segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Índice de Governança

Em um já clássico artigo publicado em 2003 no Quarterly Journal of Economics, Paul Gompers, Joy Ishii e Andrew Metrick analisam a relação entre governança corporativa e retorno de ações.


Empresas são que nem países, com os acionistas sendo os eleitores que escolhem os agentes que irão representar seus interesses, o presidente e sua diretoria. Algumas empresas se parecem mais como ditaduras e outras como democracias, não apenas pela concentração de poder de voto, mas também pelas regras de governança que seguem. Economicamente, será que há uma relação entre direitos dos acionistas e desempenho da empresa?

Essa discussão nos Estados Unidos, onde o estudo de Gompers, Ishii e Metrick foi realizado, é bem diferente em relação ao Brasil. Lá, a base acionária é mais dispersa, mas há um ativo mercado de fusões e aquisições, guerras de procurações e ativismo acionário que não se vê tanto no Brasil. Por conta desses fatores, muitas empresas adotam restrições ao voto acionário, o que pode acabar entrincheirando a diretoria atual da mesma forma que uma base acionária concentrada faria.

Os autores analisam a questão da governança com uma perspectiva de longo prazo, não recorrendo a estudo de eventos que são bastante utilizados em estudos desse tipo. A grande inovação é a criação de um índice de governança que procura medir a proteção aos direitos dos acionistas em uma companhia.  Os autores utilizam informações da Investor Responsibility Research Center (IRRC) que coleta informações nos demonstrativos e informes enviados à SEC pelas empresas. Os indicadores utilizados foram divididos em grupos pelos autores e são:

Grupo “atraso” – Disposições do estatuto social que procuram atrasar uma oferta hostil.
                Cheque em branco – O conselho de administração tem amplos poderes para decidir sobre direitos de voto, dividendos e conversão, entre outros. Mais importante, tem poder para incluir pílulas de veneno (poison pill) contra tomadas de controle.
                Composição do conselho – Alguns estatutos permitem reeleições indefinidas, mandatos longos ou outras regras para o conselho que fazem com que seja difícil para um novo controlador mudar o conselho.
                Reunião especial – Aumento na porcentagem de acionistas necessários para convocar uma assembleia de acionistas.
                Consentimento escrito – Requisitos especiais e burocráticos para adiar decisões da assembleia de acionistas.

Grupo “direito a voto” – Disposições que afetam o direito a voto dos acionistas.
                Estatuto social – Dificuldades criadas para a modificação do estatuto social
                Carta patente – Dificuldades criadas para a modificação a carta patente (charter)
                Voto cumulativo – Permite o acionista alocar os votos da maneira que quiser, o que permite que acionistas minoritários possam escolher um membro do conselho. Essa é uma prática considerada positiva.
                Votação secreta – Esconde como os votantes agiram, o que melhora a governança ao permitir que alguns acionistas (como empregados) possam tomar decisões independentemente sem temer futuras retaliações. Essa é uma prática considerada positiva.
                Supermaioria – Exigência de uma maioria superior a 50% mais 1 voto, como 67% dos votos.
                Votação desigual – Disposições que diminuem o poder de voto de alguns acionistas e reduzem de outros.

Grupo “proteção” – Disposições incluídas para proteger os diretores e conselheiros da empresa.
                Planos de remuneração – Regras que permitem que os diretores exerçam os seus planos de remuneração no caso de uma mudança de controle.
                Contratos –Proteção sob contrato dos diretores no caso de serem processados.
                Paraquedas dourados – Compensação para os diretores no caso de demissão após mudança de controle.
                Indenização – Disposição do próprio estatuto social ou outro documento da empresa que protege os diretores no caso de processos.
                Responsabilidade – Limitação da responsabilidade do diretor para fins de processos judiciais.
                Demissão – Compensação para os diretores no caso de demissão que não depende de mudança de controle.

