quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A Dose Certa



John C. Bogle

John Bogle, fundador da Vanguard, tem uma série de ideias interessantes sobre a indústria de fundos e como os elevados custos do sistema financeiro acabam prejudicando os investidores em favor de outros participantes (ver aqui). No livro Enough (Dose Certa na versão em português), Bogle desenvolve melhor essas ideias e fornece sua visão pessoal sobre uma série de assuntos.

Na introdução, o autor conta um pouco sobre como surgiu a empresa que administra, a Vanguard, além de falar um pouco de sua própria biografia em tom próximo ao da autoajuda. A mensagem básica da introdução – e do livro, na verdade – é que é altamente problemático buscar o que está além do “suficiente” (tradução literal do título em inglês).

O livro é divido em quatro partes, a primeira tratando especificamente do mercado financeiro. A questão dos custos da indústria de investimentos é o tema do primeiro capítulo. O autor não nega a importância do mercado financeiro para investidores e para empresas, porém, pondera que os elevados custos da indústria (estimados em US$ 600 bilhões na época em que o livro foi escrito, por volta de 2008) e os impostos sugam muito do retorno nominais dos investidores, a inflação terminando por reduzir ainda mais os ganhos. Além disso, há os elevados salários pagos aos presidentes e aos gestores dos fundos de hedge (pagos em última instância pelos investidores), a assimetria da remuneração (gestores ganham muito na alta, mas não perdem muito na baixa), a fuga de cérebros para a indústria de investimentos e a falta de habilidade na seleção de ações por parte dos gestores (“o tipo errado de magia”). Isso faz com que, segundo Bogle, o sistema financeiro não crie valor, não produza benefícios que superem esses custos.

No segundo capítulo, o autor trata da questão do investimento e da especulação e como este acabou se tornando o padrão no mercado financeiro. Investimento é definido por ele como a posse de longo prazo de ações e o aumento gradual de seu valor através da capacidade das empresas de gerar valor. Especulação é entendida como a posse de curto prazo para “fazer o jogo” das expectativas sobre o valor das empresas e aproveitar as flutuações de curto prazo em busca de ações subavaliadas ou em busca do melhor momento para comprar e vender as ações. Ao final, tal como os retornos da gestão ativa e da gestão passiva devem ser os mesmos (antes de custos), o máximo que os investidores e especuladores conseguirão ganhar é o valor gerado pela empresa. O autor reconhece que os especuladores são necessários para, dito de outra forma, tornar o mercado mais eficiente, mas ao longo de diversos exemplos ele mostra como a especulação se tornou uma grande distração para os investidores e para as empresas. E a especulação se tornou excessiva, com o giro das ações passando de 25% em 1951 para 284% em 2008 (contando negócios com ETFs) e o valor nominal dos derivativos sobre índices acionários superando em muito o valor de mercado dos próprios índices. Eu resumiria a questão da seguinte maneira: o ganho sobre o investimento, obtido com a geração de valor das empresas, é um jogo de soma positiva, mas a especulação acaba se tornando um jogo de soma zero (o ganho no curto prazo de um participante é a perda de outro) e negativo após considerarmos os custos.

A complexidade dos produtos financeiros atuais é tema do terceiro capítulo, última parte do livro relacionada especificamente ao mercado financeiro. A preferência do autor é por seguir o princípio da Navalha de Occam, que pode ser elegantemente enunciada como "a pluralidade nunca deve ser postulada sem necessidade". E a opinião do autor sobre as recentes inovações financeiras é de que mais beneficiam quem vende do que quem adquire (veja aqui uma opinião diferente). No que tange a especialidade do autor (fundos), o livro trata dos ETFs, indexação fundamental, fundos de retorno absoluto, fundos de commodities, fundos de distribuição administrada e fundos em ações estrangeiras, Bogle tendo reservas quanto a todas essas inovações (tirando o último, vi poucos argumentos e muitas "especulações”). Uma boa observação geral sobre a indústria é que parte dos fundos deixam de existir depois de pouco tempo e que em menos de 50% dos fundos os administradores investem no próprio fundo ("comem da própria comida"). O que o autor defende é a simplicidade com baixo custo, o que inclui a indexação (lembrando que Bogle é o inventor dos fundos passivos).

