A maior história do mercado de capitais em tempos recentes provavelmente é a ascensão e queda do Império X de Eike Batista. Estamos acostumados a estudar o mercado de capitais lendo sobre eventos ocorridos há muito tempo atrás, mas essa é verdadeiramente a História passando por nossos olhos. Na era da internet, há uma enxurrada de informações sobre os fatos recentes e o caso de Eike Batista e seu império não poderia ser diferente. Felizmente, temos no livro Tudo ou Nada, de Malu Gaspar, um bom registro dessa história.
Editora da Veja no Rio de Janeiro, Malu Gaspar
acompanha a história de Eike Batista desde 2006, quando o entrevistou pela
primeira vez, e começaria a escrever o livro a partir desse ponto. Em oito
anos, acompanhou a trajetória balística (ascendente e descendente) do Império X
e coletou um vasto e impressionante material durante esse tempo, inclusive
entrevistas com personagens importantes (exceto o próprio Batista já no período
decadente de seus negócios). Com isso, pôde escrever uma história bastante
completa de Eike Batista e seus negócios.
O prólogo do livro relata uma reunião em que Eike
Batista entra na sala de reuniões e é informado de que estava fora da
companhia, que seria comandada pelos credores. Parece um relato do fim de seu
comando na OGX, mas na verdade se refere a eventos ainda mais anteriores, sua
saída do comando da TVX, empresa de mineração do Canadá. Os dois primeiros
capítulos do livro são justamente dedicados aos seus negócios anteriores, no
Brasil e no Canadá.
O terceiro capítulo do livro aborda a sua “volta ao
jogo” após os fracassados projetos. Começaria com o que apelidaram de “Termoluma”
no Ceará, uma termelétrica que Batista buscaria construir na época do Apagão do
começo do século. E aqui começa a parte que sempre me incomodou no que se
refere a Batista: a relação com políticos no que se denomina hoje como Capitalismo
de Compadrio. A obra foi um pedido dos políticos da época (Tasso Jereissati
e outros tucanos) e construída com muita ajuda governamental para um
empreendimento que nunca foi bem-sucedido. Com a vitória do PT em 2002, Batista
passaria a querer se entrosar com o novo governo e procuraria ser um “empresário
do PT”, nas palavras dele. Demoraria, mas com seu ganho de prestígio e muitas
doações para campanhas, seria bem-sucedido nesse objetivo e ganharia ainda
outros “amigos”, o mais importante o governador do Rio de Janeiro, Sérgio
Cabral.
Ainda no capítulo 3, vemos como surgiu a MMX, a
primeira empresa do Império X sob a holding criada nesse mesmo período, a EBX.
Batista não pretendia que esse fosse o único empreendimento e sob a ideia de um
Grand Design pensaria em investir em
toda a cadeia logística. Como dizia seu pai, Eliezer Batista, uma empresa de
mineração é acima de tudo uma empresa de logística. A ideia era integrar à MMX
portos e ferrovias a serem construídos por outras empresas do grupo.
A hora de investir em mineração, meados da década
de 2000, não poderia ter sido melhor, com o Mega Ciclo das commodities
impulsionado pelos gastos de infraestrutura da China. O capítulo 4 trata da IPO
da MMX, um plano ousado para a época. O mercado de capitais brasileiro não era
muito desenvolvido na época (é discutível se é hoje) e o mercado de ofertas
públicas iniciais ainda não tinha deslanchado, apesar de iniciativas como o
Novo Mercado. Se empresas já estabelecidas não iam tanto a mercado, o que dizer
de uma empresa pré-operacional? Era um negócio legítimo, mas de difícil
execução. Para auxiliar nessa tarefa, Batista contou com a ajuda do Pactual,
que topou o desafio que já tinha sido recusado por outros anteriormente. Como
sabemos, a IPO sairia, mas seria necessário que o próprio Batista colocasse
dinheiro na oferta para viabilizá-la. Essa é apenas uma das várias arriscadas
jogadas de Batistas, um equivalente ao all-in
do póquer, de onde, inclusive, sai o título do livro.
A ideia toda de Batista era criar empresas do zero
e vendê-las ainda na forma de projeto, primeiro na bolsa com oferta inicial e
depois para outra empresa. Seria assim com a MMX, futuramente vendida
parcialmente para a Anglo American em eventos retratados a partir do capítulo 6
e que precisaria de mais um all-in do
empresário. Operar por meio de IPO de pré-operacionais é um dos aspectos mais
controversos envolvendo Eike Batista e eu particularmente não me incomodo com
essa prática, tema a ser desenvolvido em futuro texto.
