quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Agências de rating e conflito de interesses

(Does it matter who pays for bond ratings? Historical evidence)
John (Zuefend) Jiang, Mary Harris Stanford e Yuan Xie.
Journal of Financial Economics. Volume 105. 607-621

Um dos vilões apontados na crise financeira foram as agências de classificação de risco, que atribuíam notas elevadas para derivativos de hipoteca que depois virariam pó. Uma das questões levantadas foi o modo de remuneração das agências, as principais (S&P, Fitch e Moody’s) adotando o modelo onde o emissor paga a agência, e não o investidor. Esse modelo tem a grande desvantagem de ser uma fonte de potenciais conflitos de interesse, com as agências tendo interesse em agradar o cliente ao atribuir uma nota de crédito mais elevada. As agências argumentam que possuem uma reputação a zelar quando emitem seus pareceres, e que isso evitaria comportamento oportunista para ganhos de curto prazo, mas o fato é que os analistas de crédito podem não ter essa preocupação. Após os problemas em empresas como Enron, as agências de rating passaram a ser vigiadas mais de perto e as agências alegam que adotaram bloqueios entre a área de análise e a área comercial, mas a crise financeira indica que isso não foi suficiente para melhorar a qualidade das análises.

Xia (2010) examinou essa questão comparando uma agência que adotava o modelo de pagamento pelo emissor (S&P) e outra onde os investidores pagavam (Egan-Jones), chegando a conclusão de que a S&P atribui classificações mais elevadas. O artigo de Jiang, Stanford e Xie analisa a questão de maneira muito interessante. Em 1968, a S&P adotou o modelo onde o emissor (no caso, municípios) pagava, modelo adotado em 1970 pela Moody’s para a mesma modalidade de emissor. Poucos meses depois, a Moddy’s passou a cobrar dos emissores de títulos corporativos, enquanto que a S&P continuava a cobrar dos investidores, o que mudaria em 1974. Essa situação cria uma possibilidade de estudo interessante, os autores comparando as classificações atribuídas pela S&P e pela Moody’s no período anterior e posterior à mudança na S&P.

É fácil ficar apontando o dedo para as agências de classificação de risco pelo modelo de remuneração onde o emissor paga a agência, mas há uma razão plausível para a sua adoção. Originalmente, quem pagava era o investidor interessado em comprar os títulos do emissor. Porém, alguns fatores passaram a ter grande influência no trabalho das agências. O primeiro era a grande demanda por classificações com o crescimento do mercado de dívida. Começou-se a questionar a capacidade técnica das agências de terem analistas qualificados e em número suficiente para atender toda essa demanda. Outro fator foi a disseminação de maneiras de compartilhar informações, o que na época significada fotocopiadoras, gerando o problema do caronista. Um argumento que poderia ser feito para a adoção do modelo onde o investidor paga é que é assim que se faz no caso de relatórios de análise de ações. A diferença que muda tudo é que o comprador da informação não deve ver muito problema em compartilhar a informação no caso de classificação de risco de crédito, mas não iria compartilhar relatórios de análise de ações. Quanto menos gente tiver acesso às informações do relatório de análise, melhor para o cliente. Quando as agências passaram a cobrar dos emissores, conseguiram realizar os investimentos necessários para expandir suas operações, possivelmente por conseguirem maior receita dessa forma.

Utilizando dados da Securities Data Corporation sobre as classificações de risco das duas empresas, os autores analisaram as notas emitidas entre 1971 e 1978. As notas são convertidas em números inteiros de 1 a 7, onde 7 indica a nota de crédito mais alta. A adoção dessa janela de tempo possibilita comparar as notas atribuídas pela Moody’s (que adotou o modelo onde o emissor paga no período completo) com as notas da S&P (que migrou para o novo modelo em 1974). Em regressões lineares múltiplas, a principal variável dependente é a diferença entre as notas da S&P e da Moddy’s, mas há análises onde estuda-se os determinantes das notas de crédito. Diversos controles que poderiam indicar diferenças nos critérios são incluídos, junto com uma dummy para indicar se a nota foi emitida após 1974 (POST74), e essa é a variável independente de maior interesse que indicaria uma mudança nas notas emitidas pela S&P. Caso essa variável seja positiva e estatisticamente significativa, há indícios de que os critérios realmente mudaram com a modificação do modelo de remuneração. O intercepto da regressão também é interessante, indicando possíveis diferenças dos critérios não explicadas pelos controles. Um intercepto negativo indicaria que a Moddy’s atribui maiores notas de crédito, também indicando padrões menores rigorosos quando o emissor paga a agência.

