quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Economia em uma única lição (pt 2)

(Continuação da resenha do livro Economia numa única lição de Henry Hazlitt. Ver parte 1).

A próxima manipulação (capítulo dezessete) é no sentido de reduzir os preços a um patamar inferior ao que vigoraria sem intervenções. As consequências naturais são fáceis de prever, que são o aumento na quantidade demandada e uma redução na quantidade ofertada, resultando em escassez. Para resolver o problema que o próprio governo criou, há: 1) Introdução de racionamento para evitar que um consumidor mais rico compre mais e deixe menos para os demais; 2) e 3) Controle de preços de custos e tabelamento universal (ou seja, estendendo o problema causado pela primeira manipulação para diversos mercados); 4) Subsídios para os produtores (e os problemas já analisados alhures). Seja qual for a solução, é impossível que a imposição de preços máximos em um produto deixe de afetar todos os demais preços da economia, já que há a questão de produtos complementares e substitutos. O mercado negro acaba dominando a economia, mas seu êxito também traz consequências negativas, como a ocupação do mercado negro por empresas desonestas (pense na máfia ou no tráfico). Hazlitt termina o capítulo notando o trágico efeito da democracia populista: é possível favorecer vários grupos conseguindo apoio de 50% mais um voto a cada vez e com várias rodadas de favorecimentos prejudicar 100% das pessoas.

O capítulo dezoito analisa as políticas de controles de aluguéis, com as já clássicas consequências de aumento na demanda por espaço, falta de construções novas e deterioração urbana. Os burocratas tentam consertar o problema que eles próprio criaram (mas que botam culpa no mercado), retirando os imóveis de luxo da restrição, já que os ricos podem pagar aluguéis mais caros (o que aumenta a oferta de imóveis de luxo) e construção de moradias por parte do governo ou subsídios (com as consequências vistas nos capítulos anteriores).

Hazlitt discute a questão do salário mínimo no capítulo dezenove, que serve de uma ponte entre a parte sobre intervenção nos preços e a questão dos níveis salariais. O que se vê é que os trabalhadores não receberão salários abaixo de um mínimo; o que não se via (hoje é mais claro para quem teve pelo menos Introdução à Economia, estudo por conta ou pensou minimamente no assunto) é que os empregadores deixarão de fazer ofertas por trabalhos que valham menos do que esse mínimo, resultando em desemprego. A intervenção da intervenção é subsidiar desemprego, o que distorce os incentivos e faz com que o critério de decisão dos trabalhadores seja a diferença entre o salário e o seguro-desemprego. A melhor forma de elevar salários é através do aumento na produtividade do trabalho, o que aumenta a geração de riquezas e por consequência dos salários.

Os sindicatos são tema do capítulo vinte, Hazlitt argumentando que o sucesso em aumentar artificialmente os salários tem como consequência redução no emprego e repasse de maiores custos aos consumidores. Mesmo que não haja repasse e o aumento seja pago pelos lucros que iriam ao empregador, isso também terá consequências negativas como menores investimentos. O autor não nega que os sindicatos possam desempenhar um papel importante, desde que aja como uma associação livre (ou seja, sem intervenção do governo) entre trabalhadores. Os efeitos negativos não se dão apenas com aumentos salariais para um grupo, redução nos salários reais para um segundo grupo e desemprego para um terceiro. A pressão política para adoção de leis coercitivas supostamente para beneficiar os trabalhadores também podem vir a ter efeitos negativos na produtividade. Tocando nesse tema, a melhor parte do capítulo é quando Hazlitt atribiu ao aumento da produtividade, não ao surgimento dos sindicatos, a responsabilidade pelos aumentos salariais ao longo da história (aumentos esses que não produzem consequências negativas, sendo apenas uma consequência da prosperidade).

