Em um já clássico artigo publicado em 2003 no Quarterly Journal of Economics, Paul Gompers, Joy Ishii e Andrew Metrick analisam a relação entre governança corporativa e retorno de ações.
Empresas são que nem países, com os acionistas
sendo os eleitores que escolhem os agentes que irão representar seus
interesses, o presidente e sua diretoria. Algumas empresas se parecem mais como
ditaduras e outras como democracias, não apenas pela concentração de poder de
voto, mas também pelas regras de governança que seguem. Economicamente, será
que há uma relação entre direitos dos acionistas e desempenho da empresa?
Essa discussão nos Estados Unidos, onde o estudo de
Gompers, Ishii e Metrick foi realizado, é bem diferente em relação ao Brasil.
Lá, a base acionária é mais dispersa, mas há um ativo mercado de fusões e
aquisições, guerras de procurações e ativismo acionário que não se vê tanto no
Brasil. Por conta desses fatores, muitas empresas adotam restrições ao voto
acionário, o que pode acabar entrincheirando a diretoria atual da mesma forma
que uma base acionária concentrada faria.
Os autores analisam a questão da governança com uma
perspectiva de longo prazo, não recorrendo a estudo de eventos que são bastante
utilizados em estudos desse tipo. A grande inovação é a criação de um índice de
governança que procura medir a proteção aos direitos dos acionistas em uma
companhia. Os autores utilizam
informações da Investor Responsibility
Research Center (IRRC) que coleta informações nos demonstrativos e informes
enviados à SEC pelas empresas. Os indicadores utilizados foram divididos em
grupos pelos autores e são:
Grupo “atraso”
– Disposições do estatuto social que procuram atrasar uma oferta hostil.
Cheque
em branco – O conselho de administração tem amplos poderes para decidir sobre
direitos de voto, dividendos e conversão, entre outros. Mais importante, tem
poder para incluir pílulas de veneno (poison
pill) contra tomadas de controle.
Composição
do conselho – Alguns estatutos permitem reeleições indefinidas, mandatos longos
ou outras regras para o conselho que fazem com que seja difícil para um novo
controlador mudar o conselho.
Reunião
especial – Aumento na porcentagem de acionistas necessários para convocar uma
assembleia de acionistas.
Consentimento
escrito – Requisitos especiais e burocráticos para adiar decisões da assembleia
de acionistas.
Grupo “direito
a voto” – Disposições que afetam o direito a voto dos acionistas.
Estatuto
social – Dificuldades criadas para a modificação do estatuto social
Carta
patente – Dificuldades criadas para a modificação a carta patente (charter)
Voto
cumulativo – Permite o acionista alocar os votos da maneira que quiser, o que
permite que acionistas minoritários possam escolher um membro do conselho. Essa
é uma prática considerada positiva.
Votação
secreta – Esconde como os votantes agiram, o que melhora a governança ao
permitir que alguns acionistas (como empregados) possam tomar decisões
independentemente sem temer futuras retaliações. Essa é uma prática considerada
positiva.
Supermaioria
– Exigência de uma maioria superior a 50% mais 1 voto, como 67% dos votos.
Votação
desigual – Disposições que diminuem o poder de voto de alguns acionistas e
reduzem de outros.
Grupo “proteção”
– Disposições incluídas para proteger os diretores e conselheiros da empresa.
Planos
de remuneração – Regras que permitem que os diretores exerçam os seus planos de
remuneração no caso de uma mudança de controle.
Contratos
–Proteção sob contrato dos diretores no caso de serem processados.
Paraquedas
dourados – Compensação para os diretores no caso de demissão após mudança de
controle.
Indenização
– Disposição do próprio estatuto social ou outro documento da empresa que
protege os diretores no caso de processos.
Responsabilidade
– Limitação da responsabilidade do diretor para fins de processos judiciais.
Demissão
– Compensação para os diretores no caso de demissão que não depende de mudança
de controle.
Outros –
Nesse grupo, as demais disposições que foram listadas.
Antigreenmail – Greenmail é a prática de um grande acionista de vender as suas
ações com um prêmio de volta para a empresa com a promessa de não buscar tomar
o controle. Impedir essa prática pode evitar que os acionistas acumulem
posições muito grandes, sem ter uma porta de saída no caso de precisarem, o que
ajuda a manter o controle da empresa intacto.
Deveres
dos diretores – Disposições que ampliam o dever dos diretores para além dos
acionistas, podendo protegê-los de uma tomada de controle ao se apoiar em
outros grupos, como os empregados da empresa.
Preço
justo – Exigência de que os tomadores do controle ofereçam o maior preço pago
nas ações durante um período, de forma a encarecer a tomada de controle.
Paraquedas
pensionário – Impedimento do uso do caixa do fundo de pensão para financiar a
aquisição da empresa.
Pílula
de veneno – Pílulas envenenadas são grupos de disposições estatutárias que
impõem uma série de condições para a tomada hostil de controle, a dificultando.
Paraquedas
prateados – O mesmo que para quedas dourados, mas aplicados para os empregados
da empresa em caso de tomada de controle.
Além desses fatores, há alguns outros relacionados
com leis estaduais que impõem automaticamente algumas regras. Quatro dessas já
foram mencionadas (antigreenmail,
dever dos diretores, preço justo e supermaioria), mas há outras duas. Algumas
leis proíbem algumas transações entre acionistas e empresas por um período de
tempo, exceto se a transação for aprovada pelo conselho. Leis de desembolso (cash-out laws) onde os acionistas
minoritários podem vender ao acionista comprador as suas ações ao maior preço
pago.
Os autores utilizaram a base de dados da IRRC e
criaram o índice de governança (ou
índice G), que aumenta em 1 sempre que a companhia adota uma das práticas
listadas acima. As duas exceções são o voto cumulativo e o voto secreto, que
contam quando ausentes. Dessa forma, quanto maior o índice, pior são os
direitos dos acionistas. Algumas medidas podem variar de intensidade (a
supermaioria, por exemplo), mas por questão de simplicidade dos autores
preferiram manter os dados simplesmente como questão de 0 ou 1. Os grupos
constituíram sub-índices a serem utilizados em análises adicionais. Para o caso
de um prática ser lei estadual, o valor aumenta em 1 no índice e nos
sub-índices, mas não são cumulativos. O valor varia entre 0 e 24.
Os autores consideraram que uma empresa é uma
democracia se o valor do índice for até 5 e ditadura se for igual ou superior a
14. A média e a mediana giram em torno de 9. As notas são relativamente
estáveis ao longo do tempo e não há concentração em indústrias específicas.
Nesse texto, eu pretendia apenas explicar sobre o
índice G criado pelos autores nesse artigo e que foram utilizados em outros
estudos (esse aqui,
por exemplo). Esse índice poderia ser replicado no Brasil com algumas modificações
para refletir as particularidades do mercado brasileiro de capitais.