A liquidez das ações negociadas no mercado é um fator importante para a administração da empresa na medida em que reduz o custo de capital. Por isso, a administração pode procurar meios de aumentar a liquidez e aumentar o valor da empresa no processo.
O artigo Shaping Liquidity: On the Causal Effects of
Voluntary Disclosure publicado recentemente no Journal of Finance analisa como a evidenciação (disclousure) voluntária de informações
pode ser utilizada para aumentar a liquidez das ações. Essa questão já foi
estudada anteriormente, mas há uma dificuldade em estabelecer causalidade, uma
vez que a evidenciação voluntária não é um evento aleatório e é mais viável
para algumas empresas do que para outras. Dessa forma, não sabemos se o desejo
de informar mais afeta a liquidez, ou se outra variável relacionada é a
responsável por esse efeito.
A análise realizada é bastante engenhosa. Parte de
um choque externo (o encerramento de um departamento de análise de ações) e
depois analisa como as empresas se comportaram e como a liquidez reagiu,
procurando considerar outros fatores como a contratação ou dispensa de um
formador de mercado. A reação que os autores analisam é a emissão de uma
orientação (guidance) de lucros após
a perda de cobertura. A ideia é que a orientação reduz a assimetria de
informações e aqui o foco é o investidor pessoa física, que é mais afetado pela
assimetria de informações do que os investidores institucionais. Inclusive, a
perda de cobertura de analistas se refere às análises para pessoa física, não
para investidores institucionais. Se for comprovado que as empresas que emitem
orientações conseguem aumentar a liquidez de suas ações, verificamos que a
orientação é uma forma de compensar, substituir ou amplificar relatórios de
análise.
Os autores separam as ações negociadas nos Estados
Unidos em dois grupos: de tratamento (que sofreu o choque de perda de
cobertura) e o de controle (que não recebeu o choque). A variável de relevância
para medir a iliquidez é o que chamam de Medida Amihud de Iliquidez (AIM),
baseado em Amihud
(2002), que mede o impacto da redução da liquidez nos preços. O período de
análise é entre 2000 e 2009 e os autores consideram apenas o encerramento de
departamento de análises, não o encerramento de análises para empresas
específicas. Dessa forma, o choque pode ser considerado exógeno, na medida em
que não teria como a empresa influenciar a decisão de encerramento de um
departamento de análise.
Empresas que não tinham um histórico de emissão de
orientação foram excluídas da base, pois não seria possível analisar o seu
comportamento. Pelo que entendi, a empresa não precisa estar emitindo
orientação no momento em que ocorre o choque, só precisa que tenha emitido em
algum momento. O grupo de controle é composto por ações que possuem as mesmas
características em termos de tamanho, cobertura de analistas, AIM, dentre
outras variáveis. No fim, o grupo de tratamento e de controle possuem 2.095
ações cada. Os autores também analisam a situação na qual o serviço de análise
é encerrado junto com o de formador de mercado, mas essa é uma situação rara e
mesmo sem esse controle os resultados não mudam muito.
Os resultados mostram que há uma redução na
liquidez (aumento no AIM) após o encerramento da cobertura para o grupo de
tratamento. O grupo de controle também registra queda na liquidez no mesmo
período, porém, essa redução é menor. Aqui, o interessante é verificar a
diferença entre grupo de tratamento e de controle, não as variações
isoladamente. Mesmo controlando por outros fatores que afetam a liquidez
(tamanho e cobertura de analistas, por exemplo) os resultados continuam
mostrando o impacto maior para o grupo de tratamento.
Análises adicionais mostram que a redução na
liquidez tende a ser temporária, revertendo após um trimestre. Restringindo a
análise para os casos em que uma firma de análise tem também um departamento de
formação de mercado, mas não encerra os dois serviços, o padrão se mantém. Na
verdade, mesmo considerando o encerramento simultâneo dos dois serviços os resultados
se mantêm os mesmos. Para apenas os casos de encerramento do departamento de
formação de mercado, a liquidez diminui e não há uma reversão e na verdade há
uma acentuação na redução da liquidez.
A próxima análise é sobre a relação entre perda de
cobertura e orientação. Aqui, os autores analisam as ações com histórico de
orientação (grupo de tratamento) comparando com um grupo de ações similares que
não têm histórico de orientação (grupo placebo). A maioria das empresas que não
tem histórico de emitir orientação continua não emitindo mesmo após a perda de
cobertura, pois estimam que os custos da orientação superam os benefícios. Para
empresas que não emitem orientação, há uma redução na liquidez, mas o
interessante é observar que esse efeito não é revertido. Isso corrobora a ideia
de que a orientação de lucros serve como uma forma de reduzir a assimetria de
informações e ajuda a manter a liquidez das ações. A robustez da análise é boa,
na medida em que seria necessário identificar uma variável omitida que explique
o comportamento diferente de ações com e sem orientação de lucros.
Perder cobertura de analistas por conta do
encerramento do departamento de uma firma aumenta em 18% a chance de a empresa
emitir orientação de resultados. Esse efeito ocorre após o choque, não antes,
reafirmando que o choque é exógeno (fora do controle da empresa emissora das
ações). Eliminação de departamentos de serviços de formação de mercado não
resulta no aumento na emissão de orientações, o que indica que as empresas
sabem que redução na liquidez por conta da assimetria de informação pode ser
curada com orientação, enquanto que redução na liquidez por conta da forma como
as ações são negociadas não pode. Outro resultado interessante é que a perda de
cobertura torna as empresas mais propensas a emitir orientações negativas. As
empresas que são mais estimuladas a emitir orientação são as que mais sofrem
com a queda na liquidez, como aquelas já com poucos analistas cobrindo a
empresa. Empresas que gerenciam lucros não mudam seu comportamento de
orientação (devem até apreciar a menor atenção devotada a elas) e a eliminação
de análise para investidores institucionais não aumenta a probabilidade de
emissão e orientação. Perder um analista local ou bem-reputado aumenta mais a
chance de emitir orientação.
Para examinar a questão principal do artigo, se a
liquidez é afetada pela decisão de emitir orientação de lucro, os autores
realizam uma regressão em dois estágios. O primeiro já foi realizado, a
estimativa da probabilidade da empresa emitir orientação condicionada à
ocorrência do choque. O segundo estágio analisa o efeito dessa probabilidade na
liquidez (AIM). Os resultados mostram que a divulgação de orientação de lucros aumenta a liquidez, independente
do tipo de orientação que é divulgada. Os resultados não mudam modificando a
variável utilizada para medir a liquidez.
Em resultados não mostrados com maiores detalhes,
análises adicionais mostram que o valor da empresa (medido pela relação valor
patrimonial/valor de mercado) é reduzido após a perda de cobertura de
analistas, mas é subsequentemente recuperado por conta da divulgação de
orientação de lucros.
É um tema de debate se a orientação de lucros é
positiva ou negativa, o artigo resumindo essa discussão na página 5 e 20.
Indiretamente, o artigo mostra os efeitos positivos da orientação, em especial
no aumento na liquidez das ações. Na parte de aplicação prática, é possível
imaginar que outras formas de evidenciação voluntária de informações aumentam a
liquidez das ações, se o canal de transmissão realmente for a redução na
assimetria de informação. Uma empresa que deseje aumentar a liquidez das ações
e reduzir o impacto
de uma redução generalizada de liquidez do mercado pode aumentar a
evidenciação voluntária de informações para essa finalidade.
Karthik
Balakrishnan, Mary Brooke Billings, Byan Kelly e Alexander Ljungqvist
Journal
of Finance. Volume 69. Ed. 5. 2014
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