Outros – Nesse grupo, as demais disposições que foram listadas.
                AntigreenmailGreenmail é a prática de um grande acionista de vender as suas ações com um prêmio de volta para a empresa com a promessa de não buscar tomar o controle. Impedir essa prática pode evitar que os acionistas acumulem posições muito grandes, sem ter uma porta de saída no caso de precisarem, o que ajuda a manter o controle da empresa intacto.
                Deveres dos diretores – Disposições que ampliam o dever dos diretores para além dos acionistas, podendo protegê-los de uma tomada de controle ao se apoiar em outros grupos, como os empregados da empresa.
                Preço justo – Exigência de que os tomadores do controle ofereçam o maior preço pago nas ações durante um período, de forma a encarecer a tomada de controle.
                Paraquedas pensionário – Impedimento do uso do caixa do fundo de pensão para financiar a aquisição da empresa.
                Pílula de veneno – Pílulas envenenadas são grupos de disposições estatutárias que impõem uma série de condições para a tomada hostil de controle, a dificultando.
                Paraquedas prateados – O mesmo que para quedas dourados, mas aplicados para os empregados da empresa em caso de tomada de controle.

Além desses fatores, há alguns outros relacionados com leis estaduais que impõem automaticamente algumas regras. Quatro dessas já foram mencionadas (antigreenmail, dever dos diretores, preço justo e supermaioria), mas há outras duas. Algumas leis proíbem algumas transações entre acionistas e empresas por um período de tempo, exceto se a transação for aprovada pelo conselho. Leis de desembolso (cash-out laws) onde os acionistas minoritários podem vender ao acionista comprador as suas ações ao maior preço pago.

Os autores utilizaram a base de dados da IRRC e criaram o índice de governança (ou índice G), que aumenta em 1 sempre que a companhia adota uma das práticas listadas acima. As duas exceções são o voto cumulativo e o voto secreto, que contam quando ausentes. Dessa forma, quanto maior o índice, pior são os direitos dos acionistas. Algumas medidas podem variar de intensidade (a supermaioria, por exemplo), mas por questão de simplicidade dos autores preferiram manter os dados simplesmente como questão de 0 ou 1. Os grupos constituíram sub-índices a serem utilizados em análises adicionais. Para o caso de um prática ser lei estadual, o valor aumenta em 1 no índice e nos sub-índices, mas não são cumulativos. O valor varia entre 0 e 24.

Os autores consideraram que uma empresa é uma democracia se o valor do índice for até 5 e ditadura se for igual ou superior a 14. A média e a mediana giram em torno de 9. As notas são relativamente estáveis ao longo do tempo e não há concentração em indústrias específicas.


Nesse texto, eu pretendia apenas explicar sobre o índice G criado pelos autores nesse artigo e que foram utilizados em outros estudos (esse aqui, por exemplo). Esse índice poderia ser replicado no Brasil com algumas modificações para refletir as particularidades do mercado brasileiro de capitais.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Doações políticas de empresas abertas

O Valor Econômico publicou uma reportagem sobre doações políticas por parte de empresas de capital aberto, questionando sobre os motivos e critérios adotados.


A maioria das companhias forneceu respostas evasivas, quando não simplesmente ignorou a reportagem. Apenas uma empresa (Itaú-Unibanco) respondeu a todas as perguntas feitas. Isso mostra como o tema da transparência ainda não é tão bem praticado como as boas práticas de governança corporativa recomendam, como a própria reportagem coloca

Esse tema (doações políticas) já foi abordado anteriormente no blog:


Além disso, tem a resenha do livro Capitalismo de Laços, que também aborda esse tema embora não seja o foco.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Liquidez e retornos

Retomando uma questão apontada em artigo anterior, resumo artigo de Lubos Pastor e Robert Stambaugh sobre como liquidez afetam os retornos esperados.


Um fator pode afetar os retornos esperados se houver uma covariância entre os dois. Caso haja um retorno baixo acompanhando a piora nesse fator, os investidores exigem alguma compensação para assumirem esse risco. Essa lógica foi bem resumida por Antti Ilmanen definindo risco como retornos ruins em tempos ruins. Liquidez pode ser um fator de risco se os retornos forem ruins em momentos de baixa liquidez. Não fosse assim, os investidores prefeririam ativos que não são afetados pela menor liquidez do mercado. Uma das vítimas da baixa liquidez foi o LTCM, hedge fund que afundou e quase levou o mercado junto estando com posições ilíquidas que tiveram um desempenho muito ruim quando a liquidez secou e tornaram o fundo insolvente.

