Henry Hazlitt
1946
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Nesse excelente livro, Henry
Hazlitt procura estudar e desvendar algumas de muitas falácias econômicas que
circulam com desenvoltura pela cabeça das pessoas. Esse livro tem muito a ver
com o ensaio “O
que se vê e o que não se vê” de Féderic Bastiát, alguns capítulos tendo o
mesmo tema e um raciocínio semelhante.
O autor cita algumas das fontes
dessas falácias econômicas. A primeira, especialmente danosa quando envolve
sugestões de políticas públicas, é o interesse especial de um grupo, que pode
ferir o interesse de outros grupos e/ou gerar custos para terceiras partes. As
falácias então passariam a funcionar de forma a legitimar políticas que
favoreçam um grupo em detrimento de outros. Isso resulta em outra fonte de
falácias, que é considerar apenas o efeito imediato, ignorando os problemas de
longo prazo, quando todos estaremos mortos. A lição, aludida no título, é: “A
arte da economia está em considerar não só os efeitos imediatos de qualquer ato
ou política, mas, também, os mais remotos; está em descobrir as consequências
dessa política, não somente para um único grupo, mas para todos eles”.
Um problema de se seguir essa
lição é que considerar efeitos de curto e de longo prazo e em todos os grupos
afetados é algo mais complexo do que focar no curto prazo e em um grupo, sendo
ainda mais fácil um demagogo dirigir-se a uma pessoa mostrando como sua ideia a
beneficiaria. Nada mais fácil do que utilizar-se de meias verdades e valer-se
do interesse próprio do interlocutor para tornar argumentos mais convincentes. Hazlitt
busca construir sua exposição e argumentação de forma o mais simples possível,
começando do mais básico, com uma estória (a da janela quebrada de Bastiat),
estendendo esse argumento e acrescentando outros para desacreditar falácias
mais elaboradas.
O restante do livro trata de
aplicações dessa lição única. O livro pode ser dividido informalmente em
partes. A primeira trata dos efeitos dos programas do governo para tentar
estimular a produção. No capítulo 2, Hazlitt retoma a parábola
da janela quebrada de Bastiat, que nessa situação simples pode parecer até
trivial para todo mundo. O problema é que é comum fazer interpretações
diferentes de problemas semelhantes, mas maiores e mais realistas. O terceiro capítulo trata da falácia de
que a guerra (no caso específico, a Segunda Guerra Mundial) pode ser benéfica
para a economia. Supostamente, a guerra gera demanda, assim como a reconstrução
que se segue ao conflito, sem contar com aquilo que não pôde ser produzido e
consumido durante a guerra. Hazlitt argumenta que isso é confundir necessidade
com demanda. O que a guerra faz é destruir e empobrecer, aumentando dessa forma
as necessidades. E o problema é que enquanto se está recuperando o que foi
perdido ou deixado de ser feito seria possível estar criando algo novo e que
realmente atenda as necessidades da pessoa. Os recursos utilizados na reconstrução
poderiam ser utilizados na construção, sem falar no fato de que provavelmente o
país possui menos recursos após a guerra (a começar pela mão de obra) e menos
capital acumulado. Ademais, abstrair para a “nação como um todo” mascara o fato
de que a propriedade de alguém foi destruída na guerra. Pode haver um estímulo
por conta de maiores esforços motivados pela necessidade de reconstrução ou
ganhos de produtividade por conta das descobertas realizadas durante o período
de guerra, mas isso provavelmente não é suficiente para contrabalancear a
destruição.
