Journal of Financial and Quantitative Analysis. Volume 39. Nº. 2004.
Alan J. Ziobrowski, James W. Boyd, Ping Cheng e Brigitte J. Ziobrowski
Business and Politics. Volume 13. Ed. 1. 2011
Os artigos estudam o desempenho como investidores dos congressistas dos Estados Unidos. Lá, os congressistas não são impedidos de negociarem ações ou obrigados a liquidarem posições que já possuam e sequer impedidos de votarem em pautas que os beneficiem. Mas há restrições contra “usar sua posição oficial para lucro privado” e contra o uso de informações privilegiadas. Os congressistas são obrigados a divulgarem operações realizadas por eles, conjugues e filhos dependentes, além da votação das pautas ter voto aberto, o processo de julgamento de conduta ética sendo basicamente deixado para o eleitorado. O relatório de divulgação (FDR – Financial Disclousure Report) pode ter mais de 100 páginas apenas para um congressista, a análise das votações também pode não ser tarefa fácil, na medida em que as leis podem ser complexas e analisar o patrimônio do congressista também é algo difícil, o que torna esse julgamento pelo eleitorado uma tarefa das mais complicadas.
Os congressistas possuem grande acesso a informações e poder de influência sobre a economia e as empresas, de forma que poderiam obter retornos anormais caso negociem ações. É isso que o artigo examina, um focando os senadores e outro os deputados.
Foram analisadas as operações dos deputados (e sua família) no período entre 1985 e 2001 e dos senadores (e família) entre 1993 e 1998. com base no FDR. Foram estudadas apenas as apenas operações envolvendo ações (o que exclui ADRs, por exemplo), exceto IPOs. O relatório tem uma série de imprecisões, não sendo auditado, havendo variação no cuidado com que foram preenchidos (alguns foram garranchados à mão) podendo ter valores imprecisos que não permitam ter a ideia do tamanho das operações realizadas. A base para o estudo é o momento de realização das operações, sendo que a divulgação efetiva só ocorre meses depois, de forma que a divulgação não pode ser a razão de movimentos das ações envolvidas. A janela de tempo é 255 dias após a operação (um ano útil, que no Brasil seria 252 dias). As ações alvo das operações são agrupadas em carteiras compostas pelos ativos que foram negociadas pelos políticos nos últimos 255 dias. O retorno dessas carteiras é analisado utilizando o CAPM e o modelo de três fatores (o fator momento de Carhart sendo incluído na análise dos deputados). Foram analisadas tanto as compras quanto as vendas. Os testes ponderaram as carteiras pelo tamanho das operações ou adotando ponderação igual. Para simplificar o comentário, tratarei apenas dos resultados com ponderação pelo tamanho usando os modelos multifatoriais.
Os resultados mostram que a carteira com as carteiras compradas pelos deputados ou pelos senadores obtém alfa positivo e estatisticamente significativo. O retorno ajustado pelo mercado é de 85 e 55 pontos bases, mais de 10% a.a. e mais de 6% a.a., para senadores e deputados, respectivamente. Isso não só indica que os senadores possuem mais poder de influência e acesso a informações não públicas como se valem mais desses privilégios. Analisando individualmente os políticos, computando retornos médios dos políticos e depois calculando alfas, a significância estatística continua basicamente a mesma, mas os retornos caem um pouco, indicando que os resultados são levemente influenciados por políticos que operam mais frequentemente, mas isso não compromete os resultados. Se a análise considerar as carteiras ponderadas igualmente, os resultados são muito piores e menos significativo, indicando que os políticos compram mais das ações que terão melhor desempenho. No caso das vendas, a carteira com as posições vendidas pelos senadores não gera alfa significativo, e para os deputados gera alfas significativos e positivos (o que indica que os senadores poderiam lucrar mais se mantivessem a posição mais tempo) apenas no modelo multifatorial (sendo que para as compras o CAPM também obtia alfa significativo), o que indica que os políticos sabem quando comprar as ações, mas não necessariamente quando vender.
Separando os políticos por partido, as carteiras com as posições dos democratas têm alfa positivos e as carteiras dos republicanos não geram alfas diferentes de zero, isso nas duas casas legislativas. Para os senadores, o desempenho das carteiras separando por partidos é estatisticamente equivalente, mas para os deputados a diferença em favor da carteira com as posições dos democratas é estatisticamente significante. Isso pode se dever em parte pelo domínio dos democratas na Câmara dos Deputados em boa parte do período analisado.