Primeiro de tudo, os autores discutem a medida de liquidez que irão utilizar, o que não é questão trivial. O que os autores consideram relevante é a mudança temporária de preços associadas com o fluxo de ordens. Será utilizada uma medida individual que depois será agregada para medir a liquidez do mercado. A variável de liquidez é calculada através de uma regressão linear que procura determinar o retorno de uma ação em D+1 a partir de uma série de variáveis como o retorno em D+0 e o volume, conforme abaixo:

O coeficiente gama é a variável de interesse, mostrando o efeito do volume e do sinal do retorno acima (ou abaixo) do mercado nos retornos no dia seguinte. Essa variável consegue isolar os efeitos específicos na ação dos efeitos do mercado. Dessa forma, os autores analisam o efeito do fluxo de ordens nos retornos. Um gama negativo e elevado indicaria um grande impacto negativo nos retornos com liquidez baixa, com a reversão do movimento observado anteriormente. Ou seja, quando a liquidez é baixa, um retorno anormal pode ser mais fortemente corrigido no futuro do que quando a liquidez é alta.

Além da liquidez individual das ações, os autores utilizam a liquidez agregada do mercado, uma média simples dos coeficientes gama que servem de medida de liquidez. Essa medida agregada parece fazer sentido, uma vez em que coincide com momentos que sabemos que houve uma crise de liquidez, como o grande crash de 1987, a crise do petróleo em 1973 e a quebra do LTCM, conforme se vê no gráfico abaixo:

Os autores também constroem uma medida de “inovação em liquidez”, que é a mudança inesperada de liquidez. Essa variável possui correlação de 36% com os retornos e é ainda mais forte em meses de retornos negativos. Esse é o principal fator de análise no artigo.

A correlação entre volatilidade e liquidez agregada é negativa e elevada (-57%), o que indica que os provedores de liquidez exigem maiores prêmios justamente quando a volatilidade é mais elevada.

Há evidências de que há a “fuga para a qualidade”, a correlação entre retorno das ações e retorno dos títulos de renda fixa sendo negativo durante períodos de baixa liquidez, enquanto que nos demais períodos a correlação é positiva. A relação entre volume e retornos é parecida.

Para analisar a questão principal do artigo, se liquidez é um fator de risco, os autores calculam a “Inovação em Liquidez” dos ativos e compõem dez carteiras com base nessa variável, chegando ao fator beta em relação à liquidez assim como há outras betas nos modelos de precificação de ativos. O modelo utilizado pelos autores parte do modelo Fama-French e inclui o fator liquidez:

O BiL é a covariância do ativo com a liquidez agregada do mercado. São duas análises distintas: usando betas previstos ou betas históricos. Na primeira abordagem, os autores preveem o beta de liquidez a partir de sete características da ação, incluindo o beta histórico. Esses betas previstos são utilizados para classificar as ações e aloca-las nas dez carteiras utilizadas para a construção do fator no modelo de precificação. Uma nova regressão é realizada para calcular o “post-ranking beta”, que é utilizado para análises posteriores.

As carteiras com menores betas “post-ranking” são de empresas menores, de crescimento e menos líquidas. Por que isso ocorre? Seria de se imaginar que as ações menos líquidas são aquelas que mais sofrem com a escassez de liquidez. Porém, há também o fato de que quando os investidores estão fugindo das ações, podem optar pelas mais fáceis de vender, ou seja, as mais líquidas. Aqui, imagino que as ações menos líquidas só não caem mais porque não há investidores dispostos a aceitar tão pouco para se desfazerem de suas ações. Na crise de 2008, eu mesmo vi uma série de ações de baixa liquidez com poucas ordens de compras e a preços muito baixos. Pode ser que as ações não registrem queda, mas há uma severa desvalorização se fossemos marcar a partir da melhor ordem de compra.