Outros fatores poderiam explicar a maior generosidade da S&P após 1974, como mudanças de critério que independam da remuneração. Para mitigar o problema de variáveis não observadas, os autores incluem duas variáveis dummies que indicam potenciais conflitos de interesse. A comissão dos emissores é baseada no tamanho da emissão e o emissor pagará cada vez que fizer uma emissão, de forma que a agência tem maior interesse nos emissores maiores e mais frequentes. A primeira variável de conflitos de interesses assume o valor 1 caso a emissão tenha tamanho acima da mediana ou caso o emissor tenha volume acima da mediana. A segunda variável de conflito de interesses é a qualidade de crédito do emissor, os de menor qualidade tendo maiores incentivo a buscar uma nota maior. A aproximação adotada pelos autores é a razão EBITDA/Ativos totais e a variável recebe valor 1 caso tenha essa relação abaixo da mediana. O que é relevante é examinar a interação entre a variável que indica que a nota foi emitida após 1974 e a de conflito de interesses.

 Na parte de estatísticas descritivas, os autores notam que em grande parte dos casos (83%) as duas agências atribuem a mesma nota para o emissor. Na análise univariada, constata-se que as notas da S&P eram menores do que as da Moddy’s antes da mudança de modelo, não havendo diferença significativa após a migração. Examinando as emissões agrupando por notas, os autores constatam que a diferença de notas é maior nos grupos Aaa, Aa e Ba, havendo maior conflito de interesses no grupo Ba (maior classificação no grau especulativo) e no Aa pré-Aaa. Após a mudança, as notas da S&P passam a ser maiores no grupo Ba e menores no Aa, o que sugere que em um grupo de elevado conflito de interesse a mudança na remuneração pode ter influenciado a análise. Analisando os emissores onde há possivelmente maior conflito de interesses, nota-se que a porcentagem de notas da S&P maiores do que da Moody’s aumenta após 1974 e a porcentagem de notas menores diminui. Em outra análise, os autores constatam que a melhora nas notas da S&P estão concentradas nos grupos de alto conflitos de interesse, principalmente quando a nota da Moody’s é baixa. Isso tudo indica que pode haver uma influência do modelo de remuneração na avaliação das agências.

Para confirmar os resultados das análises univariadas, foram realizadas análises multivariadas da forma descrita anteriormente. Sem variáveis de controle, o intercepto é negativo e a variação POST74 é positiva, indicando que as notas da Moody’s são maiores e que as notas da S&P aumentam em relação às da Moody’s após 1974. Adicionando controles, a diferença entre as notas das duas agências é afetada pelo modelo de remuneração da forma prevista. É interessante notar que, de forma geral, os coeficientes dos controles não são significativos, sugerindo que os modelos das duas agências são bastante parecidos. Analisando apenas a nota da S&P, nota-se que POST74 é significativa, mas não quando se analisa apenas a Moody’s.

Analisando novamente a diferença das notas, mas agora incluindo as variáveis de conflito de interesses (consideradas uma de cada vez), os resultados obtidos anteriormente se mantêm (POST74 positivo e intercepto negativo), com o acréscimo de coeficientes positivos para a interação de POST74 com as variáveis de conflito de interesse, indicando que a mudança no modelo de remuneração levou a S&P a dar maiores notas para os emissores com maior poder de barganha ou maior interesse em melhorar a classificação. As estimativas do impacto econômico da mudança nas notas de crédito é uma redução em US$ 51 milhões anuais (US$ 222 milhões em valores ajustados pela inflação) nos gastos com juros para a emissão mediana.

Para finalizar, os autores realizam diversos testes de robustez, como mudar o método estatístico e mudar a forma de tabular as classificações considerando o maior número de graus adotados pela S&P (incluindo + ou – à nota). O mais interessante é testar a hipótese da informação, de que a S&P aumenta as notas por receber mais informações dos emissores após a mudança no modelo. De fato, as notas parecem conter mais informação, aumentando a correlação entre as notas da S&P e os juros dos títulos e diminuindo o desvio-padrão das classificações. Porém, o fato é que, segundo estudos anteriores, os emissores compartilham notícias positivas e negativas, o que deveria resultar em pouco impacto em qualquer direção nas notas. Além do mais, essa hipótese não explica a questão dos conflitos de interesse.

Em conclusão, há evidências de conflitos de interesse com a introdução do modelo onde o emissor, não o investidor, paga pela nota de crédito. Apesar do artigo não analisar o mercado atual, é crível que ainda hoje haja esse problema. Há razões econômicas para a adoção desse modelo e, na minha opinião, o problema não está ai. A obrigação de determinada nota por uma agência aprovada pelo governo (NRSRO) é uma medida que acaba por reduzir a concorrência (no auge da crise, existiam apenas três NRSROs) e transformar uma opinião em uma regra (ver aqui). Possibilitar real competição nesse mercado e a adoção simultânea de modelos alternativos e concorrentes de pagamentos podem fazer com que as opiniões das agências sejam menos enviesadas ou que opiniões mais confiáveis apareçam.

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