O capítulo 5 é sobre a criação da petroleira OGX, a
que seria a maior empresa do grupo, tanto para erguê-lo quanto para afundá-lo.
Um empecilho era que o braço-direito de Batista, Rodolfo Landim, era egresso da
Petrobras e tinha prometido informalmente que não competiria com a empresa.
Para convencê-lo, Batista lançaria mais um all-in,
prometendo uma generosa participação na própria EBX. O acordo, se é que podemos
chamar assim, foi feito em um papel de caderno durante um voo e geraria muita
discórdia quando Landim deixasse o grupo. Porém, Landim acreditou na palavra de
Batista (coisa que se arrependeria, como muitos outros) e o projeto OGX
começaria. Para a empresa nascente, seria trazido da Petrobras Paulo Mendonça,
o Dr. Oil, como Batista o chamava, que depois seria o braço-direito de Batista
da saída de Landim até o Império X estar em franco desmoronamento. A equipe de
técnicos e executivos vindos da Petrobras passou a buscar as melhores
alternativas para investir no leilão de campos da ANP (Agência Nacional de
Petróleo). E aqui o na época presidente Lula desferiria o golpe que se
mostraria fatal na ainda por nascer OGX ao pedir para que o pré-sal fosse
excluído do leilão. Mesmo assim, o projeto OGX seguiria em frente com os campos
que restavam, que, porém, eram muito menos promissores, muitos dos quais já
rejeitados pela Petrobras.
O próximo passo, após arrematar os campos no
leilão, seria abrir o capital da OGX, evento relatado no capítulo 7. No chamado
Projeto The Doors, Batista, seus
subordinados e seus consultores nos bancos de investimentos realizariam a até
então maior oferta pública inicial que tornaria Eike Batista o homem mais rico
do mundo, meses antes da Grande Recessão de 2008. E começaria aqui também o hype criado em torno de Eike Batista, o
que inclui várias capas de revista.
No capítulo 8, vemos o primeiro sinal de problemas
no Império X com a Operação Toque de Midas da Polícia Federal, que investigou
os negócios de mineração de Eike Batista e com talvez desnecessário espalhafato
envolveu a entrada na sede da EBX e na casa do empresário por agentes da PF. Essa
operação pôs em risco a venda de parte da MMX para a Anglo American, mas, em
outro all-in, Batista daria garantias
com o próprio patrimônio para a empresa. A negociação era vista como essencial
por Batista para dar credibilidade aos seus negócios, mostrando que uma grande
empresa acreditou em Batista e comprou um empreendimento dele e que, portanto,
ele não era um “vendedor de sonhos”.
Faria um novo all-in
com a própria MMX (a parte que lhe restou da empresa) ao dar um empréstimo para
a empresa em um momento em que os resultados não vinham. Ao longo de sua
trajetória, vemos que Eike Batista além de um bom vendedor de projetos era um
bom manipulador do mercado, no bom e no mau sentido, esse empréstimo tendo sido
feito justamente para acalmar o mercado. Esse evento é retratado no capítulo 9,
onde vemos ainda os primeiros sinais de discórdia dentro do grupo conforme a
execução do projeto se mostrava mais problemática do que o esperado.
Nessa época, Batista já era muito bem relacionado
com políticos do Rio de Janeiro, até
bem relacionado demais, porém, ainda era visto com reservas pelo governo
federal, em especial pelo presidente Lula, que ainda o via como apenas um
aventureiro. Tudo mudaria com o projeto
La Señorita, apelido dado por Eliezer Batista para a Vale. O negócio
envolvia a compra de uma parte relevante do capital votante da Vale que estava
nas mãos do Bradesco. Na época, a Vale estava em conflito com o governo federal
por conta de demissões realizadas e pela relutância em investir em siderurgia.
Batista se aproximou do governo com a ideia de assumir o controle da Vale e “realizar
o potencial” da empresa, um “diamante não-polido” nas palavras de Batista. O
negócio acabaria não saindo, apesar de todo o apoio do governo (inclusive via
BNDES, o melhor banco do mundo, segundo o empresário), mas serviu para que Batista
se tornasse “empresário do PT”. Esses eventos são retratados no capítulo 11.
O décimo segundo capítulo retrata a queda de
Rodolfo Landim e a ascensão de Paulo Mendonça, diretor de exploração e
reservatórios. Nesse capítulo, vemos as práticas discutíveis de governança da
OGX, com a divulgação de qualquer coisa como fato relevante. A empresa era
obrigada a relatar à ANP uma série de eventos, nem todos de grande importância,
e a empresa os divulgava como fatos relevantes para dar a impressão ao mercado
de que a empresa estava fazendo alguma coisa. Declarar a comercialidade de um
campo, por exemplo, soa bem, porém, não significa que a empresa terá lucro com
esse campo.