Mais relevante é comparar o alfa das carteiras classificadas de acordo com o seu beta de liquidez. Se a sensibilidade a mudanças na liquidez afeta o preço dos ativos, deveríamos perceber comportamentos distintos das carteiras e é o que se verifica, a diferença do alfa da carteira com maior beta para a de menor beta sendo positivo e estatisticamente significativo. Ou seja, ações que se movimentam mais de acordo com mudanças na liquidez agregada oferecem maiores retornos esperados na medida que os investidores desejam compensação para quedas mais bruscas quando a liquidez seca.

É possível calcular o prêmio por risco, utilizando todas as 10 carteiras separadas por betas de liquidez. Essa é mais uma maneira de determinar que a liquidez é um fator de risco, esse prêmio variando de 7,5% a 10% em termos anualizados.

Utilizando agora betas históricos, ao invés de previstos, há algumas mudanças importantes. Não há mais uma concentração de ações de baixa capitalização ou de crescimento apenas no grupo de menores betas, o grupo de maior beta também contendo ações com essas características. Talvez small caps tenham estimativas mais “ruidosas” do beta histórico. Para os retornos, não há diferença em relação aos resultados encontrados utilizando betas previstos.

As implicações para investimento são difíceis de analisar ou sugerir, como os próprios autores afirmam. Mas determinar como uma ação reage a mudanças na liquidez do mercado pode ser uma fonte de alfa para a carteira. Essa análise é bem complexa e sujeita a vários erros de estimação, no entanto.


Conclusão: Ações mais sensíveis a variações na liquidez agregada geram retornos superiores, mesmo considerando por outros fatores de risco conhecidos, o que sugere que a liquidez também é um fator de risco. Esse estudo tem implicações para os modelos de precificação de ativos, ajudando a entender as anomalias dos modelos existentes. Porém, nesse artigo, a liquidez só foi significativa para explicar o fator momento, que diminui de importância após a inclusão da liquidez na análise. Estava esperando que a liquidez fosse mais determinante nesse sentido, mas, ao menos levando em conta esse único artigo, ainda não explica tanto sobre os preços dos ativos.

Liquidity Risk and Expected Stock Returns
Lubos Pastor e Robert Stambaugh
Journal of Political Economy. Vol. 111. Nº 3. 2003

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O que querem os investidores?

O que querem os investidores - Meir Statman

No começo da Teoria de Investimentos, a suposição era a de que os investidores agiam de forma mecânica e se interessavam apenas por duas coisas: risco e retorno.


Essas teorias foram importantes para começarmos a entender um assunto até então inexplorado, mas hoje compreendemos que os investidores não agem de forma totalmente racional ou, por outro ângulo, agem com uma racionalidade que vai além do risco e do retorno. O livro What Investors Really Want de Meir Statman procura analisar quais são essas outras motivações dos investidores. Essa é uma expansão de um artigo de nome parecido, que eu resumi aqui.

Na introdução do livro, Statman compara investimentos com trabalho. Em ambos os casos, nós nos importamos com o retorno financeiro e ponderamos os mais diversos riscos. Mas não escolhemos o nosso trabalho apenas nesses termos. Trabalho, assim como investimentos, expressam parte de nossa identidade. Envolvem emoções além do medo do risco, como esperança, segurança e status. Podem também envolver valores pessoais, como já analisei anteriormente (aqui, por exemplo).

Os nomes dos capítulos do livro geralmente começam com “Nós queremos...” ou “Nós temos...”. No primeiro capítulo, o desejo mais comum, o de obter retornos que compensem o risco. Nesse capítulo, fala sobre gestão passiva e ativa, eficiência de mercado, insider trading e conta várias histórias de hoje e do passado de pessoas querendo superar o mercado.

O capítulo 2 diz respeito ao comportamento do investidor, se referindo a vários dos vieses comportamentais aos quais os investidores estão sujeitos. Um argumento que achei interessante nesse capítulo (relativo a framing) é a comparação com outras profissões. Você não pode esperar ter rendimentos médios sem saber o mínimo sobre uma profissão.  No entanto, sem conhecimento algum, aplicando em um fundo indexado, é possível obter os retornos médios no mercado acionário. Na maioria das profissões, você pode obter ganhos superiores estudando mais e trabalhando duro. No mercado acionário, não há essa compensação.

