segunda-feira, 18 de abril de 2011

Vendas a descoberto e delitos financeiros

Jonathan Karpoff e Xiaoxia Lou
Journal of Finance. Volume 65. 2010

Como escrevem os autores no começo do artigo, venda a descoberto é uma atividade controversa. Por um lado, alegam que amplia o universo de escolhas do ponto de vista da teoria de carteiras e pode aumentar a eficiência informacional ao melhor incorporar informações negativas e por outro lado culpam pelas crises (na crise financeira de 2008, não foram poucos os que acusavam os vendedores a descoberto pelos acontecimentos) e alegam que vendedores a descoberto podem disseminar boatos para lucrarem com a queda das ações (estranhamente, ninguém acusa compradores de disseminarem boatos para lucrarem com a alta). Richard Fuld, ex-CEO do Lehman Brothers, instituição supostamente derrubada injustamente pelos vendedores a descoberto, mostra toda sua delicadeza e consideração para com vendedores a descoberto ao declarar: “quando eu encontrar um vendedor a descoberto, eu quero rasgar seu coração e comê-lo diante de seus olhos enquanto ele estiver vivo”.

O objetivo do artigo é analisar o efeito das vendas a descoberto no mercado analisando um tipo de evento em particular, que é a reapresentação de demonstrativos contábeis por conta de algum erro ou até fraude. Esse acontecimento é interessante de se analisar já que em 96% das ocasiões há uma queda anormal (não explicável por fatores como movimentações do mercado em geral) nos preços após a divulgação ao mercado do erro, com retorno anormal médio de 18,2% no primeiro dia. Ou seja, uma ótima oportunidade de lucro para vendedores a descoberto e é de se esperar que esses investidores procurem prever essas situações.

Os autores analisaram 454 ações de companhias listadas nos Estados Unidos que foram processadas pela SEC por conta de algum problema em seus demonstrativos em uma janela de tempo quarenta meses antes e quarenta meses depois da notificação. A variável de análise é a porcentagem de ações vendidas a descoberto em relação ao total de ações (short interest ratio). Esse indicador por si próprio não é muito útil, porque outros fatores além de informações sobre irregularidades cometidas podem influenciar essa medida. Para corrigir esse problema, os autores procuram estimar uma abnormal short interest (ABSI), a medida bruta menos a medida esperada com base em características da empresa, conforme estudos anteriores.

O cálculo do ABSI revela algumas características das ações em relação à venda a descoberto. Ações de empresas maiores, com maior giro e com maior participação de investidores institucionais, que mais gerenciam lucros e com maior venda de agentes internos são mais vendidas a descoberto. Para encontrar um efeito genuíno da reapresentação dos demonstrativos contábeis na venda a descoberto, o ABSI deve se comportar de uma maneira não previsível por esses e outros fatores.

A primeira análise diz respeito ao comportamento das vendas a descoberto antes da divulgação dos erros contábeis. A venda a descoberto começa a aumentar anormalmente por volta de 16 dias antes do anúncio atingindo o pico cinco dias após o anúncio, indicando que os vendedores a descoberto podem ter alguma capacidade de detectar os erros contábeis.

Nem todas as notificações possuem a mesma gravidade. Alguns erros são pouco graves e até acidentais enquanto outros são fraudes deliberadas. Para analisar esse fator, foram incluídas variáveis que procuram medir a gravidade dos erros no cálculo do ABSI. Essas variáveis indicam se a ocorrência é uma fraude, se foi acompanhada de acusações de insider trading e se havia também gerenciamento de lucros. Esses fatores estão negativamente relacionados com os retornos após a divulgação da investigação, ou seja, geram quedas maiores. O resultado da análise do ABSI indica relação positiva e estatisticamente significativa, ou seja, erros mais graves levam a uma maior venda a descoberto.