No capítulo vinte e um, Hazlitt discute a teoria de que os salários deveriam ser suficientes para que os trabalhadores possam recomprar os produtos que produzem. A primeira questão é que isso criaria um problema de desalinhamento de salários dentro de uma mesma indústria onde as empresas cobrem preços diferentes, além da dificuldade em se determinar qual deveria ser o nível. O que os proponentes querem é elevar salários para um nível acima do que seria definido na livre negociação entre empregadores e trabalhadores. As consequências são basicamente as mesmas já analisadas nos capítulos anteriores (desemprego, aumento de preços etc.). Por último, o poder de consumo não vem apenas dos salários, mas dos dividendos dos proprietários, e não há e nem deveria haver nenhuma regra análoga para a recompra dos produtos por parte dos donos das empresas.

Todas essas intervenções no mercado de trabalho para (supostamente) beneficiar os trabalhadores apenas ilustram a lição única de Hazlitt: observa-se apenas as consequências imediatas para um grupo, ignoram-se os efeitos de longo prazo e os impactos em outros grupos. Os melhores níveis salariais e de lucros são aqueles que permitem o melhor emprego dos recursos para aumentar a produtividade e propiciar o ganho de bem-estar que isso causa.

 Os lucros são tema do capítulo vinte e três. Os lucros complementam os preços ao indicarem quais são os artigos que devem ser produzidos e também quais são as maneiras mais eficientes de produzir.  O capítulo vinte e quatro analisa um fator que afeta a maioria das questões anteriores, a inflação (ou seja, emissão de dinheiro seguida de aumento nos preços), que Hazlitt pediu para várias vezes ser ignorada, já que não afetaria a conclusão dos argumentos. A primeira observação é que a emissão de dinheiro para financiar determinado gasto público certamente beneficia um grupo (o que receberá primeiro o dinheiro), mas prejudica outras pessoas que receberão o dinheiro mais tardiamente. Hazlitt alerta sobre as dificuldades em se lidar com a inflação, já que haverá uma pressão contínua pelos grupos beneficiados por mais inflação, já que é impossível de se prever como os preços reagirão com aumentos na quantidade de dinheiro e porque as pessoas passarão a duvidar da qualidade do dinheiro após períodos inflacionários. A inflação (o ópio do povo, na definição de Hazlitt) é um processo ilusório que faz com que as pessoas ao menos inicialmente pensem estarem mais ricas ou que consomem mais, distorce preços e custos relativos e abre mais uma forma de arrecadação ao permitir que o governo gaste com recursos aparentemente surgidos do nada. Essa é a pior forma de arrecadação, segundo Hazlitt, por ser incontrolável a forma como prejudica as pessoas. Em última análise, a inflação é um tributo que desencoraja poupança, incentiva o comportamento de curto prazo e desestabiliza a economia, podendo levar (como já levou) ao totalitarismo.

No capítulo vinte e cinco, a última aplicação da Lição, sobre a importância da poupança. A frugalidade e a previdência são comportamentos dados como virtuosos, exceto no campo econômico, onde o perdulário é visto como o herói. Hazlitt retoma os argumentos de Bastiat a esse respeito, mas reforça a importância da poupança para a acumulação de capital e o investimento produtivo e da taxa de juros como o preço do dinheiro. Analisa também o “temor psicótico” pelas taxas de juros excessivas e as políticas de redução artificial no preço do dinheiro que resultarão em menor oferta de dinheiro para ser emprestado. Critica também a ideia irreal de um problema de entesouramento e a noção de “excesso de capital”, que só aconteceria se todas as empresas operassem na máxima eficiência alcançável e todos os países possuíssem o mesmo nível de desenvolvimento.

O livro não é de difícil leitura ou compreensão. Porém, passado mais de sessenta anos da publicação de sua primeira edição, não só essas falácias não foram desacreditadas como se tornaram maiores. Não é difícil encontrar defesas (algumas bem sofisticadas) de controle de preços por parte do governo ou críticas ao lucro ou à poupança. Observando-se o estado atual de coisas, é nítido que o liberalismo perdeu a batalha no campo das ideias e o intervencionismo ganhou (o Brasil em 2012 é uma prova cabal disso). Causa pessimismo constatar que essa “guerra” foi travada por grandes nomes como o próprio Hazlitt, além de Mises, Friedman e outros que já se foram. Só podemos esperar que a geração atual esteja a altura do desafio.

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