domingo, 20 de dezembro de 2009

A Crise Financeira Global e HME

(The Global Financial Crisis and the Efficient Market Hypothesis: What have we learned?)
Journal of Applied Corporate Finance – Volume 21 – Ed. 4 - 2009
Raymond Ball
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1502815


Esse artigo examina a culpabilidade da Hipótese de Mercados Eficientes (HME) pela Crise Financeira Global que começou a se manifestar em 2007. Alguns dos argumentos apresentados pelo autor coincidem com argumentos já apresentados aqui em outro texto, mas há muitos outros argumentos interessantes.

O autor define a HME como a união de dois conceitos: o primeiro é o de que, em um mercado competitivo, a competição acaba por reduzir os lucros até o ponto em que o lucro econômico é nulo. O segundo é que as variações nos preços das ações é uma função do fluxo de informações. Juntando os dois conceitos: a competição entre os participantes do mercado faz com que os retornos pelo uso de informações se igualem ao custo.

Como essa idéia se relaciona com a crise? É o que o artigo explora. A primeira observação é quase uma brincadeira: se a HME é a culpada pela bolha gestada nesse início de século, a quem culpar pela existência de tantas bolhas anteriores ao advento dessa teoria (1965): tulipas holandesas, South Sea Company, mania das ferrovias, bolha imobiliária na Flórida em 1926 e o Crash de 1929?

Em seguida, o autor contesta que a HME seja uma teoria amplamente aceita pelos participantes do mercado. Ao menos na prática, quase ninguém parece ligar a mínima para a HME. Comentário meu: A HME é a teoria mais antipática, mais estraga prazeres e mais indesejável de todas as teorias de Finanças. Os únicos que podem gostar (e não necessariamente gostam) dessa teoria são os acadêmicos e aos reguladores: a todos os demais, é bastante perigoso que tenha algum crédito entre as pessoas.

A HME diz ao gestor de investimentos ( que pode ser uma pessoa física gerenciando os próprios investimentos): Não adianta tentar uma gestão ativa ou especulação de qualquer tipo, já que não haverá retorno anormal (ajustado ao risco). Quantos gestores de fundos conseguiriam atrair clientes e deles cobrar taxas se as pessoas assim pensassem? Ou, quantos dos analistas, consultores, escritores e palpiteiros afins poderiam vender seus conhecimentos (ou pretensos conhecimentos) de como ficar rico ao público? Ou, haveria alguma diversão para as pessoas físicas investir em ações?

Para bancos de investimento, corretoras de valores, provedores de informação e outros participantes do mercado, há também implicações extremamente antipáticas da HME, de forma que é temerário dizer que a HME era amplamente aceita. Antes, parece mais ser amplamente rejeitada, se não em palavras, certamente em atos, de forma que é mais conveniente atacar essa teoria para justificar a existência de seu trabalho (o autor do artigo, trustee de um fundo, certamente não se encaixa nessa categoria).

Muitos dos problemas com a análise da HME derivam não tanto do entendimento do que a teoria implica, e sim da incompreensão do que ela não implica. A seção mais longa do artigo é justamente sobre isso.

HME não implica que ninguém deveria atuar com base em informação, da mesma forma que o modelo de mercado competitivamente perfeito não implica que ninguém deveria atuar em um mercado perfeitamente competitivo (cabeleireiros ou bancas de jornal, por exemplo). HME diz mais respeito ao resultado e menos às ações que levam a esse resultado.

Também, a HME não deveria prever essa ou outra crise qualquer. Ao contrário: a HME afirma que as crises são imprevisíveis. Se a crise fosse previsível, os preços não conteriam eficiência na incorporação de informações. E é necessário não se deixar enganar pelos profetas dessa crise, ou das crises pretéritas ou futuras: não basta dizer que algo acontecerá, e sim quando acontecerá e ganhar dinheiro com base nessa análise, e não vendendo consultoria no pós-fama.

Outra observação que se fez (George Soros) é que a quebra de uma instituição financeira como o Lehman Brothers invalida a HME. Ao contrário, a valida: sob uma condição de lucro anormal zero, alavancagem e exposição ao risco levarão qualquer um para a falência.

Também, a HME nada diz sobre a distribuição de retornos, de forma que, se suposições desse tipo puderem ser consideradas como culpadas pela crise, a HME nada tem a ver com isso. Por fim, não faz muito sentido dizer que os reguladores foram induzidos ao erro pela HME. Ao contrário, se realmente levassem em consideração, teriam se atentado para possíveis fraudes e falhas de mercado (nada a ver com HME) que borbulharam nesses últimos dois anos. Em um mercado com eficiência na incorporação de informações, um investidor nunca conseguiria um retorno estável e elevado por diversos anos: se “acreditassem” na HME, o Madoff teria sido pego há muito tempo. Também, os reguladores teriam se perguntado sobre como os pivôs da crise (Citigroup, AIG, Fannie Mae etc.) vinham conseguido ganhar tanto dinheiro, se os mercados são eficientes. Não parece que os reguladores confiavam muito na HME, como todos os demais.

Logo, não parece haver uma relação entre crise e HME. Não que essa teoria seja pefeita. Ao contrário, tem limitações. Essa não é uma declaração bombástica, nova ou revolucionária. A HME tem limitações e falhas como toda e qualquer teoria. Não consegue oferecer todas as respostas para o que se propõe estudar. Existem anomalias extensivamente estudadas desde 1965 (momento, padrões sazonais, previsibilidade de retornos etc.). HME não leva em conta os padrões de retorno, liquidez, custos de transação, impostos, processamento de informações, expectativas heterogêneas... e muitos outros fatores. Porém, continua útil para entender e explicar uma série de eventos no mercado. Ainda, as próprias anomalias apontadas têm suas próprias anomalias: um teste sobre a eficiência da HME é um misto de erros no mercado, na teoria e na metodologia de pesquisa.

O autor termina com uma análise sobre Finanças Comportamentais, que apontam diversas anomalias nos modelos usados para entender Finanças, inclusive HME. Juntando comentários meus, é possível dizer que Finanças Comportamentais não é uma teoria separada das finanças, digamos, tradicionais, e sim, parte dela. O autor diz ter procurado extensivamente e não encontrado uma referência sequer a uma anomalia das Finanças Comportamentais. Isso poderia implicar que esse corpo de conhecimento é perfeito e explica tudo o que se propõe a explicar. Ou que seja o que se afirmou há pouco, uma parte componente das Finanças, não uma substituta. A contribuição da escola comportamental (na Economia e em Finanças) é incremental, melhora o nosso entendimento gradualmente, mas não substitui necessariamente as teorias existentes. Fatores comportamentais já são considerados pelos pesquisados – ver, por exemplo, comentários de artigos sobre o investidor pessoa física.

Para finalizar, na minha opinião, a maior contribuição da HME seria dar humildade aos participantes do mercado. Oferece um muro de pedra a todos os que pensam em uma idéia nova ou revolucionária de ganhar dinheiro no mercado. O mercado financeiro é extremamente competitivo e necessita de algum tipo de vantagem competitiva legal para gerar lucros anormais. Não é com informações públicas e com regrinhas de investimento que se conseguirá isso.

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