Resto” na tabela dos autores. Ainda na oferta e demanda, nos últimos tempos, o consumo tem sido maior do que a produção, o que implica redução nos estoques. Essa situação de menores estoques e consumo superior à produção torna o mercado vulnerável a choques de oferta (como desastres naturais que afetem a produção), os preços ficando mais sensíveis a esses acontecimentos. Baixos níveis de estoques levam a maiores preços com receio de que o aumento no consumo não seja acompanhado por aumento na produção sem ter estoques para suprir essa diferença.
Há ainda restrição a exportações de alguns produtos em alguns países, o que torna mais caro para os países dependentes de exportações consumir mais do que se produz domesticamente, o que acaba elevando os preços nos mercados nacionais e internacionais. O arroz (que, aliás, não tem contratos futuros e seu preço subiu da mesma maneira) é uma das mercadorias com exportações restritas na Ásia, por exemplo.
Outro fator é o uso de produtos agrícolas para a produção de combustível, o milho tendo essa finalidade nos Estados Unidos. Há dois efeitos, o primeiro de desviar as próprias mercadorias para a produção de uma outra commodity, sendo que parte significativa da colheita tem esse destino, que satisfaz apenas 3% da necessidade por combustíveis. O segundo efeito é reduzir a área disponível para outras culturas, o consumo de trigo nos Estados Unidos tendo crescido mais do que a produção entre 2001 e 2007, por exemplo. Nos dois mercados, ocorre o consumo maior do que a produção que reduz os estoques.
Por fim, a depreciação do dólar também teve efeito nos preços, sendo que o Dow-Jones UBS Commodities Index subiu 97,3% em dólares entre 2001 e 2007, mas apenas 23,9% em euros. Ou seja, muitas das estatísticas sobre preços de commodities em dólares podem estar sendo mais afetadas pela fraqueza do dólar do que pela oferta e demanda.
Dessa forma, a alta de preços parece se dever muito mais por questões de oferta e demanda, incluindo consumo superior à produção e queda nos estoques, pelo uso de mercadorias agrícolas para produção de bicombustíveis e pela depreciação do dólar do que por um aumento na atividade dos investidores institucionais que não representam nem 20% da produção de qualquer dos mercados de commodities, representando apenas 3,7% em um dos mercados que mais causa celeuma, o de commodities energéticas.
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