Esses vieses comportamentais são prejudiciais e deveriam ser controlados para melhorar a situação do investidor. Mas não é só a mente que prega peças: o “coração” também o faz. O terceiro capítulo é justamente sobre emoções e sentimentos. Statman aborda assuntos como emoções positivas, negativas (raiva e ódio), superstição, excesso de confiança e ilusão de controle. Todas essas emoções não apenas são prejudiciais aos investidores, mas também manipuláveis por participantes do mercado financeiro que podem se beneficiar disso.

Então, até agora sabemos que nós queremos ganhar dinheiro superando o mercado e vieses cognitivos e emotivos nos fazem pensar que isso é fácil. Mas ganhar dinheiro é só um benefício utilitário. Há outro, que é o simples desejo de jogar e o capítulo 4 é sobre esse tema. Por isso que mesmo que fosse amplamente reconhecido que a gestão passiva é melhor no que se refere ao risco-retorno, ainda haveria investidores que se desviariam desse padrão porque extraem utilidade com investimentos de outras maneiras. Operar ações gera adrenalina no investidor e realizar operações bem-sucedidas faz com que o investidor se sinta vitorioso. Perder dinheiro gera uma emoção negativa quase tão intensa quanto, mas muitos investidores parecem aceitar esse risco para obter “benefícios expressivos”. Há também uma parte social, expressa em clubes de investimento, fóruns online e até assembleias de acionistas, caso especial da Berkshire Hathaway.

O capítulo 5 é sobre bolhas, crises, fraudes e o “efeito manada”, com um breve histórico de bolhas famosas (Ponto Com, em especial), crises (não apenas 2008, mas também o Flash Crash de 2010), fraudes (Madoff) e o efeito manada que orienta o comportamento dos investidores, incluindo os institucionais.

No sexto capítulo, Statman volta ao assunto dos vieses comportamentais, tratando da contabilidade mental e do autocontrole. Sobre contabilidade mental, mostra os exemplos em que isso é negativo, mas também sobre como pode ser positivo (se forçar a poupar dinheiro, por exemplo). Aliás, contabilidade mental é um argumento muito utilizado ao longo dos próximos capítulos para ilustrar os temas de cada um. Sobre autocontrole, o assunto é mais os perigos da falta de controle, mas não deixa de abordar o perigo de um excesso de controle (excesso de poupança).

O sétimo capítulo é sobre o dilema entre poupar para amanhã com vistas à aposentadoria e gastar dinheiro hoje. Um argumento que achei interessante é que na idade ativa as pessoas deveriam procurar transformar renda em capital e na fase de desinvestimento transformar capital em renda. Por isso, dividendos (um tema bastante discutido nesse capítulo) deveria ser uma preocupação maior para os investidores já aposentados, porque para os trabalhadores da ativa a tentação de gastar essa renda é grande.

No capítulo oito, a dicotomia é entre a esperança por riquezas e a liberdade da pobreza, ou seja, querem segurança financeira, mas também enriquecer. No argumento de contabilidade mental, Statman diz que uma alocação que as pessoas fazem é entre o dinheiro necessário para proteger contra a pobreza e outro tentando ganhar muito dinheiro, com loterias ou investimentos com esse comportamento. Negociar ações é outra maneira de ter esperança de riquezas.

Nesse capítulo, Statman escreve sobre os lottery bonds, que se parecem muito com os nossos títulos de capitalização. Superficialmente, eles oferecem a liberdade da pobreza (garantem o principal) e ainda oferecem esperança por riquezas. Mas no fundo é um péssimo produto, oferecendo retorno esperado menor do que outras alternativas. Como dizem em inglês: você não pode comer o bolo e mantê-lo. Juntar as duas aspirações em uma cria um produto que não realiza nenhuma das duas.

O nono capítulo é sobre as diferenças entre as pessoas, apesar dos anseios similares explicados nos capítulos anteriores. Fatores como idade, gênero, personalidade e cultura afetam as motivações para investir, resultando em diferentes disposições a correr risco, diferentes de taxas de poupança e o viés local.