Essa questão continuou a ser abordada nos capítulos
seguintes, que retrata a “bolha X” e os esforços de Batista e seus subordinados
em criar expectativas no mercado fornecendo estimativas muito ligeiramente
relacionadas com a realidade. Essa bolha era inflada com fatos relevantes, mas
também com temerárias divulgações de estimativas por meios não oficiais, como
entrevistas e Twitter, contra o qual a CVM não conseguia lutar.
Teleconferências com investidores também eram utilizadas para esse fim. A OGX
faria uma apresentação errônea do relatório de uma consultoria
especializada, mas o mercado não comprou muito essa manipulação e esse seria o
primeiro grande abalo sísmico na OGX (veja aqui
um texto meu sobre o assunto na época em que ocorreu). O relatório mostrava estimativas
para a quantidade de barris equivalentes de petróleo (BOE) dos campos da
empresa, o que é feito separando em diversas categorias de acordo com o grau de
incerteza. O que a OGX fez foi somar tudo como se fossem iguais, prática totalmente
condenável pela qual a consultoria exigiu retratação.
Já nessa época, Batista tentava fazer o mesmo que
fez com a MMX, vender um pedaço da empresa para um sócio estratégico. Isso se
tornou mais complicado, já que não estávamos mais no Mega Ciclo das commodities
e a liquidez havia diminuído após a Grande Recessão. Os resultados demorariam
para vir para a OGX, criando a necessidade de levantar mais dinheiro para a
empresa. Se a venda de participação estava difícil, Batista recorreria à
dívida, tendo como grandes credores Itaú e Bradesco, oferecendo seus próprios
bens como garantia (all-in!). Uma
transação com o Mubala foi vendida ao
mercado como uma compra de participação, mas também era uma operação de dívida
com ações da OGX de Batista como garantia. Junto com a exclusão do pré-sal do
leilão da ANP, podemos apontar esse como o segundo prego no futuro caixão da
OGX.
Os capítulos 15 e 16 mostram que por trás dos
primeiros resultados das empresas X (como a chegada de um navio plataforma,
vendido ao mercado de maneira apoteótica) havia uma série de dificuldades.
Muitos questionavam a quantidade de petróleo nos campos da OGX, a OSX tinha
dificuldades em receber encomendas de outras empresas além de sua co-irmã, o porto de
Açu também tinha dificuldades em atrair clientes para viabilizar o
empreendimento e a MMX tinha dificuldades em executar seus projetos. As tentativas
de venda de parte da OGX não evoluíam, os grupos que analisavam com mais
critério as bacias não vendo nem metade do petróleo que a OGX dizia ter. Ao
mesmo tempo, Batista dispersava esforços com projetos paralelos, de fábrica de
semicondutores à concessão do Maracanã. Nem a generosa ajuda do governo
conseguiu deslanchar os projetos da EBX. Mesmo assim, o hype em torno das empresas X na forma de avaliações ainda bem
generosas das empresas e em torno da própria figura de Eike Batista, que virou
uma grande celebridade e ídolo de aspirantes a empreendedores. Em uma amostra
da euforia relacionada com Eike Batista, teve até “auto”biografia, road show para se vender no exterior e
mais capa de revista.
Porém, os problemas com as empresas X começaram a
aumentar e os “profetas do apocalipse” passaram a ser encarados com maior
credibilidade internamente. Batista passou a abandonar alguns empreendimentos
que tinha prometido e fechou a clínica de beleza da namorada. O caixa se
esvaziava a uma velocidade impressionante e até o BNDES estava começando a
dificultar a concessão de crédito às empresas X. A quantidade de ações sendo
vendidas a descoberto aumentava mais e mais. A OGX começou a produzir, mas
extraindo pouco mais da metade do que tinha prometido. Como isso era má
notícia, não foi divulgado ao mercado. Na verdade, até dentro da empresa essa
informação não circulava tão facilmente, para desespero de diretores
financeiros e de relações com investidores. Internamente, Mendonça dizia que a
produtividade aumentaria, mas só cairia.
O capítulo 17 relata a cerimônia de início da produção
da OGX, com direito à presença da presidente Dilma, que declararia que não havia
nem poderia haver concorrência entre OGX e Petrobras. Esse parecia ser o começo
de tempos melhores, mas a situação da OGX e de todo o grupo continuaria a se
deteriorar. Quando não era mais possível esconder, a OGX divulgaria a produção
de seus campos de petróleo, agora em 5 mil barris diários, e rebaixaria as
projeções de petróleo nos campos, o que seria um novo Armagedom nas ações X. R$
5 bilhões foram gastos enquanto a OGX furava desesperadamente em busca de
petróleo, para resultar em apenas 5 mil barris diários.
