segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Evidenciação voluntária e liquidez

A liquidez das ações negociadas no mercado é um fator importante para a administração da empresa na medida em que reduz o custo de capital. Por isso, a administração pode procurar meios de aumentar a liquidez e aumentar o valor da empresa no processo.


O artigo Shaping Liquidity: On the Causal Effects of Voluntary Disclosure publicado recentemente no Journal of Finance analisa como a evidenciação (disclousure) voluntária de informações pode ser utilizada para aumentar a liquidez das ações. Essa questão já foi estudada anteriormente, mas há uma dificuldade em estabelecer causalidade, uma vez que a evidenciação voluntária não é um evento aleatório e é mais viável para algumas empresas do que para outras. Dessa forma, não sabemos se o desejo de informar mais afeta a liquidez, ou se outra variável relacionada é a responsável por esse efeito.

A análise realizada é bastante engenhosa. Parte de um choque externo (o encerramento de um departamento de análise de ações) e depois analisa como as empresas se comportaram e como a liquidez reagiu, procurando considerar outros fatores como a contratação ou dispensa de um formador de mercado. A reação que os autores analisam é a emissão de uma orientação (guidance) de lucros após a perda de cobertura. A ideia é que a orientação reduz a assimetria de informações e aqui o foco é o investidor pessoa física, que é mais afetado pela assimetria de informações do que os investidores institucionais. Inclusive, a perda de cobertura de analistas se refere às análises para pessoa física, não para investidores institucionais. Se for comprovado que as empresas que emitem orientações conseguem aumentar a liquidez de suas ações, verificamos que a orientação é uma forma de compensar, substituir ou amplificar relatórios de análise.

Os autores separam as ações negociadas nos Estados Unidos em dois grupos: de tratamento (que sofreu o choque de perda de cobertura) e o de controle (que não recebeu o choque). A variável de relevância para medir a iliquidez é o que chamam de Medida Amihud de Iliquidez (AIM), baseado em Amihud (2002), que mede o impacto da redução da liquidez nos preços. O período de análise é entre 2000 e 2009 e os autores consideram apenas o encerramento de departamento de análises, não o encerramento de análises para empresas específicas. Dessa forma, o choque pode ser considerado exógeno, na medida em que não teria como a empresa influenciar a decisão de encerramento de um departamento de análise.

Empresas que não tinham um histórico de emissão de orientação foram excluídas da base, pois não seria possível analisar o seu comportamento. Pelo que entendi, a empresa não precisa estar emitindo orientação no momento em que ocorre o choque, só precisa que tenha emitido em algum momento. O grupo de controle é composto por ações que possuem as mesmas características em termos de tamanho, cobertura de analistas, AIM, dentre outras variáveis. No fim, o grupo de tratamento e de controle possuem 2.095 ações cada. Os autores também analisam a situação na qual o serviço de análise é encerrado junto com o de formador de mercado, mas essa é uma situação rara e mesmo sem esse controle os resultados não mudam muito.

Os resultados mostram que há uma redução na liquidez (aumento no AIM) após o encerramento da cobertura para o grupo de tratamento. O grupo de controle também registra queda na liquidez no mesmo período, porém, essa redução é menor. Aqui, o interessante é verificar a diferença entre grupo de tratamento e de controle, não as variações isoladamente. Mesmo controlando por outros fatores que afetam a liquidez (tamanho e cobertura de analistas, por exemplo) os resultados continuam mostrando o impacto maior para o grupo de tratamento.

Análises adicionais mostram que a redução na liquidez tende a ser temporária, revertendo após um trimestre. Restringindo a análise para os casos em que uma firma de análise tem também um departamento de formação de mercado, mas não encerra os dois serviços, o padrão se mantém. Na verdade, mesmo considerando o encerramento simultâneo dos dois serviços os resultados se mantêm os mesmos. Para apenas os casos de encerramento do departamento de formação de mercado, a liquidez diminui e não há uma reversão e na verdade há uma acentuação na redução da liquidez.

A próxima análise é sobre a relação entre perda de cobertura e orientação. Aqui, os autores analisam as ações com histórico de orientação (grupo de tratamento) comparando com um grupo de ações similares que não têm histórico de orientação (grupo placebo). A maioria das empresas que não tem histórico de emitir orientação continua não emitindo mesmo após a perda de cobertura, pois estimam que os custos da orientação superam os benefícios. Para empresas que não emitem orientação, há uma redução na liquidez, mas o interessante é observar que esse efeito não é revertido. Isso corrobora a ideia de que a orientação de lucros serve como uma forma de reduzir a assimetria de informações e ajuda a manter a liquidez das ações. A robustez da análise é boa, na medida em que seria necessário identificar uma variável omitida que explique o comportamento diferente de ações com e sem orientação de lucros.

Perder cobertura de analistas por conta do encerramento do departamento de uma firma aumenta em 18% a chance de a empresa emitir orientação de resultados. Esse efeito ocorre após o choque, não antes, reafirmando que o choque é exógeno (fora do controle da empresa emissora das ações). Eliminação de departamentos de serviços de formação de mercado não resulta no aumento na emissão de orientações, o que indica que as empresas sabem que redução na liquidez por conta da assimetria de informação pode ser curada com orientação, enquanto que redução na liquidez por conta da forma como as ações são negociadas não pode. Outro resultado interessante é que a perda de cobertura torna as empresas mais propensas a emitir orientações negativas. As empresas que são mais estimuladas a emitir orientação são as que mais sofrem com a queda na liquidez, como aquelas já com poucos analistas cobrindo a empresa. Empresas que gerenciam lucros não mudam seu comportamento de orientação (devem até apreciar a menor atenção devotada a elas) e a eliminação de análise para investidores institucionais não aumenta a probabilidade de emissão e orientação. Perder um analista local ou bem-reputado aumenta mais a chance de emitir orientação.

Para examinar a questão principal do artigo, se a liquidez é afetada pela decisão de emitir orientação de lucro, os autores realizam uma regressão em dois estágios. O primeiro já foi realizado, a estimativa da probabilidade da empresa emitir orientação condicionada à ocorrência do choque. O segundo estágio analisa o efeito dessa probabilidade na liquidez (AIM). Os resultados mostram que a divulgação de orientação de lucros aumenta a liquidez, independente do tipo de orientação que é divulgada. Os resultados não mudam modificando a variável utilizada para medir a liquidez.

Em resultados não mostrados com maiores detalhes, análises adicionais mostram que o valor da empresa (medido pela relação valor patrimonial/valor de mercado) é reduzido após a perda de cobertura de analistas, mas é subsequentemente recuperado por conta da divulgação de orientação de lucros.

É um tema de debate se a orientação de lucros é positiva ou negativa, o artigo resumindo essa discussão na página 5 e 20. Indiretamente, o artigo mostra os efeitos positivos da orientação, em especial no aumento na liquidez das ações. Na parte de aplicação prática, é possível imaginar que outras formas de evidenciação voluntária de informações aumentam a liquidez das ações, se o canal de transmissão realmente for a redução na assimetria de informação. Uma empresa que deseje aumentar a liquidez das ações e reduzir o impacto de uma redução generalizada de liquidez do mercado pode aumentar a evidenciação voluntária de informações para essa finalidade.

Karthik Balakrishnan, Mary Brooke Billings, Byan Kelly e Alexander Ljungqvist

Journal of Finance. Volume 69. Ed. 5. 2014

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