Separando por tempo de mandato, as carteiras montadas com posições dos políticos a menos tempo no poder (menos de sete anos) geram alfas positivos, enquanto as duas outras categorias (entre 7 e 16 anos e acima de 16) não geram alfas diferentes de zero. Na análise das carteiras com as posições dos senadores, a diferença entre os grupos de senioridade não é estatisticamente significativa, mas é para o caso dos deputados, com os políticos a menos tempo no poder realizando compras de ações que viriam a ter melhor desempenho. Esses resultados a favor dos mais novatos parecem contraintuitivos, na medida em que os políticos mais veteranos podem ter mais acesso a informação, maior poder de influência e maior conhecimento sobre os meandros da política. Os autores conjeturam que a posição política e financeira dos novatos é mais precária e que esses aproveitam mais as menos numerosas oportunidades que têm.
Em suma, há evidências de que os congressistas conseguem ganhos não explicáveis pelo risco incorrido (retornos anormais), o que nem gestores de fundos conseguem de forma consistente ou como um todo. Ou esses políticos possuem capacidade de análise de dar inveja à Warren Buffett ou utilizam-se de informações ou de influências provenientes de seu cargo. Não é difícil imaginar qual caso é mais provável.
Um artigo recente (Chi (2011)) estudou a questão de maneira semelhante e encontrou alguns resultados diferentes. Analisando ambas as casas (segundo entendi) no período 2004-2008, e utilizando metodologia semelhante à de Ziobrowski e colaboradores, o alfa de maneira geral foi negativo. Porém, a autora analisou a participação em comitês e a atividade de lobistas e cruzou essas informações com a atividade dos congressistas. Aqueles que negociam ações de uma determinada empresa, cuja indústria contribui com o lobby do comitê que o político participa, são investidores mais bem informados e os que negociam ações de outras empresas são menos informados. Realizando essa separação, o resultado mostra que a carteira “informada” tem desempenho superior à ”desinformada”, apesar do alfa ainda ser negativo. Essas primeiras análises (pelo que entendi) estudam os políticos individualmente e outras análises estudam as transações. Essa segunda análise mostra que, no caso de compras, as operações “informadas” têm alfa médio positivo na janela de tempo de 21 dias, mas não em janelas maiores. Em todos os casos, o desempenho das transações informadas é superior. Não há resultados significativos analisando as vendas. Esses resultados, junto com o fato dos políticos não investirem proporção maior em indústrias em que eles possuem vantagem informacional (conforme análise da autora), podem indicar ou que eles são investidores incompetentes, embora bem informados, ou que têm vergonha na cara, mas não nega que os políticos tenham vantagem sobre os demais investidores e que podem valer-se disso.
Fonte da imagem: Zazzle
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Uma dúvida: será talvez que uma posição acionária de um político em certa empresa está somente relacionada a lucro por renda variável, ou tb pela possibilidade de fazer parte do conselho fiscal ou administrativo desta empresa, com outros objetivos? Creio também que apenas uma visão de curto prazo faria políticos se beneficiarem de mercado de ações em período de 10 anos. Há diversas outras formas de se lucrar no mercado financeiro, como p.ex., em derivativos. Não seria uma boa estratégia, visto que estes mercados são muito mais voláteis e menos controlados (são? ou estou enganado?) derrubar preços e obter prejuízo em ações para ganhar o dobro em opções? ou termo? ou futuro? O pensamento está correto?
ResponderExcluir1) Não me parece que fazer parte do conselho de administração seria uma motivação para comprar ações. Não sei se congressistas podem fazer parte de conselhos de administração de empresas nos Estados Unidos, mas, se puderem, o político ter ações da empresa não seria um fator determinante para chamá-lo para o conselho, já que pode ser vantajoso para a empresa ter um congressista em seu conselho independentemente do político ter ações da empresa.
ResponderExcluir2) Quanto a outros instrumentos de renda variável, os artigos não examinaram essa questão, mas os congressistas também podem operar com derivativos. Não só podem como o fazem, como mostra esse texto no Falkenblog, onde congressistas discursavam contra derivativos, mas faziam algum dinheiro com esses mesmos instrumentos.
http://falkenblog.blogspot.com/2010/05/regulating-derivatives-is-futile.html
3) De fato, derivativos são mais voláteis (caso de opções) ou podem permitir grande alavancagem (utilizando contratos a termo ou futuros). Não estou de todo familiarizado com o mercado americano, mas há regulação sobre derivativos de bolsa tanto quanto sobre ações, não sei se mais regulado ou menos. Derivativos de balcão (como os polêmicos Credit Default Swaps) são menos regulados e o potencial de ganho é grande para alguém com informação privilegiada e que pode operar com base nessas informações legalmente. Mas não conheço análise que trate dessa questão, os artigos tratando especificamente de investimento em ações.
4) Os congressistas até podem agir de forma a fazer uma ação cair e operar com base nisso, mas isso não foi analisado nos artigos citados no texto. Não sei se um congressista individualmente teria tanto poder de influência para tal, mas, como mostra os resultados dos artigos, há evidências de que possuem informação privilegiada e as utilizam.