sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Romantismo e Consumo

Artigo: Blatant Benevolence and Conspicuous Consumption: When Romantic Motives Elicit Strategic Costly Signals (Benevolência espalhafatosa e consumo conspícuo: quando motivos românticos produzem sinalizações estratégicas custosas)
Vladas Griskevicius, Joshua Tybur, Jill Sundie, Robert Cialdini, Geoffrey Miller e Douglas Kenrick.
Journal of Personality and Social Psychology. Volume 93. Nº.1 2007

Apesar do artigo ser de Psicologia, tem algumas implicações econômicas interessantes. Trata de analisar as decisões de consumo em bens de luxo e de filantropia em função de gênero e de emparceiramento (tradução feia, mas adequada, de mating). A ideia é que essas decisões são influenciadas pelo que na zoologia se chama de “sinalização custosa”, o comportamento dos animais de produzirem sinais custosos (obviamente que não em termos de dinheiro, mas de tempo, de energia, risco etc.) para sinalizarem seus melhores prospectos reprodutivos (não sei até que ponto esses termos influenciaram ou foram influenciados pelas teorias de Informação Assimétrica na Economia).

Diversas teorias estudam a filantropia, procurando motivos egoístas para tal comportamento. Uma teoria enquadra a filantropia na Teoria dos Jogos, dizendo que, em um jogo repetitivo, as pessoas procuram ajudar as outras esperando que em “rodadas” subseqüentes, se eles precisarem de ajuda, serão ajudados. A hipótese do artigo é a de que a filantropia serviria para sinalizar riqueza, status e prospectos reprodutivos, algo que não é novo (os autores citam esse comportamento em tribos indígenas).

São apontadas quatro condições para existir a sinalização custosa: 1) Deve implicar custos em termos de recursos econômicos, tempo, energia, risco ou outro sacrifício relevante; 2) Deve ser observável por outros; 3) O sinal traz algum benefício para quem emite o sinal; 4) O sinal indica características desejáveis de se encontrar no emissor. (tornei mais geral esses conceitos que se referiam a emparceiramento). A filantropia pode sinalizar dois fatos: que a pessoa tem recursos e que tem uma personalidade pró-social. Essas duas características são desejáveis em um parceiro, mas pode ser mais ou menos desejável dependendo do gênero da pessoa que, digamos, recebe o sinal. Analisar essas atratividades relativas é o objetivo do artigo.

Doar dinheiro é uma boa maneira de sinalizar que a pessoa tem dinheiro. Outra, mais comum, mais prazerosa e mais efetiva é gastar em compras caras e desnecessárias (a isso dá-se o nome de consumo conspícuo). Não é machismo de minha parte ou da parte dos autores (grupo que inclui uma mulher) fazer a hipótese de que as mulheres valorizam mais demonstrações de riqueza do que os homens. O senso comum e evidências empíricas (não apresentadas aqui)indicam isso também. (Goethe escreveu uma parte autocensurada do Fausto que trata disso também). A pessoa também pode demonstrar personalidade pró-social de outras maneiras além da doação em dinheiro, com trabalho voluntário, por exemplo. Qual gênero valoriza mais esses traços no outro não é uma questão tão resolvida. Ambos os gêneros possuem razões para valorizar esse comportamento caritativo no gênero oposto. Em outro texto, citei um artigo que afirma que mais mulheres trabalham no terceiro setor e analisa os motivos, e sinalizar comportamento para os homens não era um deles. A pesquisa procura terminar as atratividades relativas de cada comportamento.

A pesquisa foi feita com base em vários estudos. O primeiro estudou o comportamento de um grupo de pessoas “românticas” e um grupo de controle. No primeiro grupo, são mostradas fotos de pessoas atraentes do sexo oposto e é pedido para a pessoa imaginar ter um encontro com a pessoa mais atraente. Ao grupo de controle foram mostradas imagens de uma paisagem urbana e pedido ao participante que descrevesse a condição de tempo mais agradável para se passear nessa paisagem. Aos dois grupos, foi pedido que indicassem quanto a pessoa estaria disposta a gastar em cinco tipos de produtos como um novo carro ou férias na Europa. Foi pedido também que a pessoa imaginasse ter 60 horas mensais de tempo livre e que indicassem quanto tempo estaria disposta a utilizar em trabalho voluntário e em qual tipo de trabalho. O grupo 1 não deve considerar a pessoa do “encontro ideal” na resposta às perguntas, já que, na aplicação da pesquisa, foi dito aos participantes que a imaginação do encontro e as perguntas que testam as hipóteses são independentes.

As evidências indicam que os homens do grupo 1 (que imaginaram um encontro) gastaram significativamente mais do que os homens do grupo 2 e que não há diferença significativa entre mulheres. No trabalho voluntário, ocorreu o contrário, com mulheres do grupo 1 mais dispostas a utilizar o tempo em trabalho voluntário do que mulheres do grupo 2 e não havendo diferença significativa entre os homens.

