No dia 25/11/15, a Comissão de Valores Mobiliários, através das Deliberações nº 742-744, suspendeu por atuação ilegal três sites, dois deles por prestação de serviços de análise de valores mobiliários.
Um dos sites afetados foi O Pequeno Investidor e vou me concentrar nesse caso, pois é o único
dos três que conheço. O motivo alegado pela CVM na Deliberação
nº 742 foi a de que o blog vinha “oferecendo publicamente no Brasil
serviços de consultoria e análise de valores mobiliários”. Essas atividades dependem
de autorização prévia da autarquia, o autor não possuindo tal permissão. O
documento não detalha as razões que levaram a CVM a considerar que o autor do
blog desempenhava a atuação mencionada.
Em um depoimento para o site Infomoney,
reproduzido na página do Facebook do blog,
o autor do site se defendeu, negando ter prestado serviços de consultoria ou
análise, nem de forma paga nem gratuita. Mesmo quando comenta a respeito de uma
ação, o autor diz não fazer uma recomendação de compra ou venda, e sim “apenas
um estudo com o objetivo de estimular a discussão e a reflexão sobre a
qualidade do investimento”. No momento, o blog está fora do ar por conta da
notificação da CVM.
Algumas definições são necessárias para entender
essa história. A atividade do analista de investimentos está normatizada pela Instrução CVM nº
483/10 e posteriores alterações. O analista é definido como a pessoa
natural que “em caráter profissional, elabora relatórios de análise destinados
à publicação, divulgação ou distribuição a terceiros, ainda que restrita a
clientes”. Já relatórios de análise são definidos como “quaisquer textos,
relatórios de acompanhamento, estudos ou análises sobre valores mobiliários
específicos ou sobre emissores de valores mobiliários determinados que possam
auxiliar ou influenciar investidores no processo de tomada de decisão de
investimento”. Para exercer essa atividade, o analista precisa ser certificados
e credenciados para a atividade. A pessoa deve não apenas obter a certificação CNPI
da Apimec, mas também ser credenciado e pagar a taxa de fiscalização da
Apimec. O próprio autor do blog O Pequeno
Investidor confirmou que não era certificado, e diz que sempre deixou claro
que mencionava esse fator em seus textos.
Pelas definições acima, alguns pontos se tornam
nebulosos. O que define “caráter profissional”? O autor do blog, pelo que sei,
não vivia da página e a mantinha meramente como uma atividade secundária. Creio
que monetizava o site com anúncios e,
novamente até onde sei, não cobrava por acesso ao conteúdo. A questão de cobrar
ou não me parece secundária, já que a Instrução nunca menciona a atividade ser
remunerada ou não, mas talvez interferisse na parte do “caráter profissional”.
Mas o ponto principal é o que define se a publicação pode auxiliar ou
influenciar os investidores. Como o autor mencionou em seu depoimento,
jornalistas talvez pudessem ser enquadrados nos mesmos critérios, e a Instrução
não abre exceções para o trabalho jornalístico, não sei se outra norma a
respeito da liberdade de imprensa se sobrepõe a essa norma.
Pela minha compreensão dessa história, a CVM
entendeu que os comentários do autor sobre as empresas se enquadram como
relatórios de análise. O autor mencionou que não faz recomendação ou sugestão,
mas a norma não diz que precisa necessariamente ter esse caráter, apenas poder “auxiliar”
ou “influenciar”. Mas, novamente, se o blogueiro se encaixa nessa definição,
talvez outras pessoas, inclusive jornalistas, poderiam também ser enquadradas.
Ficou a mim a dúvida sobre qual o critério utilizado pela CVM.
Mas ainda mais nebulosa é a suposta atuação
irregular como consultor de valores mobiliários, atividade normatizada pela Instrução CVM nº
43/85 (sim, de 1985, mas velha do que eu!). Tal documento sequer define o
que é um consultor de valores mobiliários, apenas diz que o profissional deve
ser certificado para exercer tal atividade. Em sua página,
a CVM define a atividade como “assessorar os investidores interessados em fazer
aplicações diretamente no mercado”. Uma nova Instrução está sendo preparada a
respeito dessa atividade, mas, enquanto isso, os critérios para a certificação
profissional são regidos pelo Processo
CVM nº RJ2008/0296. Nesse documento, são fornecidos alguns critérios, em
especial experiência profissional comprovada de no mínimo três anos no mercado
de capitais em qualquer atividade que “possa evidenciar aptidão para a consultoria
de valores mobiliários”.
