segunda-feira, 18 de julho de 2011

Corrupção e valor das empresas

Charles M.C. Lee e David Ng
Journal of Investing. Inverno. 2009

O artigo examina o efeito da corrupção no valor das empresas. A corrupção é medida pelo Índice de Corrupção Percebida da Transparência Internacional, que atribui uma nota de 1 a 10 em ordem crescente de corrupção (o que pode ser atrapalhar a fácil interpretação do indicador. Para resolver isso, os autores inverteram o índice). O valor da empresa é medido pelos índices Preço/Valor Patrimonial e Q de Tobin (Valor de mercado das ações e da dívida dividido pelo valor contábil).

O P/VPA é determinado pelo Retorno sobre Patrimônio Líquido (RSPL), o crescimento esperado e o custo do capital próprio, os dois primeiros tendo efeito positivo e o terceiro negativo. O Q de Tobin é afetado por fatores semelhantes, retorno sobre ativos (RSA) e custo médio ponderado de capital, além do crescimento. A dedução desses fatores segue modelos de lucros residuais, mas o desconto de fluxos de caixa à Damodaran chega nas mesmas variáveis. Os autores teorizam sobre possíveis maneiras da corrupção afetar esses três fatores. Com alguns acréscimos meus, afirmam que a corrupção afeta o crescimento da economia local (como estudos anteriores mostram), reduz a rentabilidade ao aumentar custos e aumenta o risco percebido a respeito da empresa e assim aumenta o custo de capital. Corrupção do governo provavelmente existe junto com corrupção dentro das empresas (ou seja, má governança) seja simplesmente por fazerem parte de uma mesma cultura, seja porque as leis que não coíbem a corrupção também não coíbem práticas deletérias de governança. Isso afeta os três fatores mencionados, a rentabilidade caindo com a extração de benefícios privados por parte dos acionistas controladores ou dos altos executivos, essa possibilidade aumentando o risco da empresa. O crescimento pode ser menor por esses mesmos fatores ou por interesses dos controladores ou dos executivos em reduzir seu próprio risco reduzindo investimentos, o que afeta o crescimento. O investimento pode até ser elevado, mas há a chance de serem maus investimentos, talvez com motivações pessoais do controlador ou do executivo (a construção de um império através de fusões e aquisições desastradas, por exemplo).

Essa análise é sucedida pela pesquisa empírica, analisando empresas de 44 países no período entre 1994 e 2003 resultando em mais de 58 mil observações (o Brasil não foi incluído na pesquisa, provavelmente porque não fazia parte da base de dados utilizada pelos autores). A primeira análise é uma regressão simples entre P/VPA e Q de Tobin com o índice de corrupção, encontrando relação entre maior corrupção e menor valor. Esse efeito se dá muito por conta dos países mais corruptos. Separando os países-ano (determinado país em dado ano) em três grupos, o tercil mais corrupto possui empresas menos valiosas do que os demais tercis, não parecendo haver diferença significativa entre os países-anos com baixa e média corrupção. Analisando as médias dos países separados em tercis chega-se ao mesmo resultado. Segundo essas análises, o efeito de um aumento ou redução na pontuação de corrupção é de aproximadamente 5%.

Porém, outros fatores que não a corrupção afetam o valor da empresa, notadamente, os três mencionados anteriormente ou suas aproximações (custo de capital e crescimento esperado não são diretamente observáveis). Para levar em conta essas outras variáveis, os autores realizaram uma regressão múltipla com o valor da empresa como variável dependente. Dessa vez, a análise não é feita sobre países-ano, e sim sobre as empresas individualmente. Os resultados reafirmam o efeito negativo da corrupção no valor da empresa, o impacto variando de -8,5% a 12,2%.

Como uma nota acessória, a razão de distribuição de dividendos foi levada em conta nessa análise. O teorema da irrelevância da política de dividendo Modigliani-Miller prevê que essa variável é irrelevante no valor da empresa. O mesmo modelo usado para identificar os fatores determinantes do P/VPA prevê que, após considerar o RSPL e o crescimento, a razão de distribuição é irrelevante. A análise dos autores não se destinava a isso, mas encontrou um coeficiente negativo e estatisticamente significante, porém, economicamente muito baixo, 0,000. Supondo que seja na verdade 0,00005, uma razão de distribuição de 100% reduziria o valor em 0,05%, ou seja, em nada para todos os fins práticos.

Por fim, os autores procuraram determinar o canal através do qual a corrupção afeta o valor das empresas. Isso é feito primeiro estimando os três fatores (RSPL/RSA, crescimento e retornos) por meio de regressões que incluam as variáveis que podem influenciar esses fatores (incluindo sempre corrupção) e depois utilizando os resultados desse modelo em regressões para estudar o valor da empresa que incluam a variável que indica a corrupção. Se a corrupção deixar de ser significativa com a inclusão do fator estimado, então determina-se que esse fator, afetado pela corrupção, é que reduz o valor da empresa. Isso ocorre com as variáveis RSPL e RSA e, marginalmente, com o crescimento. Ou seja, a corrupção reduz o valor através da redução da rentabilidade das empresas. O que faltou é determinar como a rentabilidade é reduzida. O mais provável (me parece) é uma combinação de retenção em excesso de lucros (aumentando o patrimônio líquido e reduzindo os dividendos) e maus investimentos.

Além de estabelecer a relação entre corrupção e valor da empresa e descobrir que isso se dá via redução na rentabilidade, é interessante esse estudo para entender o valor das empresas e o processo de avaliá-las. Escrevi diversas vezes sobre avaliação, em especial por meio de desconto de fluxos de caixa. Se as evidências sobre o desempenho da gestão ativa de ações que apontam a incapacidade dos investidores de conseguirem de forma persistente retornos elevados que mais do que compensem o risco do investimento forem verdadeiras, isso colocaria em descrédito o uso da avaliação de empresas (e qualquer outra análise de investimentos) para a gestão de carteiras. Porém, isso não significa que a avaliação seja algo inútil. O entendimento do processo de avaliação pode ainda ajudar a entender porque uma empresa vale mais do que outra e como fazer com que o preço das ações aumente de forma sustentável (ou seja, através da criação de valor), e esse artigo trata desse assunto.

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