(Enough)
John
C. Bogle
John Bogle, fundador da Vanguard, tem uma série de
ideias interessantes sobre a indústria de fundos e como os elevados custos do
sistema financeiro acabam prejudicando os investidores em favor de outros
participantes (ver aqui).
No livro Enough (Dose Certa na versão em português), Bogle desenvolve melhor essas
ideias e fornece sua visão pessoal sobre uma série de assuntos.
Na introdução, o autor conta um pouco sobre como
surgiu a empresa que administra, a Vanguard, além de falar um pouco de sua
própria biografia em tom próximo ao da autoajuda. A mensagem básica da
introdução – e do livro, na verdade – é que é altamente problemático buscar o
que está além do “suficiente” (tradução literal do título em inglês).
O livro é divido em quatro partes, a primeira
tratando especificamente do mercado financeiro. A questão dos custos da
indústria de investimentos é o tema do primeiro
capítulo. O autor não nega a importância do mercado financeiro para
investidores e para empresas, porém, pondera que os elevados custos da
indústria (estimados em US$ 600 bilhões na época em que o livro foi escrito,
por volta de 2008) e os impostos sugam muito do retorno nominais dos
investidores, a inflação terminando por reduzir ainda mais os ganhos. Além
disso, há os elevados salários pagos aos presidentes e aos gestores dos fundos
de hedge (pagos em última instância pelos investidores), a assimetria da
remuneração (gestores ganham muito na alta, mas não perdem muito na baixa), a
fuga de cérebros para a indústria de investimentos e a falta de habilidade na
seleção de ações por parte dos gestores (“o tipo errado de magia”). Isso faz
com que, segundo Bogle, o sistema financeiro não crie valor, não produza
benefícios que superem esses custos.
No segundo
capítulo, o autor trata da questão do investimento e da especulação e como
este acabou se tornando o padrão no mercado financeiro. Investimento é definido
por ele como a posse de longo prazo de ações e o aumento gradual de seu valor
através da capacidade das empresas de gerar valor. Especulação é entendida como
a posse de curto prazo para “fazer o jogo” das expectativas sobre o valor das
empresas e aproveitar as flutuações de curto prazo em busca de ações
subavaliadas ou em busca do melhor momento para comprar e vender as ações. Ao
final, tal como os retornos da gestão ativa e da gestão passiva devem ser os
mesmos (antes de custos), o máximo que os investidores e especuladores
conseguirão ganhar é o valor gerado pela empresa. O autor reconhece que os
especuladores são necessários para, dito de outra forma, tornar o mercado mais
eficiente, mas ao longo de diversos exemplos ele mostra como a especulação se
tornou uma grande distração para os investidores e para as empresas. E a
especulação se tornou excessiva, com o giro das ações passando de 25% em 1951
para 284% em 2008 (contando negócios com ETFs) e o valor nominal dos
derivativos sobre índices acionários superando em muito o valor de mercado dos
próprios índices. Eu resumiria a questão da seguinte maneira: o ganho sobre o
investimento, obtido com a geração de valor das empresas, é um jogo de soma
positiva, mas a especulação acaba se tornando um jogo de soma zero (o ganho no
curto prazo de um participante é a perda de outro) e negativo após
considerarmos os custos.
A complexidade dos produtos financeiros atuais é
tema do terceiro capítulo, última
parte do livro relacionada especificamente ao mercado financeiro. A preferência
do autor é por seguir o princípio da Navalha de Occam, que
pode ser elegantemente enunciada como "a pluralidade nunca deve ser
postulada sem necessidade". E a opinião do autor sobre as recentes
inovações financeiras é de que mais beneficiam quem vende do que quem adquire
(veja aqui
uma opinião diferente). No que tange a especialidade do autor (fundos), o livro
trata dos ETFs, indexação fundamental, fundos de retorno absoluto, fundos de
commodities, fundos de distribuição administrada e fundos em ações
estrangeiras, Bogle tendo reservas quanto a todas essas inovações (tirando o
último, vi poucos argumentos e muitas "especulações”). Uma boa observação
geral sobre a indústria é que parte dos fundos deixam de existir depois de
pouco tempo e que em menos de 50% dos fundos os administradores investem no
próprio fundo ("comem da própria comida"). O que o autor defende é a
simplicidade com baixo custo, o que inclui a indexação (lembrando que Bogle é o
inventor dos fundos passivos).