Já era evidente até para o sempre otimista Batista
que a coisa ia de mal a pior e que era necessário fazer alguma coisa. Várias
soluções foram tentadas. A mais bem-sucedida, que resolveu apenas parte do
problema, foi a venda de parte da MPX para a alemã E.ON, apesar de várias
turbulências na negociação envolvendo um homem de confiança de Eike Batista. O fechamento
de capital da LLX, com a ajuda do Ontario Teachers' Pension Plan, e da CCX, empresa de
carvão do grupo, foram tentados, mas nenhum dos negócios foi para frente. Batista ainda
prometeria colocar recursos oferecendo uma opção de venda (put) a ser exercida contra seu próprio patrimônio (all-in), mas ele próprio não honraria
seus compromissos. Venda de participações adicionais, principalmente sobre a
OGX, fracassaram.
O grupo precisava de um salvador da pátria. O
primeiro candidato foi o ex-presidente Lula, antes reticente com Batista e
agora grande amigo do empresário. Tentou fazer com que um estaleiro saísse do
Espírito Santo para o porto de Açu, mas a tentativa fracassaria com a
resistência dos cingapurianos que construíam o estaleiro e com a publicidade
dada às pressões que sofriam para mudar.
O próximo salvador da pátria seria o BTG Pactual de
André Esteves. Como se diz, se você pede ajuda para um banqueiro para se
salvar, é porque você está realmente enrascado. O próprio Esteves e uma equipe
de analistas se envolveriam na procura por soluções para o grupo e o banco
prometeria investir até R$ 1 bilhão. Como grande credor do grupo, o BTG queria
ser o primeiro da fila e queria mais orquestrar uma liquidação organizada da
EBX do que encontrar uma saída, mas não teria sucesso nesse intento, até porque
Batista tiraria o BTG da jogada para trazer um novo salvador da pátria, Ricardo
Knoepfelmacher (Ricardo K.). Até a Vinci Partners seria envolvida em boatos de
que ajudaria o grupo X, mas isso rapidamente se mostrou infundado. Simultaneamente,
Batista e seus consultores buscavam dar rumo para os negócios, vender participação
(sem vender controle) e negociar com os credores, mas falhariam nas três
frentes. A put de US$ 1 bilhão seria exercida pela OGX, mas Batista não
aportaria os recursos, ele próprio já não tendo muito dinheiro e tudo o que
tinha estando preso com os credores. Aquelas garantias pessoais dadas no
passado cobravam o seu preço agora. Antes tão presente na imprensa e na mídia,
se limitaria a publicar um artigo no Globo
e no Valor
Econômico culpando os outros pelo seu fracasso.
No fim, a OGX precisaria interromper a produção nos
campos que estavam produzindo e esse seria o golpe de misericórdia. As ações
das empresas X cairiam a níveis abissais, a OGX passando a frequentar o patamar
de R$ 0,20 quando há alguns anos valia por volta de R$ 20. Os credores
assumiriam a empresa, Batista seria rebaixado para minoritário e como havia
acontecido com a TVX seria expulso do comando de suas empresas. Eike Batista,
agora não apenas um ex-bilionário, mas um bilionário negativo, está às voltas ainda
hoje com processos da CVM por uso de informação privilegiada na negociação de
ações.
Batista, o bilionário negativo. Fonte: Alex Cuadros https://twitter.com/AlexCuadros/status/395639607821225984/photo/1 |
Uma coisa que surpreende nessa história toda é que
o fracasso da TVX já era conhecido, embora a grande maioria das pessoas não
tivesse conhecimento de maiores detalhes. A principal fonte utilizada pela
autora é uma reportagem da Canadian
Business, que pode ser lida parcialmente aqui.
Certamente que a história da EBX não será esquecida e está bem registrada no
livro de Malu Gaspar. Independente disso, Eike Batista já está em busca de
novos negócios, como lemos no epílogo do livro. A questão é: Batista tentará
fazer o mesmo que fez com a TVX e a EBX e, se o fizer, terá sucesso, apesar de
seu passado o condenar? A se ver.
O livro é fascinante, de fácil leitura (ainda mais
para quem está familiarizado com mercado de capitais e sociedades anônimas),
tendo como grande mérito trazer os bastidores de eventos que nós acompanhamos
pelo noticiário, sem imaginar os segredos que estavam ocultos. Pretendo fazer
um segundo texto mais técnico detalhando alguns tópicos, como a negociação com
informações privilegiadas, prática mencionada em diversas passagens do livro.
Excelente blog...
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