terça-feira, 18 de abril de 2017

E se o mundo não fosse redondo?

Na internet, está em voga a teoria da conspiração sobre o mundo não ter a forma que pensamos ter (redondo, oval, helicoidal, como preferir).

Embora o título faça menção a isso, não é sobre esse tema que quero falar e até evitei usar os termos mais utilizados para evitar mecanismos de busca. A questão é que se isso fosse verdade, ou seja, que o planeta não tivesse a forma que pensamos ter, isso não mudaria completamente nosso entendimento sobre tudo? E por mais que seja um fato que a maioria das pessoas toma como verdade absoluta, ninguém tem uma evidência pessoal (nem eu nem nenhum dos meus leitores entrou em órbita para comprovar por si mesmo ou deu a volta ao mundo) e é algo que as pessoas sequer pensam em ter uma argumentação para defender algo tomado como tão absoluto.

Uma discussão parecida com essa em Finanças é sobre a ausência de prêmio por risco. O que entendemos sobre risco e retorno é que deve haver uma relação positiva entre esses dois fatores, ou seja, deve haver alguma recompensa por assumir mais risco e se há um retorno elevado é porque deve ter um risco elevado envolvido. Claro que nem sempre assumir risco é recompensador (de outra forma, não seria arriscado), mas toda a teoria de Finanças e Retorno Esperado tem como base essa relação entre risco e retorno.

Depois de um tempo acompanhando com curiosidade até mórbida essa discussão no Twitter*, lembrei de Eric Falkenstein. Ele escreve possivelmente o melhor blog de Finanças que pouca gente lê (link) e cultiva essa teoria de que não há uma relação entre risco e retorno e escreveu um livro sobre o tema (disponível gratuitamente no Kindle Unlimited americano). Não me aprofundei muito em seus argumentos, mas o pouco que vi não me impressionou. Baixo retorno de ativos de alta volatilidade não é exatamente uma anomalia inesperada, já que muitas vezes envolvem empresas em precária situação financeira que provavelmente devem ir a falência com algumas poucas se salvando e produzindo retornos espetaculares. Além do mais, essas empresas tendem a ter um beta estatístico baixo, já que a correlação com o mercado é baixíssima, mas beta tende a ser uma péssima medida de risco para essas ações.

Ações com tanta volatilidade tendem mais a serem precificadas como opções reais fora do dinheiro que provavelmente vão virar pó, mas que podem serem “exercidas” (nesse caso, sobreviverem) com retornos elevados nessa hipótese. Mesmo pensando em uma perspectiva mais tradicional de avaliação, a taxa de desconto em equilíbrio poderia ser menor não por conta de a empresa ter um risco menor, mas porque investidores que gostam de correr risco são atraídos por esse tipo de empresa (o que foi chamado de ação-loteria). Nesse caso, o correto seria adotar uma taxa de desconto maior (talvez acrescentando algum prêmio de risco por precariedade financeira), o que faria com que a empresa valesse menos com maior retorno esperado. Isso faria com que a ação fosse julgada como superavaliada (preço justo abaixo do preço de mercado) e o mais sensato seria não recomendar a compra dessa ação. Se a ação é persistentemente negociada acima do preço justo por conta dos “risk lovers”, paciência.

Saindo desse caso específico, podemos afirmar que deve necessariamente haver uma relação entre risco e retorno. Preço no mercado de ações é definido como em qualquer outro mercado, pela interação entre compradores e vendedores. O comprador abre mão de liquidez em troca de um ativo de risco e o vendedor troca um ativo de risco por caixa. As duas partes analisam o risco e o retorno dessa e de outras transações na hora de decidir comprar ou vender. Se o ativo de risco sequer oferece um retorno superior ao ativo considerado sem risco (ou seja, não há prêmio por risco), então porque alguém aceitaria entrar nessa transação como comprador? Tirando o caso mencionado acima, ninguém iria aceitar esses termos de troca. Então, é muito difícil imaginar um mundo sem um prêmio por risco excetuando os casos especiais.

Mas é importante entender a razão da existência da relação entre risco e retorno, explicada de maneira básica acima. Igualmente, em Finanças Corporativas é importante entender a razão do objetivo da empresa ser a maximização do valor ao acionista (assunto analisado aqui neste blog). Da mesma forma que o prêmio por risco, toda a área de Finanças Corporativas (talvez toda a Administração de Empresas) teria que ser repensada se você não considerar que este é o objetivo. Porém, diferente da relação entre risco e retorno, assunto que qualquer livro ou curso de investimentos deve abordar, nem todos os livros ou cursos de Finanças Corporativas estabelecem o objetivo das empresas e um número ainda menor analisam a fundo essa questão.

No fim, teorias da conspiração são um pouco subestimadas, na minha opinião. Não que eu acredite em alguma. Ingenuidade ou não, eu acredito que as coisas acontecem e aconteceram mais ou menos da forma como as pessoas contam. Que o homem foi à Lua, que Kennedy morreu do jeito que morreu e por ai vai. Mas o interessante das teorias da conspiração não é que elas mudam a sua opinião sobre o tema, e sim que elas permitem analisar a questão por outros ângulos e forçam um entendimento mais formal sobre tópicos considerados como autoevidentes (como os mencionados acima). Talvez nunca chegaremos ao ponto de rejeitar a existência do prêmio por risco mas, ao menos para mim, essa discussão será sempre bem-vinda.



* De início, pensei em parar de seguir a pessoa que passou a escrever obsessivamente sobre esse tema sem, a bem da verdade, escrever nada relevante antes disso, mas fiquei curioso para saber até onde isso ia e não me arrependi!

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