Aversão a perdas é o tema do décimo capítulo do livro, abordando não apenas perdas em investimentos de pessoas físicas, mas também perdas corporativas e de fundos de investimento. Esse é o capítulo que tem um ponto interessante sobre a renda fixa, que eu abordei em outro texto.

O capítulo 11 é sobre impostos e a busca por investidores (e pessoas, de forma geral) de evitar ou reduzir o pagamento de impostos. Às vezes não é nem uma questão utilitária, ou seja, ter mais dinheiro, e sim não querer dar dinheiro para o governo. Impostos causam distorções e nas Finanças uma delas é o “imposto da morte”, onde idosos em condições terminais podem autorizar o desligamento das máquinas para morrer mais cedo e pagar menos impostos. Para os investimentos, impostos também causam distorções. Nos Estados Unidos, apontaria a tributação de dividendos. No Brasil, a tabela regressiva no tempo para Renda Fixa, o imposto sendo maior para quem fica poucos meses em um investimento de renda fixa do que para quem faz Day Trade.

A tese desenvolvida ao longo do livro é a de que há outros elementos que geram benefícios além do retorno. No capítulo 12, Statman fala sobre status e respeito. Seja por sua natureza, seja pelo seu elevado valor inicial, investimentos como Private Equity, Hedge Funds, vinhos, filmes e arte. O capítulo ainda trata da questão da utilidade relativa e inveja e também a auto-sinalização de alguns investimentos, interpretando o investimento socialmente responsável nesses termos.

Statman volta ao tema do investimento socialmente responsável no capítulo 13, sobre se manter verdadeiro aos seus valores. Aborda também o tema diametralmente oposto, as ações pecadoras. O capítulo 14 é sobre o sentimento de justiça, sendo conhecido desde o ultimato de Thaler que as pessoas se preocupam com justiça em transações econômicas. Isso gira em torno de temas como bônus para executivos, spinning em IPOs (alocar ações para clientes que o banco de investimento está cortejando em condições privilegiadas), regras de cartões de crédito e contas bancárias, entre outros temas. Esse é um tema importante com implicações econômicas sérias, como mostrei no texto sobre capital social. Por exemplo, as pessoas físicas vão investir menos em ações se não tiverem confiança nas instituições.

O capítulo 15 aborda o tema da família, incluindo tópicos como poupar para pagar a faculdade dos filhos, mesada, dar dinheiro para filhos adultos, receber dinheiro de filhos adultos e questões sucessórias. Como no resto do livro, são temas importantes, abordados com certa superficialidade pela finalidade do livro. O último capítulo é sobre o desejo dos investidores de receberem auxílio, tratando de regulação e aconselhamento. Discute sobre o limite da regulação, que deve ficar entre o excessivo paternalismo e a excessiva liberdade tendo em vista que as pessoas são leigas em investimento na maior parte das vezes, fala sobre literacia financeira e sobre a busca por consultores financeiros. Uma parte interessante é uma citação de um profissional, dizendo que na maioria das vezes as pessoas não querem realmente um conselho, e sim alguém que aprove o que eles já queriam fazer. Além de consultores profissionais, os investidores buscam dicas em comunidades, na internet ou fora dela.


No final das contas, o livro mostra algumas características dos investidores pessoa física e o ponto principal é que os investidores extraem benefícios utilitários (retornos), mas também expressivos e emocionais dos investimentos. Esse livro aborda diversos tópicos interessantes, sem entrar em maiores detalhes sobre cada um. Nesse tocante, considero esse um livro intermediário, para quem já tem um bom conhecimento sobre os conceitos fundamentais de investimento e que está a procura de tópicos avançados, podendo utilizar o livro como um guia para escolher um para se aprofundar. 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Quem é o culpado?

Em vários artigos, eu discuti o desempenho de fundos de investimento e as evidências de que, na média, eles geram um retorno abaixo do seu índice de referência. Além de reforçar esse ponto, o artigo de Charles Ellis publicado na Financial Analysts Journal procura determinar quem é o culpado por isso. Aponta quatro suspeitos e conclui: todos são culpados.