O autor d’O
Pequeno Investidor também não possui tal certificação, mas a questão maior
aqui é sobre qual conteúdo do site poderia ser enquadrado como consultoria, como
assessoramento de “investidores interessados em fazer aplicações diretamente no
mercado”. Eu conheço superficialmente o blog e desconheço qual tipo de conteúdo
poderia ser encaixado nessa categoria. Dessa forma, não posso comentar mais especificamente,
mas ainda continuo não entendendo os critérios exatos que foram utilizados.
Outra dúvida que tive ao estudar esse caso diz
respeito ao que consiste a autorização prévia da CVM. Entrei em contato por
e-mail com a Gerência de Registros e Autorizações (GIR) perguntando se tal
autorização era meramente possuir a certificação CNPI para o caso da análise de
investimentos e a gerente da GIR me confirmou que era isso. Para o caso da
consultoria de valores mobiliários é necessário, óbvio, o credenciamento na CVM
para essa atividade.
Do que eu retiro dessa história, tenho algumas
preocupações. A mais imediata, óbvia e pessoal é sobre o meu próprio blog. Eu
possuo a certificação CNPI, o que, aparentemente, me permite publicar relatórios
de análise, no caso da CVM entender que algum conteúdo por mim publicado possa
se encaixar nessa categoria e não creio que haja, a não ser por um critério
muito rigoroso. Porém, ao não haver uma definição mais clara sobre o que
constitui consultoria de valores mobiliários, poderia ainda estar vulnerável a
esse enquadramento, muito embora eu duvida ainda mais de que tenha assessorado diretamente
(ou mesmo indiretamente) alguém por meio desse blog. Mesmo estando com uma
razoável certeza de que não posso ser considerado irregular, a partir de hoje e
até que eu consiga credenciamento como consultor de investimentos (e, talvez,
até depois disso) eu permanecerei constantemente com receio de que posso
acordar com uma notificação da CVM a respeito deste blog após essas notícias.
Uma preocupação mais abrangente diz respeito à
liberdade de expressão. Não vou entrar no mérito sobre se essas atividades deveriam
ou não ter regulação estatal, mas o ponto é que uma atuação muito rigorosa da
CVM nesse caso poderia limitar a liberdade de expressão e, no limite, até a
liberdade jornalística. As pessoas poderiam ficar com receio de serem punidas
ao expressar opiniões sobre temas financeiros por temerem que essas opiniões possam
ser entendidas como relatório de análise ou consultoria. Se isso ocorrer, o
tema passará a ser um oligopólio de poucos, o que é sempre perigoso.
Na discussão sobre o tema, muitas pessoas
reclamaram que a atuação da CVM é um exagero e que outros crimes estão deixando
de ser investigados. Entendo que a CVM tem exercido o seu papel regulador com
alguma competência e entendo também que deve se preocupar sim com o exercício
irregular da atividade de analista. No que se refere a sites e blogs, o caso d’O Pequeno Investidor não é o que mais me
preocupa e volto a ele no parágrafo final deste texto. O que me preocupa mais
são sites com autores anônimos oferecendo conselhos de investimento e mesmo
vendendo relatórios de análise sem ter permissão para tal (Como mencionado, os
autores são anônimos, então, mesmo que tenham credenciamento, o que eu duvido,
talvez continuem irregulares). Um desses sites aparentemente foi alertado pela CVM
e parou de publicar análises pagas, embora eu não tenha encontrado a
deliberação a respeito desse site em específico, mas devem existir outras
dezenas como esse espalhados pela internet, nem todos muito bem intencionados.
O Pequeno
Investidor, pelo (pouco) que conheço, me parece bem intencionado. Em um
comentário em sua própria publicação no Facebook
onde fornecia o seu depoimento sobre a situação, o autor do blog disse que está
estudando para obter as certificações. Tomara que consiga, já que todos sairiam
ganhando: ele por voltar a escrever, seus leitores que poderão aproveitar o seu
conteúdo e até a própria CVM em sua função educacional.
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