John (Zuefend) Jiang, Mary Harris Stanford e Yuan
Xie.
Journal of Financial Economics. Volume 105. 607-621
Um
dos vilões apontados na crise financeira foram as agências de classificação de
risco, que atribuíam notas elevadas para derivativos de hipoteca que depois
virariam pó. Uma das questões levantadas foi o modo de remuneração das
agências, as principais (S&P, Fitch e Moody’s) adotando o modelo onde o
emissor paga a agência, e não o investidor. Esse modelo tem a grande
desvantagem de ser uma fonte de potenciais conflitos de interesse, com as
agências tendo interesse em agradar o cliente ao atribuir uma nota de crédito
mais elevada. As agências argumentam que possuem uma reputação a zelar quando
emitem seus pareceres, e que isso evitaria comportamento oportunista para
ganhos de curto prazo, mas o fato é que os analistas de crédito podem não ter
essa preocupação. Após os problemas em empresas como Enron, as agências de
rating passaram a ser vigiadas mais de perto e as agências alegam que adotaram
bloqueios entre a área de análise e a área comercial, mas a crise financeira
indica que isso não foi suficiente para melhorar a qualidade das análises.
Xia (2010) examinou essa questão comparando
uma agência que adotava o modelo de pagamento pelo emissor (S&P) e outra
onde os investidores pagavam (Egan-Jones), chegando a conclusão de que a
S&P atribui classificações mais elevadas. O artigo de Jiang, Stanford e Xie
analisa a questão de maneira muito interessante. Em 1968, a S&P adotou o
modelo onde o emissor (no caso, municípios) pagava, modelo adotado em 1970 pela
Moody’s para a mesma modalidade de emissor. Poucos meses depois, a Moddy’s
passou a cobrar dos emissores de títulos corporativos, enquanto que a S&P
continuava a cobrar dos investidores, o que mudaria em 1974. Essa situação cria
uma possibilidade de estudo interessante, os autores comparando as
classificações atribuídas pela S&P e pela Moody’s no período anterior e
posterior à mudança na S&P.
É
fácil ficar apontando o dedo para as agências de classificação de risco pelo
modelo de remuneração onde o emissor paga a agência, mas há uma razão plausível
para a sua adoção. Originalmente, quem pagava era o investidor interessado em
comprar os títulos do emissor. Porém, alguns fatores passaram a ter grande
influência no trabalho das agências. O primeiro era a grande demanda por
classificações com o crescimento do mercado de dívida. Começou-se a questionar
a capacidade técnica das agências de terem analistas qualificados e em número
suficiente para atender toda essa demanda. Outro fator foi a disseminação de
maneiras de compartilhar informações, o que na época significada
fotocopiadoras, gerando o problema do caronista. Um argumento que poderia ser
feito para a adoção do modelo onde o investidor paga é que é assim que se faz
no caso de relatórios de análise de ações. A diferença que muda tudo é que o
comprador da informação não deve ver muito problema em compartilhar a
informação no caso de classificação de risco de crédito, mas não iria
compartilhar relatórios de análise de ações. Quanto menos gente tiver acesso às
informações do relatório de análise, melhor para o cliente. Quando as agências
passaram a cobrar dos emissores, conseguiram realizar os investimentos
necessários para expandir suas operações, possivelmente por conseguirem maior
receita dessa forma.
Utilizando
dados da Securities Data Corporation sobre as classificações de risco das duas
empresas, os autores analisaram as notas emitidas entre 1971 e 1978. As notas
são convertidas em números inteiros de 1 a 7, onde 7 indica a nota de crédito
mais alta. A adoção dessa janela de tempo possibilita comparar as notas
atribuídas pela Moody’s (que adotou o modelo onde o emissor paga no período
completo) com as notas da S&P (que migrou para o novo modelo em 1974). Em
regressões lineares múltiplas, a principal variável dependente é a diferença
entre as notas da S&P e da Moddy’s, mas há análises onde estuda-se os
determinantes das notas de crédito. Diversos controles que poderiam indicar
diferenças nos critérios são incluídos, junto com uma dummy para indicar se a nota foi emitida após 1974 (POST74), e essa
é a variável independente de maior interesse que indicaria uma mudança nas
notas emitidas pela S&P. Caso essa variável seja positiva e
estatisticamente significativa, há indícios de que os critérios realmente
mudaram com a modificação do modelo de remuneração. O intercepto da regressão
também é interessante, indicando possíveis diferenças dos critérios não
explicadas pelos controles. Um intercepto negativo indicaria que a Moddy’s
atribui maiores notas de crédito, também indicando padrões menores rigorosos
quando o emissor paga a agência.