A segunda parte do livro (“Negócios”), o autor
deixa de focar tanto no mercado financeiro e trata dos negócios em geral. No capítulo 4, escreve sobre a
excessiva confiança nos números, começando pelos erros das estatísticas
oficiais, seguindo com o perigo de confiar demais em dados históricos, seguindo
com o excesso de confiança em projeções (segundo o autor, a previsão dos
analistas para os lucros das empresas foi de 11,5% a.a. em média, contra
crescimento efetivo de 6%) e o papel das normas contábeis e de novos
indicadores “pro-forma” de
resultados. Esses erros podem levar à tomada de decisões errôneas em vários
campos, inclusive o planejamento de aposentadoria e as decisões de investimento
das empresas. O autor não é contra a utilização de números e métricas, apenas é
a favor do uso de senso crítico e confiar um pouco mais no que não pode ser
expresso em números.
O capítulo
cinco é sobre conduta profissional. Começa falando de problemas de conduta
em diversas profissões, incluindo a administração de recursos, e a maior parte
do capítulo é dedicada a problemas de governança. A primeira observação é que
houve a transformação do capitalismo dos proprietários para o capitalismo dos
administradores, ou seja, os agentes tomando controle das decisões em detrimento
dos principais. Outra transformação foi a mudança do foco do longo prazo para o
curto prazo. O resultado, segundo Bogle, é a prevalência da negligencia e do
excesso e a desconsideração do dever de responsabilidade que o profissional (o
presidente da empresa) tem com seus clientes (os acionistas da empresa). O
resultado, segundo Bogle, é a remuneração excessiva dos presidentes (será?) e disfuncional (pensando no
preço, não em valor) devido ao pouco interesse dos acionistas pela remuneração
dos executivos e por conselhos de administração amigáveis demais com os
executivos, sem falar em desonestidade individual.
Grande parte do que foi mencionado no capítulo
anterior se aplica à indústria de fundos, tema do capítulo seis. Primeiro, Bogle descreve as mudanças ocorridas na
indústria ao longo do tempo: houve um enorme aumento na participação de mercado
dos fundos (de 1% das ações das empresas para 35%, com salto dos ativos de US$
2 bilhões para US$ 12 trilhões). Houve uma proliferação de diferentes produtos,
muitas vezes por conta das modas de investimento do momento, e os fundos mais
diversificados perderem espaço. Os investidores de fundos diminuíram seu prazo
de investimento, mantendo as cotas em média por quatro anos (em 1951 a média
era 16 anos), o que foi contra produtivo, fazendo com que o retorno médio
efetivamente auferido pelos investidores fosse menor do que o retorno médio dos
fundos. A estratégia de investimentos dos fundos ativos também mudou, reduzindo
o tempo médio de aplicação nas ações de seis para apenas um ano, o que fez com
que o custo subisse de 0,77% para 1,5%. A taxa de fracasso dos fundos passou de
13% na década de 1950 para 60%. Isso tudo beneficia mais os administradores da
indústria do que os cotistas dos fundos. Bogle vê nesse processo o triunfo da
persuasão sobre a responsabilidade profissional. As sugestões (ou sonhos) de
Bogle para reverter essa situação são: Redução nos custos de administração;
Buscar servir os investidores a vida toda, e não incentivar a troca constante
de posições; Adotar horizontes de investimento de longo prazo e trabalhar para
melhorar a governança das companhias; Servir os investidores de longo prazo; e
melhorar a governança dos próprios fundos. Bogle ainda defende que as empresas
defendam algo, e o que a empresa dele defende é mais responsabilidade e ética
na condução dos negócios.
O restante do livro é menos técnico e mais as
impressões pessoais do autor sobre diversos temas, principalmente a última
parte do livro (“Vida”). É o mesmo tom empregado na Introdução, apenas com um
pouco menos de autobiografia. Bogle tinha por volta de 80 anos quando escreveu
o livro e certamente que não deixa de ser interessante ler o que uma pessoa com
essa idade tem a dizer sobre a vida, mas não vou entrar em maiores detalhes
sobre essa parte.
A mensagem principal do livro no que se refere a
investimentos é que os investidores devem se atentar à questão dos custos de
suas aplicações, deve procurar minimizar esses custos e também se atentar para
a relação fiduciária com os prestadores de serviços financeiros, que nem sempre
têm os melhores interesses dos investidores como uma prioridade.
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