quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Projeção de balanço em valuation



Balanço Patrimonial é um tema negligenciado tanto na teoria quanto na prática de avaliação de empresas, exceto no que se refere à dívida. Balanços ou não são projetados ou os relatórios de avaliação não se dão ao trabalho de incluir tal projeção. Na minha opinião, isso é um erro porque, no mínimo, permitiria detectar falhas no modelo de avaliação.



Antes de tudo, a bem da verdade sempre há projeção de balanço em avaliação por fluxo de caixa descontado. Se você projeta fluxo de caixa, projeta caixa. Se projeta caixa, projeta o resto do balanço. Se o analista coloca na planilha ou não e, o mais importante de tudo, olha para essa projeção ou não, é outra questão.

Tirando dívida, capital de giro e capital fixo, a solução mais comum para os outros ativos e passivos é simplesmente somar o valor contábil no valor da empresa. Mas, então, vamos dar um passo para trás e discutir por que não fazer o mesmo com capital de giro e fixo. E aqui entra o ponto principal da projeção de balanço: a natureza econômica da conta patrimonial.

Simplesmente somar a valor contábil o capital de giro seria supor que a empresa passará a receber e pagar tudo à vista e ter estoque zero. O efeito no valor da empresa seria o inverso do esperado. Por reduzir o caixa livre, o capital de giro e seu aumento (se positivo) reduz o valor da empresa. Mas manter capital de giro é uma necessidade do negócio. As empresas até desejam reduzi-lo para aumentar o valor da empresa, mas há limites para tal redução. Caso venha a chegar em uma situação de capital de giro nulo (o que provavelmente nunca irá ocorrer), então terá um grande acréscimo de valor. Até lá, o fluxo de caixa deve levar em conta a necessidade de capital de giro que se reflete em um aumento no capital de giro no Balanço Patrimonial.

Raciocínio parecido se aplica ao capital fixo. Simplesmente somar no valor da empresa seria absurdo porque significaria que a empresa não precisa de capital fixo para operar e pode gerar resultados a partir do nada. Se a empresa tem hoje um capital fixo, é porque precisa dele hoje e provavelmente sempre precisará. O efeito de somar a valor contábil também é o inverso na medida em que capital fixo reduz o valor da empresa ao retirar caixa livre. Por essa razão, as empresas desejam ser mais eficientes gerando mais resultados sob uma base menor de capital fixo. Em projeções, estima-se o gasto com investimentos fixos, o que impacta fluxo de caixa, o ativo e a despesa com depreciação.

Todo manual de avaliação de empresas considera investimentos em capital fixo e de giro. Os dois parágrafos anteriores foram na linha de estabelecer a lógica econômica subjacente a essa prática. Mas serão esses os únicos ativos e passivos que devem ser levados em conta?

Razões para incluir o ativo ou passivo, como visto com capital fixo e de giro:

  • São necessários para a atividade da empresa
  • Seria absurdo simplesmente supor que vão sumir
  • Afetam o fluxo de caixa e/ou resultados
  • Possuem alguma base de previsibilidade

 Esses pontos dão base para determinar quais outros ativos e passivos mereceriam ser projetados tanto no fluxo de caixa quanto no Balanço Patrimonial, mas os manuais de avaliação de empresas não costumam mencionar. Em textos futuros irei detalhar a maioria, mas no mínimo temos:

  • Tributos Diferidos sobre PCLD: Ignorar esse efeito significaria que o governo permitiria o reconhecimento do efeito fiscal da provisão para perdas antes de sua realização, o que não é realista.
  • Tributos Diferidos sobre diferença de taxa de depreciação: Ignorar essa conta significaria que a empresa iria pagar toda a diferença já contabilizada e iria considerar para fins fiscais a taxa de depreciação contábil, que é menor do que a fiscal. Tendo a possibilidade de não fazer isso, é impossível imaginar a empresa adotando essa política voluntariamente.
  • Tributos Diferidos sobre Prejuízo Fiscal e Base Negativa: Se você somar essa conta ao valor da empresa, irá supor que o governo vai dar um cheque para a empresa por conta de seus prejuízos passados e também irá fazer isso para os prejuízos futuros, o que não é o que acontece.
  • Provisões: Zerar essa conta significaria que a empresa nunca mais seria processada ou, a depender da projeção de despesas, que sequer brigaria na justiça contra processos e simplesmente paga à vista.
  • Receitas Diferidas: A empresa recebeu sem gerar receita anteriormente e simplesmente subtrair a valor contábil é supor que a empresa vai desembolsar caixa e receber caixa de novo quando a receita for reconhecida. O efeito no valor não chega a ser inverso, mas afeta o fluxo de caixa de uma maneira facilmente evitável.