O quarto capítulo trata da ideia de que obras do governo podem ser
utilizadas para induzir o crescimento econômico e criar empregos. O que se vê
são as obras sendo realizadas e pessoas trabalhando. Não se vê, no entanto, o
desvio de recursos do setor privado para o setor público na forma de impostos,
dívida ou inflação. Hazlitt admite a necessidade de financiamento de obras que
sejam necessárias, mas obras desnecessárias sob o pretexto de estimular o
crescimento ou gerar empregos são ineficientes e acabam na verdade desviando
recursos para finalidades que não vão atender às necessidades das pessoas. As
obras públicas são vistas; as obras privadas que se perderam por conta da
taxação governamental não são vistas, mas existiriam se não houvessem
intervenções. O capítulo cinco
mostra como os impostos não são um jogo de soma zero e afetam negativamente a
produção ao desencorajar a tomada de riscos, enquanto que o capítulo seis analisa a questão do
crédito subsidiado e como isso desvia recursos que iriam para produtores mais
eficientes (que teriam acesso ao crédito privado) para os produtores
ineficientes. Estes não terão acesso ao mercado de crédito porque os
emprestadores receiam não receber o dinheiro emprestado de volta, mas o
problema não é resolvido tirando dinheiro das pessoas à força e colocando-o em
um empreendimento de risco por parte de quem não é dono do dinheiro (o
governo). O crédito subsidiado tem o efeito de desviar capital dos projetos
bons para os projetos ruins e de fazer com que riscos que as pessoas não
tomariam com seu próprio dinheiro sejam assumidos pelo governo com dinheiro dos
outros com propósitos políticos. Vê-se os projetos financiados pelo governo,
mas não os que deixariam de ser realizados sem essa intervenção. (Note que essa
é uma discussão bastante atual, principalmente no Brasil com o banco que tira
dos pobres e dá para os ricos).
A segunda parte do livro,
abrangendo os capítulos sete a dez, trata das políticas públicas para criar empregos.
O capítulo sete é sobre as críticas
feitas à tecnologia que poupa trabalho, com os argumentos para desmistificar
esse ponto sendo utilizados para os demais. O problema de limitar o uso de
tecnologia, ou reduzir a jornada de trabalho ou o uso de horas-extra (capítulo oito) ou manter funcionários
públicos inutilmente (capítulo nove)
é que isso preserva o emprego de alguns (o que é visto), mas deixa de criar
empregos em outras áreas e deixa de aumentar a produtividade (o que não é
visto). A introdução de máquinas mais eficientes cria demanda na indústria de
bens de capital, permite o aumento na quantidade de produtos vendidos e a
redução no preço (principalmente se houver concorrência), o que beneficia o
consumidor, e o lucro da operação e também o dinheiro poupado pelos
consumidores pode ser utilizado para aumentar o consumo ou ser investido em
outros projetos, o que vai demandar mão de obra. O resultado prático da
introdução de máquinas mais eficientes foi não apenas o aumento na produção,
mas também do emprego, conforme o autor mostra em diversos exemplos. Graças ao
aumento na produtividade foi possível aumentar a população, assim como o padrão
de vida da população, de forma que grande parte das pessoas deve a vida e seu
conforto às máquinas. O problema todo está em considerar como objetivo não o
aumento na produção e no padrão de vida, e sim o “pleno emprego”, que é um
subproduto necessário da maximização da produtividade com o uso pleno de
recursos (situação que seria a mais desejada). Como apontado no décimo capítulo, pleno emprego existiu
em economias subdesenvolvidas onde todos (até crianças) precisavam trabalhar
pela subsistência. E há a ideia errônea de que há uma quantidade de trabalho
fixa a ser desempenhado e que é necessário se preocupar apenas com a
distribuição do trabalho. O que acontece é que, tal como a riqueza, há sempre a
possibilidade de expansão de trabalho enquanto houver necessidade humana não
suprida de forma adequada, e a questão passa a ser a de criação de riqueza e de
trabalho ao invés da mera distribuição.
O próximo tema é o comércio
exterior. O capítulo onze explica
como as tarifas alfandegárias (ou outras medidas protecionistas similares) são
prejudiciais para a economia como um todo. Ao impor a ineficiência (aquisição
por parte dos consumidores de algo que custa mais no país do que no exterior),
o governo protege as indústrias ineficientes e prejudica não apenas as
indústrias do mesmo setor no exterior, mas também os consumidores e também
empresas de outros setores no país (que não terão seus produtos comprados pelo
consumidor que foi obrigado a pagar mais caro). Criar uma tarifa sob o pretexto
de estimular a criação de uma indústria no país incorre no mesmo erro, ao
considerar apenas os efeitos visíveis de criar negócios no setor protegido e
não ver que as tarifas prejudicaram outros setores da economia, além de
estimular o crescimento de uma indústria ineficiente. No capítulo doze, Hazlitt trata da ideia fixa de que exportar é algo
bom, ignorando que no longo prazo e somando tudo, importação = exportação, já
que uma paga a outra. Ele muda a situação para tratar do “comércio interno”,
onde cada um precisa vender algo (como a força de trabalho) para poder comprar.
