quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Instrumentos financeiros com componentes de loteria esportiva

(Financial instruments with sports betting components: Marketing gimmick or a domain for behavioral finance?)
Journal of Banking and Finance, Vol. 33, Ed. 12, 2009
Wolfgang Breuer, Guido Hauten e Claudia Kreuz
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1081287

O artigo estuda instrumentos financeiros (não veículos de apostas convencionais oferecidos por casas de apostas) com características de loterias esportivas, mais especificamente, de produtos sobre a Copa do Mundo de 2006 na Alemanha. Um investidor poderia valer-se da Copa do Mundo para (tentar) ganhar dinheiro de duas maneiras: investindo em empresas que supostamente se beneficiariam da Copa ou apostar nos resultados dos times.

Os autores descartam o primeiro motivo. Por mais intuitivo que possa parecer, não há razões para se acreditar que investir em empresas que ganhariam com a Copa (construtoras, hotéis etc.). Que os mercados sejam informacionalmente ineficientes é uma coisa: que ignore um evento como a Copa do Mundo e deixe de incorporar esse evento nos preços requereria que os mercados fossem absolutamente idiotas.

Mas essa não é a principal questão do texto, e sim os instrumentos de apostas nos resultados dos jogos. Os autores fazem hipóteses sobre a conveniência desses instrumentos para os investidores. Uma potencial vantagem não seria diminuir o risco de carteiras, já que não há correlação entre os retornos de outros ativos, além do próprio instrumento de aposta ter muito de risco não diversificável (como um investidor poderia diminuir, legalmente, a chance de um time perder?).

Os instrumentos financeiros de apostas funcionam da seguinte maneira geral: são depósitos remunerados que pagam taxas abaixo das oferecidas por depósitos com características similares (mesmo prazo, mesmo montante). Mas, além dessa taxa, há um bônus na contingência de um resultado esportivo (a seleção alemã ganhar um jogo ou a Copa ou ser eliminadas nas Oitavas, por exemplo). Um exemplo é Sparkassen-KickTipp (SKT), em duas versões: Na versão A (“patriótica”, digamos) o investidor ganha 2,5% a.a. se a Alemanha ganhar a Copa e na versão B o investidor ganha 2,5% a.a. se a Alemanha for eliminada na fase de grupos. O investidor receberá com certeza 1,5% (se a Alemanha cair na fase de grupos na versão A e se for campeã na versão B).

Na época, o banco oferecia remuneração para depósitos no mesmo período uma taxa de 1,90% (5.000 €) ou 2,15% (acima de 10.000€). A média das taxas na época era de 2,29%. Ao invés de aplicar nesse instrumento, o investidor poderia aplicar um pouco menos do que 10.000€ à taxa de 1,90% e conseguir o mesmo rendimento sem risco do SKT (1,5%), ainda apostando em casas de apostas nos mesmos resultados que um SKT aposta. Na análise dos autores, replicar o SKT do tipo A custa menos do que 10.000 € (9.995,59 €) e , portanto, é preferível replicar do que comprar o SKT. À taxa de 1,90%, o SKT do tipo B poderia ser preferível (replicar custa 10.007,6€), mas à taxa de quase 1,98% replicar seria preferível, de forma que o SKT não parece ser interessante como investimento.

Mesmo nessa situação, há alguns motivos para se investir nesse instrumento. Pode haver heterogeneidade de expectativas, o que permitiria que um investidor com maior capacidade de analisar as probabilidades de vitórias de um time tenha vantagem. Ou, que uma pessoa pense que tenha capacidade analítica superior e que pense ter vantagem sobre os demais. Sob essa condição, o investimento pode não parecer ser de retorno esperado baixo para esse investidor.

Outra explicação seria o comportamento de busca pelo risco. Um investidor pode gostar de correr risco porque os ganhos possíveis lhe parecem muito mais importantes do que as perdas, mesmo que o valor médio seja mais de perda do que de ganho

Uma terceira explicação seria a de que a aposta gera outras utilidades além do dinheiro. O investidor poderia compensar “perdas” futebolísticas com ganhos monetários ou compensar perdas monetárias com “ganhos” futebolísticos.

Ainda, há um viés conhecido como framing hedônico: as pessoas contabilizam perdas e ganhos de maneira diferente, valorizando mais os ganhos do que as perdas. Dessa forma, os investidores podem encarar o SKT como um ganho certo de 1,5%a.a. com possibilidade de bônus, enquanto que a estratégia replicante é um ganho certo de 1,5% a.a. com possibilidade de perdas nas apostas. Na estratégia replicante, se a Alemanha caísse na fase de grupos, o investidor teria 10.150€ nas duas alternativas, mas sentiria que perderia o dinheiro da aposta, embora já tivesse pago as apostas (34,84€ no STK A). Assim, investir no STK poderia parecer mais vantajoso (embora não seja).

Um viés que torna o produto menos atraente é a ilusão de controle. Uma vez feito o investimento pelo produto, o investidor já não tem mais controle. Apostando de acordo com as probabilidades estimadas pelo investidor na hora da aposta dão ao investidor/apostador uma ilusão de controle. Certo ou errado, esse ganho de flexibilidade faz com que o apostador preferira apostar diretamente do que pelo SKT.

Isso é o que a teoria existente (incluindo contribuições comportamentais) pode nos dizer sobre esse assunto. Para melhor compreendê-lo, fez-se uma pesquisa com 385 alunos que tiveram a disciplina de “Orçamento de Capital”, uma das mais básicas de Finanças na RWTH Aachen University (de forma que os alunos não tenham grandes conhecimentos de Finanças). Agora o estudo é feito em cima da primeira divisão Alemã (Bundesliga). São feitos diversos testes sobre a atratividade de instrumentos financeiros de apostas, alguns com probabilidades dadas pelo teste e outras que requerem que os alunos estimem as probabilidades.

As hipóteses de framing hedônico, comportamento de busca pelo risco e ganho de flexibilidade foram rejeitadas. Os estudos corroboraram parcialmente a hipótese de utilidade não-monetária, totalmente a de heterogeneidade de expectativas com aversão à ambigüidade e a de que o banco pode lucrar com a venda desses produtos.

Apesar dos resultados levarem a conclusão de que, na média, os investidores não serão atraídos por esses instrumentos às taxas oferecidas (inferiores a uma taxa de risco menor), ainda assim os bancos podem oferecer os produtos lucrativamente. Há suficiente número de investidores amantes ao risco para que o banco ofereça o produto e atraia clientes. Ou seja, a atratividade está na diversidade dos clientes, não em sua média.

Porém, apesar dessas hipóteses confirmadas, os resultados não são muito auspiciosos para esses produtos. Em cada hipótese confirmada, há o porém de que apostar com bookmakers pode ser mais vantajoso para o cliente. Na verdade, o SKT e outros instrumentos estão “presos no meio”: não oferecem a segurança da renda fixa, o retorno esperado superior ao da renda fixa das ações ou a diversão das apostas. Isso conduz à conclusão dos autores de que esses produtos são mais marketing gimmick (ou seja, diferente e notável, mas inútil) do que um bom produto de investimento.

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