A segunda parte do livro (“Negócios”), o autor deixa de focar tanto no mercado financeiro e trata dos negócios em geral. No capítulo 4, escreve sobre a excessiva confiança nos números, começando pelos erros das estatísticas oficiais, seguindo com o perigo de confiar demais em dados históricos, seguindo com o excesso de confiança em projeções (segundo o autor, a previsão dos analistas para os lucros das empresas foi de 11,5% a.a. em média, contra crescimento efetivo de 6%) e o papel das normas contábeis e de novos indicadores “pro-forma” de resultados. Esses erros podem levar à tomada de decisões errôneas em vários campos, inclusive o planejamento de aposentadoria e as decisões de investimento das empresas. O autor não é contra a utilização de números e métricas, apenas é a favor do uso de senso crítico e confiar um pouco mais no que não pode ser expresso em números.

O capítulo cinco é sobre conduta profissional. Começa falando de problemas de conduta em diversas profissões, incluindo a administração de recursos, e a maior parte do capítulo é dedicada a problemas de governança. A primeira observação é que houve a transformação do capitalismo dos proprietários para o capitalismo dos administradores, ou seja, os agentes tomando controle das decisões em detrimento dos principais. Outra transformação foi a mudança do foco do longo prazo para o curto prazo. O resultado, segundo Bogle, é a prevalência da negligencia e do excesso e a desconsideração do dever de responsabilidade que o profissional (o presidente da empresa) tem com seus clientes (os acionistas da empresa). O resultado, segundo Bogle, é a remuneração excessiva dos presidentes (será?) e disfuncional (pensando no preço, não em valor) devido ao pouco interesse dos acionistas pela remuneração dos executivos e por conselhos de administração amigáveis demais com os executivos, sem falar em desonestidade individual.

Grande parte do que foi mencionado no capítulo anterior se aplica à indústria de fundos, tema do capítulo seis. Primeiro, Bogle descreve as mudanças ocorridas na indústria ao longo do tempo: houve um enorme aumento na participação de mercado dos fundos (de 1% das ações das empresas para 35%, com salto dos ativos de US$ 2 bilhões para US$ 12 trilhões). Houve uma proliferação de diferentes produtos, muitas vezes por conta das modas de investimento do momento, e os fundos mais diversificados perderem espaço. Os investidores de fundos diminuíram seu prazo de investimento, mantendo as cotas em média por quatro anos (em 1951 a média era 16 anos), o que foi contra produtivo, fazendo com que o retorno médio efetivamente auferido pelos investidores fosse menor do que o retorno médio dos fundos. A estratégia de investimentos dos fundos ativos também mudou, reduzindo o tempo médio de aplicação nas ações de seis para apenas um ano, o que fez com que o custo subisse de 0,77% para 1,5%. A taxa de fracasso dos fundos passou de 13% na década de 1950 para 60%. Isso tudo beneficia mais os administradores da indústria do que os cotistas dos fundos. Bogle vê nesse processo o triunfo da persuasão sobre a responsabilidade profissional. As sugestões (ou sonhos) de Bogle para reverter essa situação são: Redução nos custos de administração; Buscar servir os investidores a vida toda, e não incentivar a troca constante de posições; Adotar horizontes de investimento de longo prazo e trabalhar para melhorar a governança das companhias; Servir os investidores de longo prazo; e melhorar a governança dos próprios fundos. Bogle ainda defende que as empresas defendam algo, e o que a empresa dele defende é mais responsabilidade e ética na condução dos negócios.

O restante do livro é menos técnico e mais as impressões pessoais do autor sobre diversos temas, principalmente a última parte do livro (“Vida”). É o mesmo tom empregado na Introdução, apenas com um pouco menos de autobiografia. Bogle tinha por volta de 80 anos quando escreveu o livro e certamente que não deixa de ser interessante ler o que uma pessoa com essa idade tem a dizer sobre a vida, mas não vou entrar em maiores detalhes sobre essa parte.

A mensagem principal do livro no que se refere a investimentos é que os investidores devem se atentar à questão dos custos de suas aplicações, deve procurar minimizar esses custos e também se atentar para a relação fiduciária com os prestadores de serviços financeiros, que nem sempre têm os melhores interesses dos investidores como uma prioridade.

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