sexta-feira, 8 de abril de 2016

Excesso de confiança e subdiversificação


Em Finanças Pessoais, o conselho mais repetido (e com razão) é o de diversificar, mas a verdade é que na prática os investidores pessoa física acabam por subdiversificar as suas carteiras. Em um artigo publicado no Journal of Finance, von Gaudecker analisa quais fatores levaram os investidores a manter carteiras sub-ótimas.


O principal objetivo do autor foi investigar a relação entre o desempenho de carteiras e fatores como numeracia financeira e se a pessoa pede conselhos profissionais, de amigos/família ou se age por conta própria. É importante determinar qual é a razão dos investidores não diversificarem, já que o programa de educação ou assessoria financeira varia de acordo com os fatores que realmente explicam o comportamento dos investidores.

O autor utilizou uma base de dados do banco central da Holanda e uma pesquisa da CentERpanel. Os dados se referem aos anos de 2005 e 2006. A subdiversificação foi medida pela “perda de retorno”, o diferencial do retorno efetivo da carteira e o retorno de uma carteira bem diversificada (MSCI Europe Index) para o mesmo nível de risco. Nas análises do autor, essa perda é pequena para 80% dos investidores, menos de meio ponto percentual por ano, mas dispara para 1,8 ponto no último quintil. Mais importante, não há diferença estatística entre os quatro quintis inferiores em termos de perda de retorno e a “perda de diversificação” (diferença dos índices de Sharpe do mercado e da carteira). Apenas no último quintil que há uma diferença significativa da perda de retorno e isso é explicado exclusivamente pela perda de diversificação, e não pelos outros componentes da perda de retorno (porcentagem de ativos de risco e coeficiente beta). Isso não se deve ao fato dos investidores de pior retorno ter menor patrimônio, os números mostrando que ocorre o contrário, na verdade.

Separando a amostra de acordo com a numeracia financeira (abaixo e acima da média), constatou-se algo que seria de esperar, mais numeracia representando menos perda de retorno, mas o fator aconselhamento também foi importante. Um investidor com alta numeracia, mas que toma as decisões por conta própria, obtém maiores perdas do que um investidor com menor habilidade com números, mas que se aconselha com profissionais ou família/amigos. O pior grupo (baixa numeracia, sem aconselhamento) obteve retornos um ponto percentual inferiores ao de uma carteira bem diversificada, o que é um resultado economicamente bastante significativo.

Esse resultado fica mais claro em uma análise mais completa. O autor analisou a amostra toda e depois separou em percentis em termos de perda de retorno pelo padrão observado anteriormente (10, 30º, 50º, 70º e 90º). Na amostra completa, a numeracia por si só não teve efeito nos resultados, mas o uso apenas do próprio julgamento na tomada de decisões sim, tendo relação positiva com a perda de retornos. A habilidade com números entra na variável que mede a interação entre alto julgamento e numeracia, enquanto que a interação da numeracia com o uso de aconselhamento profissional ou de amigos/família não se mostra estatisticamente significativa. Ou seja, aqueles que tomam decisões por conta própria obtêm retornos inferiores ao que se aconselham, mas essa perda é mitigada quanto maior for a sua habilidade com números. Porém, mesmo os que se saem melhor nessa variável e tomam decisões por conta própria ainda veem seus retornos sendo reduzidos na comparação com uma carteira bem diversificada, nas contas do autor.

Na separação por percentis, vemos que o resultado se concentra nos percentis de maior perda (70º e 90º) de retornos e que os efeitos mencionados acima não geram impactos nos quintis inferiores (abaixo do 70º). Nos percentis inferiores, o fato dos investidores procurarem aconselhamento não parece afetar os retornos. Com essas duas evidências, podemos imaginar que os retornos estão concentrados em investidores de baixa numeracia e que não procuraram aconselhamento. Em resultados não mostrados com detalhes no artigo, não foi constatada relação entre perda de retornos e conhecimento financeiro.

O autor segue o estudo explorando algumas outras questões. Uma delas é determinar o que leva o investidor a procurar aconselhamento, e o surpreendente resultado é que não há relação entre buscar ajuda profissional e numeracia, apenas com a riqueza do investidor.

Outra análise se refere aos custos envolvidos no investimento com base nas variáveis já mencionadas, havendo relação com a busca por consultores profissionais, mas não com numeracia ou conhecimento financeiro. Isso claramente demonstra que os conselheiros profissionais acabam recomendando produtos que geram maiores custos, porque a remuneração dos profissionais é superior dessa maneira. A questão é se isso afeta os retornos de maneira significativa. Refazer os cálculos para uma base de retornos pós-custos (que podem apenas ser estimados) não altera de maneira drástica os resultados apresentados anteriormente e apontam para os mesmos resultados (investidores que buscam ajuda não perdem retornos por conta desse fator, mas os que agem por conta própria sim). De forma que, em geral, o aconselhamento profissional não é tão caro para o investidor em termos de retorno, mas também não parece gerar muito mais benefício do que o conselho de amigos e família (para a amostra em análise, ao menos).

Assim, verificamos que os investidores que se saíram pior e subdiversificaram suas carteiras são aqueles que não buscaram aconselhamento algum e para piorar não são muito hábeis com números financeiros. Esses resultados passam então a estar abertos para interpretação e a do autor é a de que o excesso de confiança leva aos resultados observados. Além de confiarem em excesso nas suas habilidades, as superestimam também.

Podemos chegar a várias conclusões e misturo aqui um pouco das ideias do autor com as minhas. Primeiro, educação financeira por si só pode não ser a solução e poderia até piorar a situação se isso levar ao excesso de confiança. Ou seja, obter conhecimento sobre investimentos pode dar a falsa impressão de que o investidor agora está suficientemente qualificado para tomar decisões de investimento por conta própria, quando ainda assim seria recomendável obter aconselhamento. No Brasil, me parece que o problema mais urgente não é nem ensinar os investidores a diversificar, e sim a poupar dinheiro, mas mesmo assim seria útil incluir a noção de que é altamente recomendável obter mais aconselhamento (mesmo que informal) mesmo após essas aulas.

Uma segunda conclusão é a necessidade de aumentar a oferta de conselheiros profissionais. Esse movimento já está acontecendo, não apenas por parte de profissionais de investimento, mas também com um aumento na atenção da mídia ao tema (o autor não analisou isso, mas imagino que amigos/família possa ser trocado por mídia). E uma consequência da importância do aconselhamento nos retornos dos investidores é a necessidade de termos ética por parte dos profissionais de investimento. É grave o que o autor relata, profissionais oferecendo produtos com maiores custos por conta da estrutura de incentivos, mas aqui no Brasil toma proporções ainda maiores com a disponibilidade de alguns produtos de investimento tão catastróficos para os investidores (nomeadamente, títulos de capitalização e fundos com taxas de administração astronômicas). Portanto, ao menos tempo em que as conclusões desse artigo exaltam a importância dos consultores financeiros, ressalta a necessidade de ética e vigilância pelos órgãos responsáveis (CFP, ANBIMA, APIMEC etc.).

Referência
Hans-Martin von Gaudecker.
Journal of Finance. Volume 70. Ed. 2. 2015.

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Fonte da imagem: Dave Dugdale no Flickr.

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