Em nenhum desses casos o efeito no valor da empresa será igual ao valor contábil. Nos casos em que a conta irá sempre crescer acompanhando a empresa como um todo, o impacto no valor é o inverso, com ativos aumentando valor quando deveria reduzir (já que retiram caixa) e passivos diminuindo o valor quando deveria aumentar (porque liberam caixa). Em outros casos, a tendência é zerar a conta e quanto mais longo o tempo até zerar a conta menor será o valor presente e maior a diferença para o valor contábil.

Portanto, se a conta patrimonial tem uma razão econômica bem clara que seria simplesmente absurdo ignorar, deve ter seus efeitos no fluxo de caixa projetados e as posteriores consequências no Balanço Patrimonial. Nos casos em que não há uma clara razão para projetar o ativo ou passivo, uma solução simplificadora como somar o valor contábil passa a ser apropriada.

A projeção do Balanço Patrimonial pode ajudar a entender melhor a empresa e detectar problemas no modelo de avaliação. No primeiro ponto, entender a dinâmica do BP pode ajudar a compreender o modelo de negócios da empresa e, assim, fazer projeções de fluxo de caixa mais realistas. No segundo ponto, por exemplo, investimento líquido nulo na perpetuidade não faz sentido nenhum na medida em que a rentabilidade da empresa tenderia ao infinito, o que fica claro se você projeta o balanço. A empresa iria gerar resultados crescentes a partir de uma base estável de capital fixo, o que não é sensato de se imaginar. Investimento líquido negativo faz ainda menos sentido porque em algum momento a empresa passaria a ter capital fixo negativo, o que não consigo nem imaginar o que é.

Por último, é legítimo levantar dúvidas sobre a viabilidade e a necessidade de fazer tais projeções. Tudo cairia por terra se fosse impossível fazer tais projeções ou se elas não mudassem muito o valor da empresa. A resposta para ambos os questionamentos é o mesmo: projetar ativos e passivos que geralmente não são levados em conta é, de forma geral, simples e quase automático. Dívida, capital fixo e de giro realmente deveriam ser as contas patrimoniais a receber maior atenção simplesmente porque o impacto no valor é maior e há maior liberalidade da empresa quanto a essas três contas. Diferido sobre PCLD, por exemplo, você basicamente vai multiplicar por o PCLD por -0,34; faça essa multiplicação, arraste para todas as colunas e pronto, está projetado o diferido sobre PCLD e (quase) não tem como mudar isso. Esse foi apenas um exemplo, mas vale para a maioria das outras contas: é simples de projetar e é o tipo de coisa que você nem precisa revisar a não ser procurando por erros. Quando revisando a avaliação para encontrar o modelo que mais faz sentido ou modificando as variáveis para ver o impacto no valor, a maioria dessas contas nem poderia ser modificada porque não tem outra forma de projetá-las.

Por fim, acho soluções simplistas como somar a valor contábil muito “fazer de qualquer jeito” então é melhor projetar explicitamente ativos e passivos quando possível nem que seja para fazer um modelo menos “de qualquer jeito”. Psicologicamente faz alguma diferença!

Futuros textos irão detalhar o funcionamento de algumas contas que, na minha opinião, deveriam ser projetadas explicitamente em uma avaliação por fluxo de caixa descontado.

2 comentários:

  1. Roberto,

    Parabéns pelo excelente texto. Você é um dos poucos que produzem textos decentes sobre avaliação de investimentos no Brasil. Felicito-lhe por abordar um tema tão relevante quanto negligenciado. Essa cultura de projetar fluxo de caixa observando, basicamente, investimento e Capital de Giro e Capital fixo, como se nada mais existisse como resultado natural das operações (tributos diferidos, por exemplo), promove avaliações tecnicamente pobres.

    Siga em frente com seus excelentes textos.
    Atenciosamente,

    Thiago Tessarolo Souza, CFA

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