Outra pergunta que deve ser feita é se há um foco nas empresas que apresentam erros contábeis e se (analogamente) maiores vendas a descoberto preveem erros contábeis. Pode ocorrer de haver a elevação observada, mas os vendedores a descoberto não focam nas ações que apresentarão problemas. Para analisar isso, os autores utilizaram dados de todo o mercado (até então só tinham trabalhado com a amostra de 454 ações) e separam as ações em 5% mais vendidas a descoberto e 95% menos vendidas. Os resultados indicam que há mais do que o dobro de vendas a descoberto no grupo das 5% mais vendidas em relação às 95% menos vendidas.

As evidências apontam para uma boa capacidade de previsão de erros contábeis por parte dos vendedores a descoberto. Resta saber os efeitos que a ação desses investidores provoca no mercado. A primeira questão é se os vendedores a descoberto causam um excesso de reação que deprime demasiadamente o preço das ações após a revelação dos problemas. Os autores analisaram o retorno anormal dessas ações e encontraram uma relação negativa e significativa entre os retornos e a gravidade dos problemas, mas não encontraram relação significativa entre retornos e ABSI (a relação deveria ser negativa para indicar excesso de reação).

Um efeito positivo da ação dos vendedores seria a de revelar mais rapidamente. Isso é analisado observando o tempo entre o começo dos problemas e a sua divulgação em relação ao ABSI e às outras variáveis utilizadas nos testes anteriores. Os resultados indicam que maior ABSI reduz o tempo até a divulgação, de forma que uma ocorrência que poderia demorar 26 meses para ser detectada poderia demorar 8 meses a menos se a ação estiver entre as 75% mais vendidas a descoberto.

A última análise diz respeito a outras externalidades positivas e negativas sobre investidores “desinformados” (que não sejam agentes internos ou a própria empresa) das vendas a descoberto. O efeito positivo seria o de diminuir a diferença entre o preço artificial que as ações poderiam atingir sem as vendas a descoberto e o preço de mercado aplicados às ações vendidas por agentes internos e a empresa (ou seja, reduz os ganhos indevidos desses investidores). Isso é feito analisando os retornos das ações com base em um modelo multifatorial que inclui o ABSI, sendo possível separar a parcela dos retornos atribuível às vendas a descoberto. O resultado é que as ações são cotadas em média 2,41% a menos por conta das vendas a descoberto, o que resulta em um efeito de 1,67% do valor de mercado das empresas que os agentes internos e a empresa deixam de lucrar com suas vendas. A mediana do impacto é 0%.

O efeito negativo é que os vendedores a descoberto acabam por vender ações aos investidores desinformados, e essas ações são negociadas a um preço superior ao que vigorará após a divulgação das irregularidades. Ou seja, o lucro dos vendedores a descobertos se dá em cima dos investidores desinformados. A estimativa de diferença entre o preço de mercado e o real valor das ações é de 12,13% o que resulta em um efeito total de 0,58% (mediana de 0,08%). No líquido, as externalidades são positivas na média (1,09%) e um pouco negativas na mediana (-0,06%). O intervalo de confiança da média é entre 0,80% e 2,98%. Utilizando estimativas inferiores para os efeitos negativos, o efeito líquido médio pode ser 1,53% na média e nulo na mediana. A principal diferença entre a média e a mediana (nesse caso) é que a maior externalidade positiva se dá para o caso de empresas que realizam grandes ofertas de ações, vendendo ações a preços que não incorporaram os erros contábeis, mas menores do que seriam sem a ação dos vendedores a descoberto. É razoável concluir que grande parte da externalidade positiva gerada pelos vendedores para os investidores desinformados é posteriormente internalizada.

A conclusão geral é que vendedores a descoberto podem antecipar problemas que as empresas estejam escondendo, podendo até acelerar a divulgação desses problemas, e que podem reduzir os preços das ações artificialmente elevados sem as vendas, o que resultaria em uma maior eficiência de preços e geraria externalidades positivas para outros investidores. A transição da condicional (podem, resultaria...) depende de esses resultados poderem ser generalizados para outros casos além da reapresentação de demonstrativos contábeis e generalizados para outros mercados (o brasileiro, por exemplo).

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