Outros
fatores poderiam explicar a maior generosidade da S&P após 1974, como
mudanças de critério que independam da remuneração. Para mitigar o problema de
variáveis não observadas, os autores incluem duas variáveis dummies que indicam potenciais conflitos
de interesse. A comissão dos emissores é baseada no tamanho da emissão e o
emissor pagará cada vez que fizer uma emissão, de forma que a agência tem maior
interesse nos emissores maiores e mais frequentes. A primeira variável de
conflitos de interesses assume o valor 1 caso a emissão tenha tamanho acima da
mediana ou caso o emissor tenha volume acima da mediana. A segunda variável de
conflito de interesses é a qualidade de crédito do emissor, os de menor
qualidade tendo maiores incentivo a buscar uma nota maior. A aproximação
adotada pelos autores é a razão EBITDA/Ativos totais e a variável recebe valor
1 caso tenha essa relação abaixo da mediana. O que é relevante é examinar a
interação entre a variável que indica que a nota foi emitida após 1974 e a de
conflito de interesses.
Na parte de estatísticas descritivas, os
autores notam que em grande parte dos casos (83%) as duas agências atribuem a
mesma nota para o emissor. Na análise univariada, constata-se que as notas da
S&P eram menores do que as da Moddy’s antes da mudança de modelo, não
havendo diferença significativa após a migração. Examinando as emissões
agrupando por notas, os autores constatam que a diferença de notas é maior nos
grupos Aaa, Aa e Ba, havendo maior conflito de interesses no grupo Ba (maior
classificação no grau especulativo) e no Aa pré-Aaa. Após a mudança, as notas
da S&P passam a ser maiores no grupo Ba e menores no Aa, o que sugere que
em um grupo de elevado conflito de interesse a mudança na remuneração pode ter
influenciado a análise. Analisando os emissores onde há possivelmente maior
conflito de interesses, nota-se que a porcentagem de notas da S&P maiores
do que da Moody’s aumenta após 1974 e a porcentagem de notas menores diminui.
Em outra análise, os autores constatam que a melhora nas notas da S&P estão
concentradas nos grupos de alto conflitos de interesse, principalmente quando a
nota da Moody’s é baixa. Isso tudo indica que pode haver uma influência do
modelo de remuneração na avaliação das agências.
Para
confirmar os resultados das análises univariadas, foram realizadas análises
multivariadas da forma descrita anteriormente. Sem variáveis de controle, o
intercepto é negativo e a variação POST74 é positiva, indicando que as notas da
Moody’s são maiores e que as notas da S&P aumentam em relação às da Moody’s
após 1974. Adicionando controles, a diferença entre as notas das duas agências
é afetada pelo modelo de remuneração da forma prevista. É interessante notar
que, de forma geral, os coeficientes dos controles não são significativos, sugerindo
que os modelos das duas agências são bastante parecidos. Analisando apenas a
nota da S&P, nota-se que POST74 é significativa, mas não quando se analisa
apenas a Moody’s.
Analisando
novamente a diferença das notas, mas agora incluindo as variáveis de conflito
de interesses (consideradas uma de cada vez), os resultados obtidos
anteriormente se mantêm (POST74 positivo e intercepto negativo), com o
acréscimo de coeficientes positivos para a interação de POST74 com as variáveis
de conflito de interesse, indicando que a mudança no modelo de remuneração
levou a S&P a dar maiores notas para os emissores com maior poder de
barganha ou maior interesse em melhorar a classificação. As estimativas do
impacto econômico da mudança nas notas de crédito é uma redução em US$ 51
milhões anuais (US$ 222 milhões em valores ajustados pela inflação) nos gastos
com juros para a emissão mediana.
Para
finalizar, os autores realizam diversos testes de robustez, como mudar o método
estatístico e mudar a forma de tabular as classificações considerando o maior
número de graus adotados pela S&P (incluindo + ou – à nota). O mais
interessante é testar a hipótese da informação, de que a S&P aumenta as
notas por receber mais informações dos emissores após a mudança no modelo. De
fato, as notas parecem conter mais informação, aumentando a correlação entre as
notas da S&P e os juros dos títulos e diminuindo o desvio-padrão das
classificações. Porém, o fato é que, segundo estudos anteriores, os emissores
compartilham notícias positivas e negativas, o que deveria resultar em pouco
impacto em qualquer direção nas notas. Além do mais, essa hipótese não explica
a questão dos conflitos de interesse.
Em
conclusão, há evidências de conflitos de interesse com a introdução do modelo
onde o emissor, não o investidor, paga pela nota de crédito. Apesar do artigo
não analisar o mercado atual, é crível que ainda hoje haja esse problema. Há
razões econômicas para a adoção desse modelo e, na minha opinião, o problema
não está ai. A obrigação de determinada nota por uma agência aprovada pelo
governo (NRSRO) é uma medida que acaba por reduzir a
concorrência (no auge da crise, existiam apenas três NRSROs) e transformar uma
opinião em uma regra (ver aqui). Possibilitar real competição nesse mercado e
a adoção simultânea de modelos alternativos e concorrentes de pagamentos podem
fazer com que as opiniões das agências sejam menos enviesadas ou que opiniões
mais confiáveis apareçam.
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