O foco do artigo são os fundos institucionais, como fundos de pensão. Uma das fontes de mau desempenho desses fundos está relacionada com a contratação de gestores de carteira, como o livro The Quest for Alpha também relata. Os administradores dos fundos institucionais contratam gestores que tiveram um bom desempenho em tempos recentes só para depois dispensá-los quando não geram os mesmos retornos, só para que os mesmos voltem a ter um bom desempenho depois da dispensa. Acabam comprando caro o gestor e depois vendendo barato. A escolha de gestores também passa por aplicar em ativos que tiveram um bom desempenho passado, mas que não necessariamente terão bom desempenho futuro. Outro fator são os custos dos investimentos, situação analisada em maiores detalhes em outros artigos. Os baixíssimos custos dos fundos passivos criam um custo ainda maior para os fundos ativos na comparação entre os dois. Na margem, o custo superior dos fundos ativos não é compensado por retornos superiores.

Então, quem é o “culpado”? (Culpado no sentido de responsável pelo baixo desempenho dos fundos institucionais). O autor lista os suspeitos. O primeiro, e segundo o autor, principal, são os gestores. Ellis argumenta que um dos problemas é que os gestores se esforçam demais para passarem uma boa imagem de si mesmo, mascarando a realidade com a escolha cuidadosa de dados, mostrando desempenho antes de despesas, explicando de maneira simplória estratégias complexas de investimento e por ai vai. Mais esforço deveria ser feito na comunicação com o cliente para convencê-lo do quão difícil é obter desempenho superior e menos em vender ilusões.

Outros culpados são os consultores, que ajudam a selecionar os gestores para o comitê de investimentos dos fundos institucionais. O comitê tem pouco tempo livre, já que se dedicam a outras atividades, e precisam depender de consultores. Estes, para reduzir o risco de perderem a conta com o cliente, diversificam em excesso na sugestão de gestores. Além do mais, adotam posições muito defensivas, mais pensando em seus interesses no que dos clientes. A rotatividade dos gestores de mau desempenho também é uma prática defensiva, apresentando só aqueles que deram certo sem se dar ao trabalho de fender os que tiveram pior desempenho no passado, mas poderiam melhorar no futuro. Ou seja, nessa parte do mau desempenho, contratar gestores com bom desempenho passado e dispensar os que forma pior, os consultores são os culpados.

Os executivos dos fundos também são culpados. Ellis aponta para o fato de uma mesma instituição manter várias contas separadas, o que do ponto de vista de economia de escala não parece muito inteligente. Aponta também o fato de que são eles que contratam os demais participantes da administração e por isso também têm uma parcela de culpa.

Segundo Ellis, o comitê de investimentos também tem culpa, apesar das melhores das intenções. Primeiro, os membros se reúnem muito infrequentemente, por pouco tempo, se ocupam de algumas tarefas pouco relevantes e têm que tomar decisões de contratar ou dispensar gestores no tempo que sobra. Ellis ainda acredita que muitos dos membros não estão tão atualizados quanto às práticas de investimentos mais modernas. O foco em decisões de investimentos, e não em boa governança, também atrapalha o desempenho dos comitês e os tornam também culpados pelo desempenho inferior dos fundos.

Isso leva Ellis a concluir que o culpado são todos os suspeitos, que nem no livro Assassinato no Expresso do Oriente, de Agatha Christie, que serviu de inspiração para a argumentação e o título do artigo. O pior: eles não estão dispostos a reconhecer isso. Ellis aponta vários problemas na administração dos fundos institucionais e mostra algumas das soluções que poderiam ser implantadas se houvesse vontade para tal.

Charles Ellis

Financial Analysts Journal. Volume 68. Ed. 4. 2012

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Dividendos obrigatórios

No Brasil, segundo a lei das Sociedades Anônimas (lei 6.404, artigo 202), as sociedades anônimas devem estabelecer um dividendo mínimo obrigatório não inferior a 25%, havendo a possibilidade da distribuição de dividendos em quantia inferior ou até nula dadas algumas condições. A questão é: qual é real efeito dessa regulação?