Ainda nesse capítulo, Hazlitt analisa a situação de oferecer empréstimos de
qualidade duvidosa a países estrangeiros para estimular as exportações. Por
fim, afirma algo totalmente fora do senso comum: o verdadeiro ganho no comércio
exterior não está nas exportações, mas nas importações, pois é isso que permite
o consumo a menor custo.
Nos dos capítulos seguintes,
Hazlitt escreve sobre a proteção de indústrias da concorrência interna. No capítulo treze, analisa a “paridade de
preços”, os programas para manter os preços de um setor (o agrícola) no mesmo
nível comparativo com os preços da indústria para proteger o setor. Isso novamente
prejudica o consumidor e, por se tratar da agricultura, o efeito dos preços
maiores são propagados ao longo da cadeia. A situação piora se, para reduzir os
preços, os produtores terem que produzir menos ou destruir o que já foi
produzido. O capítulo quatorze
intitulado “Salvando a Indústria X” (hoje em dia, o título seria “Substituindo
as Empresas X”) é sobre os subsídios e proteções para proteger determinada
indústria, que tem efeitos deletérios parecidos com os analisados no capítulo
anterior. Outros argumentos contrários à proteção de uma indústria é que há uma
piora na alocação de recursos levando mais recursos para setores ineficientes.
Nem o principal motivo para os salvamentos é válido, já que é inerente da
evolução da economia o fim de algumas indústrias (carruagens, máquinas de
escrever etc.).
O capítulo quinze inaugura a parte do livro dedicada aos preços. A
explicação de Hazlitt sobre o funcionamento do sistema de preços é o que se
encontra em qualquer bom livro-texto de Economia: os preços são regidos pela
oferta e pela demanda e são definidos no ponto em que custo marginal é igual ao
produto marginal. Esse é um mecanismo muito importante para regular a economia,
sinalizando aos consumidores e produtores onde há escassez e onde há abundância
de produtos. O mote do capítulo é desmistificar a crítica que é feita a
respeito dos produtores e a acusação de que estes criam escassez artificial:
por que não produzir o máximo que podem, e não apenas até o ponto em que é
lucrativo? O que se vê é a capacidade produtiva dos produtores; o que não se vê
é que não é possível produzir o máximo de tudo e que é necessário transferir
capital e trabalho dos setores em que há excesso para onde são mais
necessários.
Como diz Hazlitt, os burocratas
não compreendem o sistema de preços, mas estão sempre ansiosos por corrigi-lo,
tema dos capítulos seguintes. A primeira manipulação, analisada no capítulo dezesseis, é feita para que os
preços cheguem a um patamar superior ao que vigoraria sem intervenção. Claro
que nenhum burocrata defende abertamente aumentar os preços para beneficiar os
produtores, já que correm o risco de perder o voto dos consumidores. A alegação
é a de que é necessária a intervenção nos preços, já que a esse preço os
produtores não podem subsistir e serão expulsos do mercado, o que prejudicaria
os consumidores. A intenção não é aumentar os preços, e sim estabilizá-los da
maluca flutuação que sofrem. No fim, argumentam que os consumidores devem pagar
mais pelos produtos, pelo próprio bem. Muitos mecanismos para elevar preços
artificialmente foram empregados, o método analisado por Hazlitt sendo
novamente os empréstimos governamentais e políticas agrícolas na agricultura.
Os efeitos são de manter no mercado os produtores ineficientes às custas do consumidor,
que deixará de gastar o dinheiro em outras finalidades.
(continua...)
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