O segundo estudo objetiva analisar se o comportamento dos homens não é dirigido a qualquer tipo de consumo (ou seja, os homens do grupo 1 gastam mais em qualquer coisa, e não apenas em bens de luxo) ou se as mulheres do grupo 1 se voluntariam mais em qualquer situação ou apenas em público. Pela teoria da sinalização custosa, os homens do grupo 1 devem gastar mais em produtos de luxo e as mulheres do grupo 1 devem se voluntariar mais de uma forma que outros vejam. Esse estudo foi parecido com o anterior (com diferenças metodológicas, mas mesma idéia), mas incluindo bens que não sejam de luxo (folha de papel, por exemplo) para estudar o consumo e atividades caritativas que não sejam visíveis publicamente (como postar uma carta que tenha caído da caixa do correio), dessa vez, medindo a disposição a ajudar, não o tempo gasto. Em todos os casos, no Estudo 2, foram perguntadas a disposição a pagar e a disposição a ajudar comparado com os estudantes da Universidade (os participantes do estudo 2 e os subseqüentes eram estudantes que, vejam só, tinham que responder a pesquisa como requisito da matéria).

Os resultados do Estudo 2 foi a de que os homens do grupo 1 realmente gastam mais em consumo de luxo do que o grupo 2 e que o grupo 1 na verdade gasta menos em produtos não-conspícuos do que o grupo 1. Logo, rejeita-se a hipótese de que homens do grupo 1 gastam mais do que o grupo 2, independente do que for. Para as mulheres, o consumo dos dois grupos não difere significativamente em nenhum dos casos. O estudo da benevolência obteve os resultados esperados (a benevolência das mulheres do grupo 1 se deve à benevolência conspícua e não há efeito nos homens).

Há um grupo de atitudes benevolentes muito associado a homens, que é o heroísmo. A priori, os homens não agem heroicamente para conquistar mulheres, mas certamente que isso pode favorecê-los. Para mulheres, por outro lado, heroísmo não é, a priori, uma qualidade procurada pelos homens nas mulheres. Além disso, há um tipo de consumo que pode ser utilizado não para sinalizar riqueza, mas personalidade pró-social, que é doação em dinheiro. Um terceiro estudo procura determinar o comportamento dos homens e das mulheres sobre esses tópicos.

O Estudo 3 é parecido com o 2, incluindo cinco situações heróicas (como enfrentar dois ladrões armados que estão roubando uma casa) e consumo filantrópicos (doar dinheiro para vítimas de desastres naturais, por exemplo). Os resultados confirmam que os homens são mais heróicos do que as mulheres nos dois grupos e os homens do grupo 1 estão mais dispostos a agir heroicamente do que os homens do grupo 2. Consumo filantrópico afeta tanto homens quanto mulheres (lembrando que filantropia de outras maneiras não afetavam os homens), mas ainda afeta mais as mulheres.

Insatisfeitos com os resultados da benevolência masculina, que só se manifestou no heroísmo, os autores fizeram mais um estudo. Bondade e generosidade são traços desejáveis nos homens, e isso deveria se manifestar de algum modo. O teste agora é se incluir atitudes generosas de maior prestígio são mais ou menos desejáveis pelos homens. Cuidar de sem teto ou de crianças carentes é uma atitude pública, mas não muito amplamente divulgada. Fazer o que as celebridades fazem, por outro lado, é. O Estudo 4 inclui atitudes desse tipo nas questões, assim como questões sobre atitudes que indiquem assertividade e liderança (como fazer um discurso sobre uma boa causa para uma platéia hostil). Os resultados indicam que os homens do grupo 1 ajudam significativamente mais do que os homens do grupo 2 na situação de filantropia prestigiosa. Indicam ainda que os homens do grupo 1 são mais propensos a ajudar nas situações que indiquem assertividade e liderança do que não apenas os homens do grupo 2, mas também do que as mulheres.

A Economia e as Finanças “tradicionais” (não gosto dessa expressão, mas vá lá) não ignoram questões como essa. Apenas não se manifestam sobre elas. Supõem que as pessoas seguem uma determinada função utilidade, mas fazem poucas suposições sobre essa função utilidade. Os resultados desse artigo indicam, traduzidas no jargão econômico, que romantismo afeta a função utilidade em algumas situações e afeta homens e mulheres de maneira diferente.

As evidências também indicam vieses que as pessoas podem estar sujeitas. Cabe dizer que o artigo examinou as decisões de consumo e de filantropia em termos de romantismo, mas nada fala da efetividade dessas estratégias de sinalização custosa. Nem que o custo da sinalização supera o eventual benefício. Uma pessoa pode se perguntar se algum romantismo de sua parte está afetando as suas decisões e se vale a pena os custos dessa sinalização.

Uma última nota. A escola comportamental procura contribuições de outras ciências para o estudo da Economia. Isso pode trazer uma série de contribuições para melhorar o entendimento da Economia, mas pessoalmente tenho minhas dúvidas que torne a Economia mais “humana” ou menos lúgubre, a se ver a linguagem desse e de outros artigos.

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