Em artigo publicado no Journal of Corporate Finance, Theo Cotrim Martins e Walter Novaes analisaram essa questão para o mercado brasileiro entre 2005 e 2009. Essa discussão está no contexto das leis que protegem o acionista minoritário e a ligação desse tema com o desenvolvimento financeiro do país. O dividendo mínimo obrigatório impediria que os acionistas controladores deixassem de pagar dividendos para utilizar os recursos como bem entendessem, mas pode ter o efeito negativo de reduzir os recursos livres para serem investidos. Apenas cinco países adotam essa regra, Chile, Colômbia, Grécia e Venezuela, além do Brasil.

Como mencionado, as sociedades anônimas brasileiras precisam pagar 25% do lucro em dividendos, mas há maneiras legais de pagar menos dividendos. Uma delas é através da constituição de reservas. Os autores interpretaram isso como uma manobra, mas esse também é um ponto obrigatório pela mesma lei 6.404 (artigo 193). A sociedade deve provisionar 5% do lucro líquido, antes de qualquer outra destinação, em reservas legais, que não podem exceder 20% do capital social. Logo, empresas com reservas legais abaixo de seu limite devem fazer essa reserva. O dividendo mínimo obrigatório é pago em cima do lucro após reserva legal, de forma que o mínimo passaria a 23,75% nesse caso (ou seja, 25% sobre 95% do lucro). Em média, 41,49% das empresas pagaram dividendos abaixo do obrigatório, mas muito por conta desse fator.

Em média, 21% das empresas lucrativas não pagam dividendos, aproveitando-se da brecha deixada pela lei para reterem dividendos se a administração considerar que isso é do interesse da companhia. Porém, o comportamento não é persistente, justamente pelo artigo 111 da lei das S/As, que estabelece o direito a voto para as ações preferenciais caso a companhia não pague dividendos por três anos consecutivos (ou menos, se assim estabelecer o estatuto), direito que permanece até que a empresa pague cumulativamente os dividendos devidos.

A atuação da CVM pode coibir a retenção indevida de dividendos, já que essas situações passam pelo crivo da autarquia e pode resultar em punições aos administradores caso a retenção seja injustificada. Nesse ponto, há ainda em curso um polêmico (e complexo) caso que envolve a Eletrobras, que reteve dividendos por décadas e que está sendo alvo de um processo administrativo na CVM para que pague o que deve.

Dessa forma, as empresas procuram brechas na lei para distribuir dividendos menores, mas encontram restrições na lei. E qual é o seu efeito? As empresas de capital aberto no Brasil pagaram, no período de análise, retorno sobre dividendos de 2,29% contra 1,38% nos Estados Unidos, onde não há essa regra (me pergunto se não seria melhor comparar com um país mais parecido com o Brasil). Mesmo estimando que as empresas americanas recompram mais ações, o retorno seria de apenas 1,9%, ainda abaixo das empresas brasileiras. Apesar da lei, menos empresas pagam dividendos no Brasil na comparação com os Estados Unidos, 57% contra 67%. Diferenças no tamanho das empresas não explica essa diferença de comportamento.

Empresas mais lucrativas são mais propensas a distribuir dividendos tanto aqui quanto nos Estados Unidos. No Brasil, porém, a distribuição de dividendos cai mais do que nos Estados Unidos considerando os grupos com menor rentabilidade.

Outra questão é sobre se os dividendos obrigatórios reduzem os investimentos das companhias abertas. Para analisar essa questão, os autores utilizam uma regressão em dois estágios, no primeiro procurando determinar a probabilidade da empresa pagar dividendos e no segundo utilizando esse fator para analisar o investimento realizado pela empresa. A conclusão dessa análise é a de que o pagamento de dividendos não afeta a capacidade de investimento, logo, a obrigatoriedade de pagamento não parece afetar as decisões financeiras da empresa.

Dessa forma, a regra brasileira de dividendos aumenta a distribuição de dividendos para empresas lucrativas, reduziu o dividendos das empresas menos lucrativas e não mostrou efeito negativo no investimento corporativo.

Theo Cotrim Martins e Walter Novaes.

Journal of Corporate Finance. Volume 18. Ed. 4. 2012